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Estado de Minas DIVERSIDADE

Preta, bi e filha de dom�stica estreia como deputada em SP

Interesse pela pol�tica surgiu quando a m�e, al�m de dom�stica, come�ou a trabalhar como cabo eleitoral, o que Thainara passou a fazer na adolesc�ncia


07/03/2023 03:35 - atualizado 07/03/2023 08:35

Thainara Faria
Thainara Faria (foto: C�mara de Araraquara)
Preta, filha de pedreiro e de empregada dom�stica, Thainara Faria (PT), 28, eleita deputada estadual em S�o Paulo, tinha 21 anos quando estreou na pol�tica e se elegeu vereadora em Araraquara. Na primeira sess�o, um vereador, referindo-se a ela, ofereceu chocolate a colegas.

Outros ataques racistas e sexistas seriam sua rotina na C�mara. Um pol�tico lhe disse que "agora podemos ter escola de samba". Outro, enquanto ela subia ao p�lpito, falou "tomara que sua saia arrebente".

J� lhe negaram �gua no plen�rio. Primeira vereadora negra da cidade, sofreu persegui��o nas redes sociais. "Vagabunda", "Macaca", "Parece uma faxineira", "Cabelo de vassoura", ela lia em coment�rios.

O primeiro e mais dif�cil ano do mandato foi tamb�m o quinto e �ltimo do curso de direito na Uniara (Universidade de Araraquara) e o mesmo em que passou na prova da OAB, antes mesmo de se formar. Cansada dos ataques, decidiu entregar o cargo de vereadora. Quando se preparava para discursar, pessoas da comunidade negra e LGBTQIA+ levantaram um cartaz em que se lia "Resista por n�s".

Chorou e desistiu de desistir. "Reconfigurei minhas energias, deixei de olhar para os ataques e passei a me concentrar em quem precisa de mim", diz � Folha.

O apoio LGBTQIA+ veio antes de se assumir bissexual, o que fez na campanha para reelei��o como vereadora, em 2020, que ela tamb�m venceu.

Se filiou ao PT porque a hist�ria de sua vida est� ligada a programas sociais do partido.

"Sempre fomos muito pobres e s� come�amos a comer direito a partir do Bolsa Fam�lia", conta. "Meus pais s�o separados, e minha m�e apanhou de parceiros ao longo da vida. Ela se submetia � viol�ncia para dar teto para mim e meus dois irm�os. S� se livrou disso quando comprou uma casa pelo Minha Casa Minha Vida."

Thainara fez faculdade gra�as ao Prouni, programa criado por Lula em 2004 que oferece bolsa de estudos para alunos de baixa renda em universidades privadas. "Minha faculdade custaria cerca de R$ 48 mil. Como uma fam�lia de uma trabalhadora dom�stica e de um pedreiro vai pagar isso?"

Aos 15, morou com a fam�lia de um tio em S�o Paulo para fazer o curso Macuna�ma de teatro. Queria ser modelo e atriz. "Mas o mercado para pessoas pretas n�o era legal", diz.

"Desisti dessa ideia quando fui passar o final de ano na minha casa e vi que s� havia um saco de arroz e um litro de �leo. Comecei a trabalhar. Fazia trufas e vendia na escola, fui ajudante de carrinho de cachorro quente, trabalhei em loja, em padaria, sal�o de beleza e, na faculdade, era sacoleira de roupa."

Amiga de Thainara desde o ensino m�dio, Gabrielle Abreu Nunes, 28, fazia parte do grupo fiel de compradores das trufas. "Ela n�o tinha que lidar com problemas normais da adolesc�ncia, mas sim com dificuldades muito maiores por conta do contexto em que sempre viveu, de periferia", conta a amiga, pesquisadora em ecologia da USP.

Gabrielle lembra que a turma a chamava, brincando, de vereadora. "Ela conversava com todo mundo, professores, alunos, do fund�o at� a frente, onde se sentava", diz.

O interesse pela pol�tica surgiu na �poca em que sua m�e, al�m do emprego como dom�stica, come�ou a trabalhar como cabo eleitoral, o que Thainara passou a fazer na adolesc�ncia. "Em 2014, decidi que n�o ia mais balan�ar a bandeira e entregar panfletos dos outros", conta. "At� porque muitos pol�ticos para os quais trabalh�vamos, depois de eleitos, n�o atendiam o nosso interesse."

