
"A maioria das mulheres ainda gosta dos homens, apesar da propaganda de que dever�amos estar com raiva deles o tempo todo."
A frase, dita entre risos por Nina Power, resume o que a fil�sofa inglesa defende em seu livro What Do Men Want: Masculinity and Its Discontents ("O que os Homens Querem? Masculinidade e seus Descontentamentos", em tradu��o livre, sem edi��o em portugu�s).
Lan�ado neste ano no Reino Unido por um selo da editora Penguin Books, a obra prega a diminui��o do clima de hostilidade entre mulheres e homens e uma forma "mais construtiva" de curar os ressentimentos entre os dois sexos.
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Em entrevista � BBC News Brasil, Power afirma que um discurso generalizado que aponta todos os homens como t�xicos ou potencialmente violentos � contraproducente, nega a experi�ncia da maioria das pessoas e cria uma atmosfera de beco sem sa�da nas rela��es heterossexuais (que s�o o foco da obra).
Com doutorado em Filosofia pela Universidade Middlesex e editora da revista online Compact, a autora de 43 anos se define politicamente como "esquerda velha guarda" e diz se identificar com as ideias da segunda onda do feminismo — atuante entre as d�cadas de 1960 e 1970.A segunda onda era ligada � ideia de liberta��o feminina e de combate � discrimina��o que atinge mulheres de diferentes classes e etnias. Exortava as mulheres a se qualificarem, voltarem ao mercado de trabalho e tomarem as r�deas de seus direitos reprodutivos (como uso da p�lula anticoncepcional). Questionava, por meio de pensadoras como Angela Davis, ideias baseadas no ponto de vista das mulheres brancas e mais ricas.
"Nunca foi sobre dizer que todos os homens eram ruins. Era sobre tentar entender o lugar das mulheres no mundo", afirma ela, tamb�m autora de One Dimensional Woman ("Mulher Unidimensional", em tradu��o livre), centrado no feminismo.
"Parte do objetivo era dizer a homens e meninos que eles n�o precisam viver de acordo com estere�tipos, que esse tipo de expectativa sobre g�nero � ruim para todo mundo, incluindo para eles. Era um movimento de liberta��o das mulheres, e n�o um movimento de demoniza��o dos homens."
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"Isso n�o quer dizer que n�o haja problemas [hoje]. Claro, h� quest�es hist�ricas, quest�es atuais, e a maior parte da viol�ncia � evidentemente praticada por homens — em grande parte contra outros homens ou contra eles pr�prios [em casos de suic�dio], mas tamb�m contra as mulheres. Mas acho que � do interesse de todos tentarmos entender o tipo de din�mica social que se instalou nos �ltimos 10 ou 15 anos."
Assim, ela prop�e que homens e mulheres sejam "menos duros uns com os outros". "Apenas aceitar que estamos meio que jogados neste mundo e que nenhum de n�s tem uma solu��o pronta", completa.
Power argumenta que � razo�vel pensar que a maior parte dos homens no mundo s�o pessoas "boas" e que h� um desequil�brio na forma como eles s�o enxergados, principalmente na internet.
Para ela, hashtags como #KillAllMen (#MatemTodosOsHomens), que circulam nas redes sociais e s�o defendidas apenas como uma forma de desabafo feminino que n�o deve ser tomado literalmente, contribuem para refor�ar a ideia de que a masculinidade � um mal em si.
Entre o conservador e o progressista
What Do Men Want faz uma at�pica costura de ideias originadas em campos ideol�gicos opostos.
A desaprova��o ao feminismo atual pelos ataques a valores masculinos e a defesa de um certo retorno � tradi��o representam uma posi��o que poderia ser associada � direita conservadora, enquanto a cr�tica � influ�ncia do capitalismo de hoje � uma vis�o quase sempre encontrada na esquerda.
Um exemplo do primeiro caso � a sua defesa de que elementos masculinos que moldaram de forma positiva a hist�ria da humanidade — como figura paterna que protege e o "homem respons�vel" — tendem a desaparecer e dar lugar apenas a uma sociedade competitiva e homogeneizada entre os sexos que "serve muito bem o capitalismo consumista".

"Nas sociedades industriais modernas, a diferen�a sexual � completamente achatada. N�s nos tornamos esse tipo de ser homog�neo", afirma.
