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Estado de Minas ELEI��ES 2022

Racismo e xenofobia: Esquerda critica eleitorado brasileiro no Jap�o

Resultado no Jap�o foi favor�vel a Bolsonaro; ao criticar o saldo, internautas de esquerda acabam destilando preconceito orientalista


03/10/2022 19:22 - atualizado 04/10/2022 17:26

Fila em zona eleitoral no Japão. Há um grande número de pessoas, muitas usando a camisa da seleção de futebol brasileira e a bandeira do Brasil. Alguns usam roupas casuais e poucos, roupas vermelhas
Eleitorado brasileiro no Jap�o foi favor�vel a Jair Bolsonaro (PL) (foto: Twitter/Reprodu��o)

O resultado do primeiro turno das elei��es brasileiras em territ�rio japon�s foi de grande vantagem para o candidato � reelei��o Jair Bolsonaro (PL), que venceu com mais da metade dos votos nos oito locais de vota��o – e chegou a 80% em Nagoya, um dos cinco maiores col�gios eleitorais no exterior.

Para os dekasseguis (brasileiros que foram para o Jap�o trabalhar como m�o de obra barata e n�o qualificada), o saldo n�o surpreende, mas, para os eleitores no Brasil – principalmente os de esquerda – esse resultado foi motivo para reproduzir pr�ticas racistas e xen�fobas sobre esses migrantes.

A vota��o no Jap�o come�ou �s 20h do dia 1 de outubro e foi at� �s 5h do dia 2 no hor�rio de Bras�lia. Desde 2018, o n�mero de eleitores por l� aumentou cerca de 25%, passando de 60 mil para mais de 76 mil, em parte como consequ�ncia da regulariza��o da documenta��o brasileira, como CPF e passaporte. No entanto, esse aumento n�o se refletiu no primeiro turno, que registrou �ndices de absten��o de at� 60% em algumas cidades, como T�quio.

A prefer�ncia do eleitorado brasileiro residente no Jap�o por candidatos de direita ou de centro-direita existe desde a primeira elei��o presidencial brasileira no exterior, que ocorreu em 1989. Em 2018, Bolsonaro recebeu 90% dos votos v�lidos no Jap�o e Fernando Haddad (PT), com quem competia fortemente em territ�rio brasileiro, ficou atr�s at� mesmo de Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSB), Jo�o Amo�do (Novo) e �lvaro Dias (Podemos).

Eleitorado brasileiro no Jap�o

Para o pesquisador e co-fundador do MBE (Movimentos Brasileiros Emigrados) Miguel Kamiunten, “independentemente do nome, se o candidato for da direita e tiver o perfil conservador, sempre vence por aqui [Jap�o]”. Segundo ele, essa tend�ncia est� relacionada ao perfil dos dekasseguis, que fizeram parte de um grande fen�meno migrat�rio no Brasil entre os anos 1980 e 1990.

“Hoje, eles est�o na faixa et�ria acima dos 40 anos, vivem h� muitos anos no Jap�o e grande parte � origin�ria dos estados de S�o Paulo, Paran�, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Par�, onde j� existe prefer�ncia por candidatos tradicionais e conservadores. A vinda ao Jap�o n�o mudou o destino do voto”, explica Kamiunten, que tamb�m aponta a const�ncia das prefer�ncias pol�ticas mesmo com o aumento de eleitores de novas gera��es.

A participa��o de jovens brasileiros nascidos no Jap�o, ou que foram alfabetizados no arquip�lago e quase n�o falam portugu�s recebeu bastante aten��o dos consulados brasileiro e japon�s, que disponibilizaram volunt�rios aptos a auxili�-los – em portugu�s e em japon�s –, al�m de sinalizarem orienta��es nos locais de vota��o nos dois idiomas. No entanto, embora numericamente pequeno, esse grupo possui uma tend�ncia a votar no candidato dos pais, uma vez que n�o conhecem muito da realidade brasileira. “� quase um voto dobrado”, explica Kamiunten.

O papel da religi�o

Para Sergio Akira Kawamoto, paranaense radicado no Jap�o desde 2000, a igreja Miss�o Apoio foi onde p�de se encontrar quando se viu desamparado ap�s sua mudan�a. Aos 15 anos de idade, deixou amigos e o estudo para tr�s e foi para o Jap�o, onde tinha uma jornada di�ria de 8 horas, mais 4 horas extras. “Voltava para casa depois do trabalho e chorava de raiva, pensando ‘que vida que eu estou vivendo?’”, conta ele.

�s sextas-feiras, uma vizinha costumava bater � sua porta para convid�-lo para as reuni�es religiosas que aconteciam em seu pr�dio. Um dia, ele aceitou, e n�o deixou mais de ir. Casou-se, teve tr�s filhas e tem a igreja como segundo lar.

