
Na �ltima segunda-feira (20/2), um perfil no Twitter publicou uma foto produzida por uma intelig�ncia artificial (IA) que troca os personagens negros do filme “Pantera Negra 2: Wakanda Para Sempre” por pessoas brancas. A imagem repercutiu na internet e levantou debates sobre a diversidade no Universo Cinematogr�fico da Marvel (MCU) e whitewashing, pr�tica em que racializados s�o substitu�dos por atores brancos em adapta��es cinematogr�ficas.
A postagem que mais ganhou visibilidade nos �ltimos dias faz um ‘fio’ sobre a suposta hipocrisia dos f�s da franquia da Marvel que criticam quando alteram a ra�a de um que era branco, mas aceitam calados – e at� mesmo satisfeitos – quando o oposto acontece. “Nerdola s� se incomoda com a mudan�a de etnia quando tem personagem negro ganhando destaque, n�?”, indagou a p�gina.
Considerada conservadora por si s�, a comunidade nerd j� foi socialmente exclu�da por muito tempo, mas hoje reproduz preconceitos contra minorias com frequ�ncia. Reclama��es s�o habituais quando, por exemplo, um personagem branco � representado por um ator racializado, ou quando um papel � apresentado como parte da comunidade LGBTQIAP+, e at� mesmo quando uma personagem feminina n�o usa o mesmo uniforme com pouco tecido que veste nos quadrinhos.
Universos ficcionais e suas comunidades de f�s
A fic��o sempre teve suas particularidades, como um extraterrestre de pele azul; outro com antenas e olhos de inseto; e at� mesmo um cidad�o comum que adquire poderes a partir de um gatilho qualquer. No entanto, o que parece irritar a comunidade nerd � a crescente diversidade nesse nicho que, para eles, fica cada vez mais distante de suas pr�prias realidades.
“Muito dessas rea��es enfurecidas se deve ao louvor de seus fi�is pelo famoso ‘c�none’, aquelas verdades do universo ficcional que n�o devem jamais serem mudadas, como o Superman vir de Krypton ou o Peter Parker ter sido picado por uma aranha radioativa, mas os pensamentos machistas, racistas e homof�bicos est�o, sem d�vida alguma, inseridos em cada uma dessas obje��es, mesmo que inconscientemente”, explica o jornalista e cr�tico de cinema Fernando Vital.
Com o crescimento da diversidade em produtos do nicho geek, muitos f�s – majoritariamente homens cisg�nero e brancos – acabam se sentindo ofendidos pela necessidade de fidelidade ao universo original ficcional desses personagens. � comum ver chamarem a diversidade de “lacra��o”, al�m das muitas tentativas de boicotar novas produ��es como forma de se opor �s mudan�as. “Mesmo vista como t�o inteligente, a comunidade nerd insiste em se opor ao progresso dos valores coletivos”, afirma Vital.
Protagonismo preto
Muitos dos personagens de quadrinhos s�o brancos por conta da equipe que os criou. Andreas Platthaus, especialista em HQs (hist�rias em quadrinho), explica que, por um longo per�odo, houveram poucos personagens negros proeminentes porque os artistas que fundaram os quadrinhos nos Estados Unidos (EUA) vieram, principalmente, da Costa Leste do pa�s. “A propor��o da popula��o branca era maior naquela regi�o do que nos estados do sul, e todo o panorama da imprensa americana era extremamente branco, o que contribu�a para isso”, explicou.
Foi apenas entre o fim da d�cada de 1940 e o come�o da de 1950 que os personagens pretos come�aram a evoluir de ajudantes e coadjuvantes para protagonistas. Com o fortalecimento do movimento dos direitos civis dos anos 1960, tamb�m come�ou a crescer o g�nero “blaxploitation”, ou “blacksploitation”, filmes dirigidos e protagonizados por pessoas negras, impulsionando a autoconfian�a da comunidade preta em produzir cada vez mais, relacionando seus personagens com sua pr�pria realidade, e estimulando artistas j� consolidados a incorporarem diferentes realidades �s suas obras.
O pr�prio Pantera Negra surgiu nessa �poca. Em 1966, Stan Lee e Jack Kirby – ambos quadrinistas brancos – foram respons�veis pela cria��o do primeiro e mais famoso super-her�i negro, que surgiu como coadjuvante nos quadrinhos do Quarteto Fant�stico e conseguiu sua pr�pria s�rie de quadrinhos em 1973. Por ter aparecido no auge do movimento pelos direitos civis nos EUA, at� mesmo antes do Partido dos Panteras Negras, o personagem foi entendido como uma mensagem pol�tica e uma forma de protesto.
Em 2018, mais de quatro d�cadas ap�s sua estreia como protagonista, o Pantera Negra estreou em Hollywood com a dire��o de Ryan Coogler, o primeiro homem preto a dirigir um filme da Marvel.
Contexto � importante
Muitas das cr�ticas e respostas de f�s da cultura geek � crescente diversidade nos quadrinhos s�o assim�tricas. Ao contr�rio da maioria dos her�is brancos, que possuem origens relativamente gen�ricas, personagens racializados geralmente est�o associados a um contexto cultural que torna mais dif�cil seu embranquecimento em adapta��es, apesar de ainda acontecer com certa frequ�ncia.
Casos de whitewashing tamb�m acontecem bastante. Feiticeira Escarlate e Merc�rio, que s�o de origem romani/cigana nos quadrinhos; a Anci� de Doutor Estranho, que era um homem asi�tico; ou Mancha Solar, que era um brasileiro negro nas HQs, todos foram interpretados por atores brancos. Ainda assim, existe uma tentativa de trazer profissionais racializados para o MCU.
Exemplos recentes de originalmente brancos que foram interpretados por atores racializados s�o: Makkari, do filme “Eternos” (2021), que era um homem branco que passou a ser interpretado por uma mulher negra e surda que se comunica em l�ngua de sinais; Heimdall, de “Thor” (2011), que foi de um deus n�rdico branco para um negro e foi criticado porque, teoricamente, n�o existiam deuses negros nessa mitologia; e Valqu�ria, de “Thor: Ragnarok” (2017), que ao inv�s de ser uma mulher loira de olhos azuis, foi interpretada por uma atriz negra de tran�as – que gerou revolta mesmo com o filme explicando que s�o personagens diferentes.
Apesar da crescente representatividade, algumas pessoas ainda comentam que o interesse de grandes empresas pela diversidade ainda � mais relevante pelo retorno financeiro e comercial que pela inclus�o em si. “Os est�dios est�o ‘cagando’ para a diversidade. S� querem um escudo contra cr�tica e dinheiro”, escreveu um internauta.
“O problema � que a Marvel n�o liga para a diversidade, s� quer o seu dinheiro. Fomentar essa discuss�o � bom para ela. Por mim, pode mudar at� a cor do Super-Homem que eu n�o ligo”, comentou outro.
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