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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Os jovens que ainda usam m�scara por vergonha do rosto: 'Sou feio, m�e'

Centenas de jovens relatam, em redes sociais, que usam a m�scara para evitar intera��es sociais e se proteger do julgamento alheio sobre sua apar�ncia


06/12/2022 19:49 - atualizado 06/12/2022 19:49

Fotografia colorida mostra jovem com máscara cirúrgica azul olhando para fora de uma janela
Centenas de jovens relatam, em redes sociais, que usam a m�scara para evitar intera��es sociais e se proteger do julgamento alheio sobre sua apar�ncia (foto: Francesco Carta/Getty Images)
Laura* tinha 10 anos quando come�ou a usar m�scara pelos mesmos motivos que todos n�s: se proteger da covid-19 e impedir a dissemina��o do v�rus.

 

Agora, depois de quase 3 anos e do in�cio de sua puberdade, a m�scara ocupou um outro lugar na vida dela: o de um objeto que esconde seu rosto e a ajuda a lidar com inseguran�as sociais.

 

Sua irm� conta que, mesmo em um passeio � praia, Laura permaneceu de m�scara — inclusive para entrar no mar.

 

Em ocasi�es como essa, o sol marca o contorno da m�scara no seu rosto, tornando ainda mais dif�cil que ela deixe de usar o acess�rio em p�blico.

 

A hist�ria da jovem ressoa nos relatos de centenas de jovens nas redes sociais, em especial adolescentes, que dizem ter dificuldade de ficar sem m�scara fora de casa por vergonha de mostrar o pr�prio rosto.

 

Em muitos casos, eles s�o alguns dos �nicos alunos da classe que continuam a utilizar o acess�rio rigorosamente, e sofrem bullying de colegas que questionam o uso e at� tentam retir�-lo � for�a.

 

Outros dizem que a m�scara os ajuda a passar despercebidos e diminuir as intera��es sociais, inclusive chamando menos aten��o dos professores.

 

A situa��o ganha complexidade num momento de reincid�ncia dos casos de coronav�rus, em que a m�scara � recomendada para frear o cont�gio da doen�a.

 

Em que momento, ent�o, o uso rigoroso do acess�rio por adolescentes se torna preocupante? E como pais e professores podem lidar com essa situa��o?

H�bito antigo

O costume de usar acess�rios que desviam o pr�prio corpo da aten��o alheia n�o � algo novo entre os adolescentes.

 

Moletons largos, bon�s e cabelo longo sobre o rosto s�o alguns dos "mecanismos" aos quais os jovens recorrem para lidar com inseguran�as relacionadas � autoimagem corporal, explica o psic�logo e doutor em educa��o Alessandro Marimpietri.


Reprodução de mensagens de jovens em rede social
Alguns adolescentes dizem querer trocar de col�gio para que seus colegas, que j� os conheceram de m�scara, nunca cheguem a ver seus rostos (foto: Reprodu��o/TikTok)

 

A cantora Billie Eilish � um exemplo desse comportamento: quando tinha 17 anos, declarou que preferia vestir roupas largas para que os f�s e a imprensa n�o a sexualizassem por conta de seus seios grandes.

Marimpietri explica que a pandemia e a reclus�o for�ada do contato social foram agravantes dessa quest�o.

 

"Um adolescente que entrou na pandemia com 13 anos e agora tem 15, por exemplo, se modificou do ponto de vista f�sico de maneira muito substancial.

Muitos j� estavam inseguros sobre como iriam se apresentar para o outro do ponto de vista imag�tico e comportamental — e a m�scara figura como um anteparo simb�lico de prote��o, como se a autoimagem estivesse resguardada por uma fronteira que me protege do olhar do outro."

 

Ele acrescenta que os problemas com a imagem corporal

foram inflados na pandemia, quando nosso recurso de intera��o social era, muitas vezes, digital.

 

"Se ver o tempo todo nas telas e nos �ngulos das c�meras digitais modificou a autopercep��o de todos os sujeitos: crian�as, adultos, idosos. No caso dos adolescentes, isso ocorreu de maneira destacada, j� que se somam outras quest�es pr�prias dessa fase", diz.

O que se perde ao esconder o rosto

Marimpietri explica que as express�es faciais s�o "pistas n�o-verbais importantes para o desenvolvimento da vida do sujeito — do ponto de vista ps�quico, da intera��o social, e at� da cogni��o".

 

Ao esconder parte do rosto com a m�scara por tempo indefinido, os adolescentes escondem, tamb�m, essas pistas fundamentais para a conviv�ncia e intera��o socioafetiva.

