
O livro 'Torto arado', que vendeu mais de 340 mil c�pias e encerrou 2021 no topo dos mais vendidos no Brasil, segue nessa posi��o no ranking em 2022, sem sinal de que recuar�. Foi escrito por um menino de 16 anos apaixonado pelos versos de "Mar�lia de Dirceu", de Tom�s Ant�nio Gonzaga.
Essa era a idade de Itamar Vieira J�nior quando escreveu as primeiras 80 p�ginas de "Torto arado", o best-seller vencedor dos pr�mios Leya, Oceanos e Jabuti. Essa primeira vers�o se perdeu, mas o nome escolhido pelo adolescente manteve-se e a ideia de escrever a hist�ria das irm�s Belon�sia e Bibiana tamb�m.
"Torto arado", t�tulo que ele manteve desde a adolesc�ncia, sai de um verso para Mar�lia de Dirceu, a jovem camponesa amada pelo pastor de ovelhas Dirceu. "Escrevi 80 p�ginas, mas essas p�ginas se perderam numa mudan�a de casa. Ainda bem que se perderam. Mas fiquei com uma pequena frustra��o de querer contar uma hist�ria e n�o ter conseguido contar. Carreguei isso, carreguei pacificamente, nada que me perturbasse n�o. A vida me ensinou tantas coisas, chegou o momento certo e contei", relembra.
Capricho do destino, o garoto baiano, que se inspirou nos versos escritos por um dos articuladores da Inconfid�ncia Mineira, � o homenageado da Fliarax�, que est� sendo realizada de forma h�brida: on-line e presencialmente em Arax�, at� domingo (15/5).
Itmar divide o painel "Aboli��o, Independ�ncia e Literatura" com o escritor Jeferson Ten�rio, autor do livro "O avesso da pele" (Cia. das Letras), nesta sexta-feira, 13 de maio, dia em que se relembra a assinatura da Lei �urea pela Princesa Isabel - uma data controversa.
Itmar divide o painel "Aboli��o, Independ�ncia e Literatura" com o escritor Jeferson Ten�rio, autor do livro "O avesso da pele" (Cia. das Letras), nesta sexta-feira, 13 de maio, dia em que se relembra a assinatura da Lei �urea pela Princesa Isabel - uma data controversa.
Homenagem na Fliarax�
O escritor Itamar Vieira J�nior � o homenageado da edi��o da Fliarax� 2022. Aos 42 anos, o jovem escritor fica encabulado com a l�urea, mas agradece o espa�o que, na opini�o dele, � de celebra��o da literatura brasileira.
"Fico t�o sem jeito com homenagem. Sempre acho que n�o fiz nada para merecer, mas fico muito feliz, primeiro porque amo a literatura, e a curadoria desse festival � especial. Uma festa cheia de pessoas amigas e que admiro. Sempre � bom receber esse carinho das pessoas que amam e trabalham pela literatura e junto a eles, com esse mesmo interesse, vamos celebrar a vida, a arte e a literatura brasileira", disse.
"Fico t�o sem jeito com homenagem. Sempre acho que n�o fiz nada para merecer, mas fico muito feliz, primeiro porque amo a literatura, e a curadoria desse festival � especial. Uma festa cheia de pessoas amigas e que admiro. Sempre � bom receber esse carinho das pessoas que amam e trabalham pela literatura e junto a eles, com esse mesmo interesse, vamos celebrar a vida, a arte e a literatura brasileira", disse.
"O grande problema da estrutura fundi�ria brasileira � a legisla��o. Nenhum de n�s prescinde da terra"
Itamar Vieira J�nior, escritor
Com a curadoria do escritor Tom Farias, autor de "Carolina: uma biografia" (Mal�), "Jos� do Patroc�nio: a pena da aboli��o" (Kapulana), essa edi��o da Fliarax� tem na programa��o autores negros e negras que s�o nomes proeminentes na literatura nacional, como o pr�prio Itamar Vieira J�nior, Concei��o Evaristo, Jeferson Ten�rio, Eliana Alves Cruz, Edimilson de Almeida Pereira, Ana Maria Gon�alves, Geni Guimar�es entre outros.