De acordo com a antrop�loga professora da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp) Regina Yoshie Matsue, n�cleos religiosos costumam se tornar um espa�o de socializa��o de imigrantes. “� onde eles podem desfrutar da companhia de seus pares, fazer networking de apoio social para trocar informa��es sobre empregos e facilidades, dividir experi�ncias e frustra��es do dia a dia na f�brica”, explica ela.

A cabeleireira Vanessa Tamura, que fez parte do movimento dekassegui, assim como seus pais, reafirma que a Igreja foi – e continua sendo – um dos principais locais de acolhimento para o imigrante brasileiro no Jap�o – que � amplamente desamparado por pol�ticas p�blicas tanto brasileiras quanto japonesas –, o que tamb�m acaba influenciando sobre o posicionamento pol�tico desse grupo.

“O Jap�o � conhecido pela tecnologia; sistema educacional exemplar, mas o que as pessoas n�o te contam � que muitos estrangeiros que est�o no Jap�o vieram nos anos 80 e 90 s� com o ensino fundamental, e olhe l�, com a esperan�a de voltar para casa um dia, mas foram totalmente abandonados por ambos os lados [Estado brasileiro e japon�s]. N�o tinha militante do PT lutando por ningu�m aqui. Enquanto ele perdia a m�o numa m�quina de prensa, n�o tinha esquerdista ensinando essa galera que n�o ter direitos trabalhistas � errado”, explica ela.
 
 
 
O desamparo dos Estados brasileiro e japon�s, acrescidos ao n�o-pertencimento de brasileiros descendentes de japoneses, fomentaram um �dio que, muitas vezes, � dif�cil de ser expressado. “Em meio a esse abandono de um pa�s onde voc� pertence, mas � considerado estrangeiro [Brasil], e um pa�s onde voc� n�o pertence, mas as pessoas dizem que sim, e que n�o te acolhe, quem realmente te acolhe s�o as igrejas, as correntes de WhatsApp e uma imprensa ruim”, afirma ela, que tamb�m diz n�o se surpreender com o espa�o que personalidades como Olavo de Carvalho e Bolsonaro ganharam dentro da comunidade brasileira no Jap�o.

“Todos n�s, que se n�o somos dekasseguis dos anos 80 e 90, somos frutos dele, temos em comum o �dio. Fomos abandonados; ningu�m nunca nos falou ‘T� ruim a�? Volta para c�, voc� � um de n�s, vai dar tudo certo.”, afinal somos considerados estrangeiros para os brasileiros. Em muitos [imigrantes], eu vejo uma pessoa que teve que deixar o Brasil quando o movimento trabalhista come�ou a ter mais for�a onde pessoas como ele, pobres, tiveram a oportunidade de estudar sem precisar deixar seu pa�s para se submeterem a trabalhos sujos, pesados e perigosos”, explica a cabeleireira.

Tamb�m segundo Vanessa, muitas das informa��es sobre o Brasil que chegam para os dekasseguis parte da Igreja, ou das empresas que terceirizam o trabalho desses imigrantes. “Nos anos 80 e 90, as informa��es chegavam no Jap�o com meses de atraso e, �s vezes, chegava pelas igrejas, o que n�o mudou at� hoje: Quando n�o � atrav�s da Igreja, � atrav�s de algu�m que cresceu aqui, e trabalha para essas empresas que terceirizam as pessoas. Voc� acha mesmo que � interessante para empresas instru�rem pessoas para que elas quebrem ciclos opressores, se informarem e lutarem por algo melhor? O que tem [aqui] s�o igrejas e empresas que vivem de terceiriza��es falando que a esquerda � m�”, completa ela.
 
Ainda assim, a pol�tica bolsonarista evidenciou diversos casos envolvendo racismo anti-amarelo, desde a associa��o de chineses ao v�rus da COVID-19 a men��es sobre o tamanho do �rg�o genital de japoneses. Militantes amarelos de esquerda ainda fizeram tentativas de conscientizar brasileiros amarelos que tivessem inten��o de reeleger o atual presidente. 
 

Resist�ncia � esquerda e os reflexos no Brasil

No �ltimo domingo, Jair Bolsonaro venceu com mais da metade dos votos no Jap�o, seguido de Luiz In�cio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes e Simone Tebet (MDB). Apesar de ter vencido em outros pa�ses onde houve elei��o para presidente no Brasil, o PT nunca ganhou no Jap�o, onde, desde 2002, h� uma tend�ncia de diminui��o da porcentagem de votos a seu favor a cada elei��o.

"A rejei��o nas urnas do eleitorado daqui vem crescendo tamb�m com o passar do tempo", afirma a pesquisadora Gabriela Gushiken, que faz doutorado na Universidade Metropolitana de T�quio sobre a comunidade brasileira no Jap�o. "Na verdade, em 2014, a porcentagem de votos no A�cio Neves [quando disputou o segundo turno pelo PSDB contra Dilma Rousseff] foi quase a mesma obtida por Bolsonaro em 2018 aqui no Jap�o”, completa.