At� os apps de namoro incentivam essa rivalidade, diz. "Todo o mist�rio e a beleza s�o de alguma forma erradicados neste mundo tecnocr�tico e homogeneizante, no qual somos for�ados a competir uns com os outros economicamente, socialmente, politicamente e assim por diante. Isso tira a poesia das coisas."
Power tamb�m ataca o que chama de hipersexualiza��o do mundo atual depois da revolu��o sexual dos anos 1960 e afirma que a repress�o tem seu papel.
"E acho que uma cultura t�o permeada pela sexualidade n�o � uma cultura livre, na verdade. � uma cultura que est� subordinada aos seus instintos. A liberdade do consumidor, a liberdade do indiv�duo de escolher, � na verdade uma liberdade muito, muito solit�ria."
"Desde os anos 1960 vivemos em uma atmosfera em que o desejo � supostamente bom. Mas � �bvio que nem todos os desejos s�o iguais. Alguns desejos s�o extremamente perigosos", diz.
"Claro que soa uma provoca��o dizer que repress�o � algo bom. Mas � apenas uma descri��o pr�tica do que as pessoas t�m que fazer para viver de uma maneira que n�o seja prejudicial a n�s mesmos e aos outros."
Obra criticada
Nem todos receberam bem a proposta de sua obra. O jornal ingl�s The Guardian afirmou que o seu "chamado pela compaix�o" foi na "dire��o do reacion�rio" enquanto a revista norte-americana The New Yorker disse que o livro declara r�pido demais que foi cumprida a miss�o masculina de reformar as estruturas de opress�o e o fim das desigualdades entre os sexos.
H� tamb�m cr�ticas, principalmente nas redes sociais, de que ela faria uma defesa da "cisnormatividade" (o conceito de que, se uma pessoa nasce com vagina, � mulher, e com p�nis, homem) e se encaixaria no termo TERF (sigla em ingl�s que significa feminista radical trans-excludente, que rejeita a ideia de que mulheres trans s�o mulheres).
"N�o tem nada a ver com a cr�tica a indiv�duos [transsexuais]. Ningu�m est� sugerindo que uma pessoa possa ter negados direitos que pertencem a todos os seres humanos", afirma.
Na vis�o de Power, h� uma banaliza��o de cirurgias de transi��o de sexo, especialmente no caso de adolescentes.
"H� pessoas que est�o apenas pedindo cautela e dizendo, olhe, espere um minuto, v� mais devagar."
Power diz n�o acreditar na ideia de aboli��o do sexo, mas que "podemos estar em um mundo que aceita mais os diferentes tra�os de car�ter e comportamentos".
Al�m do ideal rom�ntico

Para restaurar pontes entre mulheres e homens, Power prop�e — inspirada em sua maior refer�ncia, o te�logo e cr�tico social austr�aco Ivan Illich, e tamb�m na Gr�cia Antiga — uma atmosfera l�dica e relaxada, de brincadeira ("playfulness", no original), que se perdeu na sociedade moderna da escassez de tempo e do privil�gio � intera��o online.
"Um dos problemas � que as pessoas n�o est�o falando o suficiente umas com as outras cara a cara, e h� um desejo humano de que exista um bode expiat�rio, algo que tem vaz�o mais f�cil pela internet. � uma necessidade antropol�gica muito profunda."
A fil�sofa acredita que esses contatos podem ir al�m da busca pelo par rom�ntico perfeito e da ideia de que todos os encontros entre mulheres e homens sempre t�m algum fim sexual.
"N�o defendo acabar totalmente com a ideia de romance. O que estou tentando dizer � que h� toda uma variedade de intera��es poss�veis, e a nossa cultura refor�a modelos muito restritos centrados no parceiro rom�ntico ou que envolva algum tipo de status baseado em relacionamentos. Isso n�o encoraja uma atmosfera mais relaxada entre os sexos opostos", diz ela.
Escreve Power em What Do Men Want: "Relacionamentos entre homens e mulheres podem ter flerte, podem ser divertidos, amig�veis, feitos de aten��o, compaix�o, compreens�o, serem mutuamente desconcertantes e por a� vai. Eu acho que devemos tentar abrir espa�o para um tipo de brincadeira infinita que � tamb�m s�ria — que leva a s�rio o ato de brincar".
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63294627
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