"O mundo � outro"
Itamar avalia que, apesar de um retrocesso em algumas �reas, o Brasil vive um novo momento no que se refere ao debate p�blico sobre o racismo. Ele lembra que essa mudan�a se v� refletida no mercado editorial. "Se antes batia �s portas das grandes editoras e recebia um n�o, pequenas e m�dias editoras come�aram a publicar essas editoras. O mundo � outro", avalia.
Falar em aboli��o � sobretudo tratar sobre o direito � terra. Essa � uma quest�o central no trabalho de Itamar tanto como ge�grafo, que trabalha h� 16 anos no Incra, como de escritor. "O grande problema da estrutura fundi�ria brasileira � a legisla��o. Nenhum de n�s prescinde da terra". Quando Itamar se refere � terra, trata tanto do campo, quanto das periferias das cidades e das pessoas sem teto. Ele ressalta que � uma legisla��o do s�culo 19.
Em "Torto arado", voc� trata, n�o de forma direta, de uma aboli��o incompleta. Uma aboli��o que deixou uma s�rie de problemas, principalmente, quando se coloca em perspectiva a quest�o agr�ria das pessoas que vivem no Brasil profundo. O que o 13 de maio representa?
H� muitas d�cadas, a gente j� n�o celebra como no passado o 13 de maio, pela consci�ncia de que essa data pouco representou no processo emancipat�rio da popula��o negra e tamb�m por entender como essa aboli��o foi incompleta. Ela continua.
A gente continua tentando que ela seja efetivada como um todo, mas ainda assim � uma data importante para que a gente recorde esse trauma que nos acompanha h� muito tempo.
O Brasil foi o pa�s onde mais aportaram pessoas escravizadas, de v�rias etnias da �frica. Foi o �ltimo pa�s, pelo menos nas leis, a abolir a escravatura, e, ainda assim, a gente convive com toda essa heran�a maldita, de todo esse passado colonial, de todo esse passado escravista. � uma data para gente poder refletir sobre que pa�s queremos ser j� que essa chaga continua aberta.
A gente continua tentando que ela seja efetivada como um todo, mas ainda assim � uma data importante para que a gente recorde esse trauma que nos acompanha h� muito tempo.
O Brasil foi o pa�s onde mais aportaram pessoas escravizadas, de v�rias etnias da �frica. Foi o �ltimo pa�s, pelo menos nas leis, a abolir a escravatura, e, ainda assim, a gente convive com toda essa heran�a maldita, de todo esse passado colonial, de todo esse passado escravista. � uma data para gente poder refletir sobre que pa�s queremos ser j� que essa chaga continua aberta.
Voc� ainda trabalha como ge�grafo no Incra. Depois do sucesso que foi "Torto arado", voc� pensa em se dedicar exclusivamente � literatura?
Por enquanto, mantenho o trabalho como ge�grafo. N�o vou dizer 'dessa �gua n�o beberei'. Se algum dia, a literatura me permitir viver s� dela, eu n�o vou hesitar. � uma voca��o que me acompanha h� muito tempo, desde a inf�ncia. Ficaria muito feliz, mas continuo muito satisfeito.
Eu trabalho h� mais de 16 anos no Incra e trabalhar com esse segmento da sociedade, trabalhar com o servi�o p�blico � quase uma miss�o: esse contato com as pessoas, com trabalhadores, de lugares diferentes, que viveram hist�rias diferentes. � inevit�vel que isso n�o atravesse no que eu escrevo, nas coisas que surgem nas minhas hist�rias.
Sou uma pessoa muito feliz de ter tido a oportunidade viver essa experi�ncia, mas confesso que gostaria de me dedicar s� � literatura. Hoje n�o � algo t�o distante. H� alguns anos era coisa de outro mundo. Imposs�vel.
"Doramar ou a odisseia: hist�rias" (Todavia) est� vendendo bem? J� se tornou um best-seller como "Torto arado"?
� diferente. S�o contos, portanto hist�rias curtas. Ainda h� uma prefer�ncia dos leitores pelas hist�rias longas, pelo romance. A poesia e o conto ainda s�o g�neros que n�o gozam do mesmo prest�gio que o romance, mas comparado com outros livros, com livros de contos, � um livro que vendeu bastante. N�o costuma vender tanto.