 

Esse preju�zo � percebido por Simone Machado, professora de L�ngua Portuguesa da rede p�blica de S�o Paulo.

 

"Os professores leem os alunos a todo momento, mesmo quando n�o dizem nada. S�o express�es de d�vida, por exemplo, que nos fazem repetir uma explica��o. As m�scaras atrapalham essa troca", conta.

 

A professora relata que seus alunos que seguiram usando m�scara mesmo quando houve uma flexibiliza��o da medida s�o estudantes que j� tinham um comportamento introspectivo e dificuldades de socializa��o.

 

Um deles, conta Machado, ficou ainda mais t�mido depois da pandemia. "� como se a m�scara fosse mais um muro na socializa��o dele com o mundo. At� seu olhar ficou menos expressivo e, quando lhe fa�o perguntas, ele responde apenas balan�ando a cabe�a — nem consigo lembrar como � sua voz."

 

Ela acrescenta que essa situa��o � especialmente delicada com o aumento nos casos de infec��o por coronav�rus. "Como falar para os pais de um aluno que seu filho 'est� usando m�scara demais'?"


Fotografia colorida mostra jovem estendendo seu moletom vermelho escuro até um ponto que esconda seu rosto
Pode ser dif�cil para os pais entender o comportamento de tentar esconder o rosto por parte dos jovens (foto: SDI Productions/Getty Images)

Como abordar em casa

A m�e de Laura, personagem que abre esse texto, descreve o comportamento da filha como algo passageiro, segundo relata a irm� da garota. "Minha m�e diz que � s� uma fase, e que Laura* est� 'fazendo gra�a'."

 

Ela conta que um tio j� obrigou Laura a tirar a m�scara em um evento familiar, mas que a jovem ficou visivelmente desconfort�vel.

 

"Eu falo para minha m�e que ela deveria colocar Laura em um psic�logo, mas ela n�o escuta."

 

Ela adiciona que sua irm� passa boa parte do dia no computador, jogando RPG — um tipo de jogo em que cada jogador � representado por um personagem fict�cio, com uma narrativa e caracter�sticas pr�prias.

 

Fabiana*, uma outra m�e cujo filho tamb�m tem dificuldades de sair de casa sem m�scara, conta que pode ser dif�cil para os pais entender esse comportamento.

 

Como perderam dois parentes pr�ximos para a covid-19, ela associava o uso rigoroso da m�scara por seu filho como um receio de se infectar e disseminar o v�rus.

 

Com o tempo, foi percebendo que o acess�rio tinha adquirido outros contornos. "Ele entrou na puberdade na pandemia, agora tem espinhas e colocou um aparelho. J� me disse mais de uma vez: 'Eu sou feio, m�e'."

 

Ela confessa que j� chegou a perder a paci�ncia com o comportamento do filho. Mas diz que, em geral, eles conversam com frequ�ncia sobre o assunto e que ele mesmo j� decidiu flexibilizar esse uso no ano que vem.

 

Essa � uma das estrat�gias mais importantes que os pais podem assumir, conta Marimpietri.

 

"N�o h� receita de bolo. Mas, em um mundo que � constru�do por palavras, � preciso acessar os jovens por meio delas: entender o que motiva esse comportamento e pensar, aos poucos, em maneiras alternativas de lidar com esses sentimentos."

No ambiente escolar

Na escola, a professora de geografia Luciana Cardoso ressalta a import�ncia das conversas entre os professores. "Foi no 'conselho de classe' que descobri, por um outro professor, que uma aluna minha usa sempre a m�scara por vergonha de um dente faltando."

 

Se um professor de Educa��o F�sica, por exemplo, fala que o aluno pratica esportes vestindo moletom e m�scara, isso acende um alerta diferente para os professores que s� os veem dentro de sala, reflete Cardoso.

 

Para a professora Simone Machado, uma estrat�gia interessante � n�o falar diretamente sobre o uso insistente da m�scara, mas tentar incentivar a socializa��o desses alunos por outras vias — passando trabalhos em grupo dentro e fora da sala de aula, por exemplo.

 

A m�dica pediatra Evelyn Eisenstein lembra que, entre os jovens, � mais comum que haja um comportamento negligente quanto �s medidas sanit�rias de combate � covid.

 

"Estamos num momento de cautela, em que a m�scara deve ser usada em aglomera��es como transportes p�blicos, centros comerciais e tamb�m nas escolas", alerta.

 

*Os nomes originais foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63867603


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