
A Pol�cia Civil de Minas Gerais (PCMG) concluiu, nessa segunda-feira (19/9), um inqu�rito envolvendo uma suposta conduta homof�bica contra um casal em Betim, na Grande BH. Os dois homens teriam recebido mensagens ofensivas e, visando a pr�pria seguran�a, procuraram a pol�cia e realizaram uma s�rie de obras dentro do condom�nio de luxo em que moram. As investiga��es, no entanto, mostraram que os fatos foram forjados por conta de desafetos em rela��o �s acusadas, vizinhas do casal, e para justificar a irregularidade das reformas na propriedade.
No final de julho de 2022, o casal recebeu uma s�rie de mensagens de teor homof�bico por WhatsApp, amea�ando, inclusive, retir�-los do condom�nio como forma de realizar "uma limpeza social'. Na den�ncia, consta que as mensagens, que seriam de autoria de tr�s vizinhas que j� demonstravam tratamento diferenciado com o casal homoafetivo, afirmavam, tamb�m, estar expressando o desejo de todos os moradores com os avisos.
Por conta disso, o casal foi � pol�cia para denunciar o caso e afirmou ter passado por quadros severos de depress�o e ansiedade. Temendo sofrer com ataques na propriedade, tamb�m constru�ram uma entrada particular separada do restante do condom�nio, al�m de terem instalado novas c�meras de monitoramento.
Investiga��o
A partir da den�ncia, foram realizados diversos levantamentos para comprovar a autoria das mensagens, mas testemunhas negaram atitudes homof�bicas das acusadas. Ent�o, foram solicitadas �s operadoras de telefonia informa��es das linhas utilizadas para enviar as mensagens, e foi descoberto que os n�meros foram cadastrados em nomes de terceiros com o intuito �nico de cometer o ato delituoso, mas o rastreamento dos aparelhos levava �s pr�prias v�timas.
Pressionado, um dos homens, Bacharel em Direito, confessou ter tido, sozinho, a ideia de enviar as mensagens com duas finalidades: vingan�a contra as vizinhas, com quem j� cultivavam antipatia, e justifica��o das obras irregulares realizadas no local. Ele afirmou ter comprado dois chips em uma drogaria e pesquisado nomes e dados na internet de pessoas que passaram em concursos p�blicos.
O marido n�o tinha conhecimento da situa��o e se mostrou surpreso com a confiss�o do companheiro, que se identificava como advogado ou policial para os cond�minos e j� havia sido demitido pela Prefeitura de Betim por outros fatores.
O inqu�rito, inicialmente instaurado com base na decis�o do Supremo Tribunal Federal (STF) de equiparar condutas homof�bicas � Lei de Racismo, foi encaminhado ao Minist�rio P�blico com indiciamento revertido por falsidade ideol�gica, falsa identidade e den�ncia caluniosa.
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De acordo com a delegada Ariadne Coelho, respons�vel pelo caso, houve uso indevido da m�quina p�blica e a a��o deve ter consequ�ncias. “O caso � grave e merece responsabiliza��o tanto quanto se [as a��es homof�bicas] fossem verdade, mas trata-se de uma utiliza��o indevida da m�quina p�blica, sobretudo em uma sociedade que tem como objetivo primar pela liberdade e pela justi�a, bem como pela promo��o do bem-estar de todos, sem preconceito de qualquer natureza”, afirma ela.
Falsas narrativas de crime de �dio
De acordo com Achiles Batista Ferreira Junior, doutor em Tecnologia e Sociedade pela Universidade Tecnol�gica Federal do Paran� (UTFPR), den�ncias falsas de crimes de �dio podem ter consequ�ncias negativas � coletividade. “Essas alega��es falsas prejudicam o enfrentamento aos problemas reais relacionados aos crimes de �dio. A partir do momento em que as pessoas descobrem que um determinado caso se trata de uma ‘fake news’, o assunto cai em descr�dito e uma den�ncia verdadeira daqui a algum tempo n�o vai mais chamar a aten��o”, explica ele.
O soci�logo Lucas Rodrigues Azambuja, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), tamb�m comenta que muitos casos de falsas narrativas est�o ligados ao fator pol�tico. “Essa estrat�gia de dissimular, desinformar ou mentir tem como objetivo manipular as pessoas numa certa dire��o, aproveitando que casos desse tipo podem alcan�ar milh�es de pessoas pelas redes sociais. Algumas pessoas se reorientam quando um caso falso � desmascarado, mas outras buscam s� o que vai confirmar o que elas gostariam que fosse”, afirma.
Segundo Azambuja, grupos orientados ideologicamente podem usar falsas narrativas de crimes de �dio como mecanismo para incentivar uma maior polariza��o, criando ressentimentos que ignoram a possibilidade de di�logo. “Hoje, se voc� consegue tachar uma pessoa ou um grupo como racista, por exemplo, a imagem dessa pessoa acaba sendo queimada. E esse componente normalmente � usado nesses falsos casos de crimes de �dio”, explica.
No Brasil, o “crime de �dio” n�o pode ser definido como um crime em espec�fico, mas sim em um conceito que abrange outros delitos contra grupos espec�ficos, geralmente associados � ra�a, orienta��o sexual ou religi�o. Douglas Lima Goulart, especialista em Direito Penal, afirma que crimes de �dio t�m motiva��o relacionada � avers�o da exist�ncia de um grupo espec�fico.
“Quando se fala em crime de �dio, a motiva��o para a conduta n�o est� relacionada a uma pessoa espec�fica, mas ao grupo ao qual a pessoa pertence. Em uma inj�ria racial, por exemplo, h� uma v�tima que � alvo, mas a motiva��o por tr�s est� relacionada a um sentimento contr�rio � exist�ncia do outro como grupo”, afirma.
Em rela��o �s falsas narrativas de crimes de �dio, Goulart explica que h� tipifica��es �s quais os autores est�o sujeitos. “Se algu�m cria um caso falso relacionado a uma pessoa, por exemplo, isso pode ser enquadrado como crime de inj�ria. Se a falsa narrativa tem cunho racial, pode ser um crime de racismo. S�o v�rias as possibilidades quando se trata de fake news, que v�o variar conforme o contexto”, explica ele
O advogado tamb�m enfatiza que hip�teses criminais comumente ligadas � difus�o de fake news e narrativas falsas s�o a denuncia��o caluniosa e a comunica��o falsa de crime. “Na comunica��o falsa de crime, a mensagem inver�dica precisaria estar vinculada a uma hip�tese criminal com capacidade de provocar a a��o de autoridade, como por exemplo quando o indiv�duo promove a locomo��o de viaturas ao propagar mensagem sobre um falso homic�dio. J� na denuncia��o caluniosa, a acusa��o remete a uma pessoa espec�fica e a mensagem serve efetivamente para dar in�cio a uma investiga��o formal”, afirma.
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