'Torto arado', que de fato furou a bolha e se tornou um best-seller. J� frequenta a lista de mais vendidos h� bastante tempo, isso � algo muito bom, porque � a nossa literatura, a literatura brasileira, que quase nunca aparece nesse espa�o. Estou nesta lista de mais vendidos sempre acompanhado de outros autores.
Tem o Jeferson Ten�rio, a Carla Madeira, que � mineira, e faz sucesso com seus livros. Ela est� sempre na lista dos mais vendidos. Espero que nossos autores ocupem sempre esses lugares, nossa literatura � muito boa. N�o deve nada a nenhum lugar do mundo.
'Torto arado', que de fato furou a bolha e se tornou um best-seller. J� frequenta a lista de mais vendidos h� bastante tempo, isso � algo muito bom, porque � a nossa literatura, a literatura brasileira, que quase nunca aparece nesse espa�o. Estou nesta lista de mais vendidos sempre acompanhado de outros autores.
Tem o Jeferson Ten�rio, a Carla Madeira, que � mineira, e faz sucesso com seus livros. Ela est� sempre na lista dos mais vendidos. Espero que nossos autores ocupem sempre esses lugares, nossa literatura � muito boa. N�o deve nada a nenhum lugar do mundo.
"Torto arado" j� ultrapassou a marca de 300 mil exemplares?
A �ltima not�cia que tive era de mais de 340 mil c�pias.
Voc� pode nos adiantar do que tratar� seu pr�ximo romance?
Quando escrevi "Torto arado", sabia que n�o esgotaria as coisas que eu queria imaginar e escrever sobre a rela��o de homens e mulheres com a terra. � um livro que ainda traz esse tema. � uma hist�ria de comunidade que vive no litoral da Bahia, �s margens do Rio Paragua�u. No centro dessa comunidade, est� um mosteiro do s�culo 17, quase que uma sombra sobre a vida dessa comunidade. Fica entre Cachoeira e Maragogipe.
Tom Farias, que faz a curadoria desta edi��o da Fliarax�, trouxe muitos autores e autoras negras para a programa��o. Como voc� percebe esse movimento do mercado editorial? Teve uma amplia��o de espa�o?
As pessoas negras sempre escreveram. A pr�pria hist�ria do pa�s mostra isso, da nossa literatura. Muitas n�o tiveram oportunidade de publicar, porque o mercado era muito refrat�rio a esse tipo de literatura, mas eu penso que a patrona desta edi��o, a primeira mulher a publicar um romance no Brasil, Maria Firmina dos Reis, uma mulher negra � simb�lico, pois mostra que n�o � uma literatura de minorias, � uma literatura que mostra um segmento que � o maior segmento da popula��o brasileira.
Somos mais de 50%, pessoas que se declaram pretas e pardas, somos mais de 50% da popula��o. Autores como Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus, Ruth Guimar�es, Concei��o Evaristo e outros que batalharam e abriram caminhos para que outros autores pudessem publicar nessa trilha. � muito simb�lico. Mas, a despeito dessas amea�as totalit�rias, de tudo que vem ocorrendo no Brasil, ainda assim � um momento muito novo. Nunca discutimos tanto as nossas mazelas, as nossas desigualdades, o racismo.
Me preocupo com os jovens que podem pensar 'meu Deus, vivemos num mundo terr�vel', mas eu acho que n�o. Toda essa discuss�o coloca em pauta mudan�as em curso, desde pol�ticas afirmativas propostas na Constitui��o de 1988 e, aos poucos, foram implantadas pelos governos democr�ticos que a gente teve at� pouco tempo.
Essa pol�tica vem dando bons frutos. S� para citar uma delas, o sistema de cotas que gerou um novo perfil educacional brasileiro. O sistema de cotas e o Reuni, que expandiu as universidades. Isso est� refletindo nos intelectuais que surgem hoje, nas pessoas que escrevem.
As editoras percebem que h� um interesse dos leitores em uma literatura que aborda esses temas. Dessa maneira todas as editoras t�m publicado mais autores negros. As grandes editoras est�o antenadas com a grande mudan�a social que estamos vivendo.