Os resultados desagradaram os eleitores de esquerda residentes no Brasil, que come�aram a atacar os imigrantes brasileiros no Jap�o. “O povo que nasce l� � inteligente, mas pelo visto quem nasce aqui e vai pra l�, n�o”, comentou uma internauta sobre uma postagem no Twitter que informava sobre a vit�ria de Bolsonaro no arquip�lago.

Muitos coment�rios tamb�m relacionam os resultados das vota��es no Jap�o ao hist�rico imperialista e conservador do pa�s. “Para quem n�o se lembra, o Jap�o apoiou os nazistas na segunda guerra. Seria isso somente mais uma coincid�ncia?”, questionou um usu�rio da rede social. “Gente, mas �bvio que ia dar Bolsonaro no Jap�o. O que esperar de um pa�s que estava ao ‘ladinho’ do Hitler e engana todo mundo com anime. ‘Olha como s�o fofinhos, olha como s�o limpos, recolhem lixo no est�dio’”, afirmou outro.

Em resposta a coment�rios como esses, membros da comunidade nipo-brasileira relembraram aos internautas: “Quem vota para presidente do Brasil s�o s� os brasileiros, viu?”, escreveu a tradutora e revisora Yuri Yuhara. “Incr�vel que tem gente que parece que ‘buga’ e n�o consegue separar japon�s de brasileiro descendente de japon�s. E � ainda mais dif�cil reconhecer que existe uma variedade de pensamentos e opini�es entre os descendentes”, completa.

“Brasileiro n�o entende que n�s, brasileiros nikkeis [descendentes de japoneses], somos todos, em sua maioria total, descendentes de pobres, e infelizmente a grande maioria de dekassegui � trabalhador alineado”, complementa uma usu�ria do Twitter. “Por favor, n�o deixem uma derrota nas urnas ser desculpa para orientalismo/xenofobia”, refor�a outra.

O cineasta Hugo Katsuo tamb�m refor�ou em suas redes sociais que homogeneizar a parcela conservadora do eleitorado brasileiro no Jap�o acaba afastando a comunidade amarela de espa�os politizados. “Voc�s achariam condizente com a realidade algu�m generalizar toda a popula��o brasileira como fascista porque o Bolsonaro foi eleito em 2018? Ou voc�s achariam que essa generaliza��o apaga a luta dos movimentos de esquerda aqui? � que voc�s fazem isso sempre que falam do Jap�o…”, escreveu. “Pintar as comunidades amarelas brasileiras, de forma bem homogeneizante (e orientalista), como inimigos conservadores, ignorando todos os esfor�os que j� foram e est�o sendo feitos de mobiliza��o de esquerda por elas, s� acaba afastando a galera amarela de espa�os de esquerda”, completou.

Mais casos de xenofobia

O que aconteceu com o eleitorado brasileiro no Jap�o � um reflexo de diverg�ncias pol�ticas entre grupos sociais. Dentro do territ�rio brasileiro, coment�rios xen�fobos tamb�m partiram dos eleitores de Bolsonaro, que passaram a ofender os nordestinos assim que a virada de lideran�a de Lula sobre o atual presidente aconteceu.

Bolsonaro liderava enquanto as urnas do Sul, Sudeste e Centro-Oeste eram apuradas. No entanto, a regi�o do Nordeste deu 10,96 pontos de vantagem a Lula em rela��o a ele, fazendo com que o petista assumisse a lideran�a dos votos.

O resultado final das urnas fez com que alguns apoiadores de Bolsonaro atacassem a regi�o. Nas redes sociais, a palavra “nordestino” est� entre as mais comentadas, com pessoas xingando e outras defendendo. Entre as ofensas, muitos associaram a fome e a mis�ria, com o voto em Lula.
 
 

“Por isso � onde existe mais mis�ria, mais fome, menos sa�de e educa��o. Me perdoem os bons nordestinos, mas por essas que passam pelo que passam e merecem (apesar de que Minas n�o ficou muito atr�s em burrice eleitoral). Por ser pobre precisa ser burro tamb�m?”, escreveu um internauta que respondeu a um tweet feito pelo comentarista Rodrigo Constantino, apoiador entusiasta de Jair Bolsonaro, que ressaltou que “a parte do pa�s que mais recebe assistencialismo decide sobre a parte do pa�s que mais produz para o PIB.”

Em outras redes sociais, tamb�m � poss�vel encontrar diversas publica��es que destilam xenofobia sobre os nordestinos. “Nordeste sempre cagando no pau! Povo burro! Merecem mesmo passar fome!”, escreveu um internauta no Instagram.
 

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