Em 2016, quando se candidatou, n�o tinha dinheiro, mas sabia como fazer campanha. "Fiz por mim o que os outros pol�ticos pagam para que fa�am por eles", diz Thainara, que passou a contar com o apoio de Edinho Silva, um dos fundadores do PT de Araraquara, hoje prefeito da cidade.

Eleita, ganhou visibilidade para al�m de Araraquara ao questionar a praxe de se ler a B�blia em todas as sess�es da C�mara.

"Sou cat�lica, quase uma beata. Mas fiz a op��o por n�o ler e expliquei no plen�rio por qu�", relembra. "Eu disse que, em vez da B�blia, ali a gente tinha que ler a Constitui��o. A C�mara � a casa do povo, e o povo � ateu, esp�rita, crist�o... Uma religi�o n�o contempla a massa", pondera. O v�deo viralizou. "At� o programa da F�tima Bernardes mostrou, foi uma repercuss�o maluca."

Thainara tornou-se pr�xima de Erika Hilton (PSOL-SP), primeira preta travesti eleita deputada federal no pa�s. Certa vez, ap�s um evento em Araraquara, elas decidiram ir juntas se tatuar.

"Cada uma agora tem uma girafinha tatuada, a Ruth e a Raquel", brinca Thainara, em refer�ncia �s g�meas interpretadas por Gl�ria Pires em "Mulheres de Areia" (1993).

A brincadeira tem um lado s�rio: "Tatuei uma girafa com cabelo black como repara��o a uma outra tatuagem, que fiz aos 16 anos, de uma caveira mexicana com cabelo liso, como eu usava. Isso me machuca, � uma marca do racismo na minha pele".

Na faculdade, fez parte do N�cleo de Estudos Afro-Brasileiros. "Ela era muito ativa nas reuni�es, eventos e pesquisas do grupo, e fez o seu TCC [Trabalho de Conclus�o de Curso] sobre a legisla��o a partir do ponto de vista �tnico-racial", afirma Edmundo Alves de Oliveira, professor de sociologia jur�dica da Uniara, que foi seu orientador.

Thainara foi eleita com 91.388 votos, e sua campanha est� no topo do ranking de gastos oficiais dos eleitos para a Alesp.

A arrecada��o registrada no TSE foi de R$ 1,4 milh�o. O maior doador foi a dire��o nacional do PT (R$ 503 mil), seguida de Jos� Seripieri Filho (R$ 300 mil), que, em julho de 2020, ficou tr�s dias preso em decorr�ncia de uma opera��o que investigou pagamentos em caixa dois para a campanha de Serra (PSDB) ao Senado em 2014.

Fundador da Qualicorp, o empres�rio confessou o crime eleitoral e firmou um acordo de dela��o homologado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que previa o pagamento de R$ 200 milh�es como ressarcimento aos cofres p�blicos. No fim de 2022, Seripieri emprestou um jato para a viagem de Lula � COP27, resultando em cr�ticas ao ent�o presidente eleito.

Sobre essa doa��o, que foi tema de reportagens, Thainara diz: "As pessoas tentam tornar uma anomalia algo que acontece em v�rias campanhas e ningu�m questiona. Fa�o parte de um grupo que foi atr�s de arrecada��es e sou grata por isso. Todo o dinheiro para a minha campanha foi arrecadado dentro da legisla��o".

Abilio Diniz, dono do Carrefour Brasil, tamb�m est� entre os doadores de sua campanha, com R$ 80 mil.

Na Alesp, Thainara afirma estar "muito disposta a dialogar com o governo Tarc�sio [de Freitas, do Republicanos]". "A minha vontade n�o � s� gritar, brigar e apontar o que est� errado, ainda que eu v� fazer isso."

Sua expectativa � que o governador se descole do bolsonarismo. "O Tarc�sio foi do governo Dilma, n�o podemos esquecer, ent�o ele tem capacidade de dialogar."

Segunda ela, pautas antirracistas e LGBTQIA+ "s�o fundamentais", mas pretende partir dessa perspectiva para outras quest�es. "Quero falar desse lugar de mulher, preta, bissexual no debate sobre o desenvolvimento econ�mico e urbano, a seguran�a, a sa�de e a educa��o."

 

 


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