Somos mais de 50%, pessoas que se declaram pretas e pardas, somos mais de 50% da popula��o. Autores como Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus, Ruth Guimar�es, Concei��o Evaristo e outros que batalharam e abriram caminhos para que outros autores pudessem publicar nessa trilha. � muito simb�lico. Mas, a despeito dessas amea�as totalit�rias, de tudo que vem ocorrendo no Brasil, ainda assim � um momento muito novo. Nunca discutimos tanto as nossas mazelas, as nossas desigualdades, o racismo.
Me preocupo com os jovens que podem pensar 'meu Deus, vivemos num mundo terr�vel', mas eu acho que n�o. Toda essa discuss�o coloca em pauta mudan�as em curso, desde pol�ticas afirmativas propostas na Constitui��o de 1988 e, aos poucos, foram implantadas pelos governos democr�ticos que a gente teve at� pouco tempo.
Essa pol�tica vem dando bons frutos. S� para citar uma delas, o sistema de cotas que gerou um novo perfil educacional brasileiro. O sistema de cotas e o Reuni, que expandiu as universidades. Isso est� refletindo nos intelectuais que surgem hoje, nas pessoas que escrevem.
As editoras percebem que h� um interesse dos leitores em uma literatura que aborda esses temas. Dessa maneira todas as editoras t�m publicado mais autores negros. As grandes editoras est�o antenadas com a grande mudan�a social que estamos vivendo.
As cotas seriam essa verdadeira aboli��o?
As cotas sriam um pequeno grilh�o dessa corrente que ainda nos faz lembrar da aboli��o se rompendo. Quem sabe um dia a gente possa falar de uma verdadeira aboli��o, acesso mercado de trabalho, mudan�a efetiva na pol�tica de seguran�a p�blica. O estado barbariza e violenta essas pessoas. Quando a popula��o carcer�ria n�o for majoritariamente negra, a� sim vamos poder falar de uma verdadeira aboli��o.
No seu trabalho de campo no Incra voc� se depara com situa��s an�logas � escravid�o?
At� antes da pandemia, eu estava com trabalhos de campo bastante regulares e, vez ou outra, encontrava hist�rias que nos lembram a escravid�o. Nos �ltimos anos, n�o tenho participado desse trabalho, houve muito desmonte. Est� tudo meio obscuro, j� n�o temos acesso �s informa��es.
Nos �ltimos anos anos, n�o s�o apenas trabalhadores vivendo em situa��es an�logas a escravid�o apenas em �reas rurais, a gente tem relatos nas cidades, relatos de empregadas dom�sticas que vivem como se estivessem escravizadas. � um problema forte e muito presente em nossa sociedade, essas coisas v�m � tona com muita for�a. Por�m, nos �ltimos anos, houve movimenta��o para proteger esses trabalhos.
Vale lembrar a lei para que regulamentou o trabalho dos profissionais dom�sticos, em 2013, se n�o me engano. Essa lei foi importante para que trabalhadores deixassem a condi��o de subalternidade e tivessem direitos trabalhistas iguais aos de qualquer trabalhador. S�o mais de 500 anos de hist�ria de subjuga��o de segmento expressivo da popula��o, as coisas t�m mudado mas em passos lentos.
Nos �ltimos anos anos, n�o s�o apenas trabalhadores vivendo em situa��es an�logas a escravid�o apenas em �reas rurais, a gente tem relatos nas cidades, relatos de empregadas dom�sticas que vivem como se estivessem escravizadas. � um problema forte e muito presente em nossa sociedade, essas coisas v�m � tona com muita for�a. Por�m, nos �ltimos anos, houve movimenta��o para proteger esses trabalhos.
Vale lembrar a lei para que regulamentou o trabalho dos profissionais dom�sticos, em 2013, se n�o me engano. Essa lei foi importante para que trabalhadores deixassem a condi��o de subalternidade e tivessem direitos trabalhistas iguais aos de qualquer trabalhador. S�o mais de 500 anos de hist�ria de subjuga��o de segmento expressivo da popula��o, as coisas t�m mudado mas em passos lentos.