
“Mulher no volante, perigo constante” � uma das frases que, gradativamente, cai em desuso, mas ainda � muito reproduzida, principalmente por motoristas homens que questionam uma suposta falta de habilidade das mulheres no tr�nsito. Dados sobre acidentes de tr�nsito, no entanto, dizem o contr�rio: dos quase 16 mil casos de v�timas, sem mortes, em Belo Horizonte (MG) no ano de 2019, 11.571 foram homens.
Atualmente, dos 80,1 milh�es de Carteiras Nacionais de Habilita��o (CNH) v�lidas no pa�s, apenas 28,43 milh�es (35,5%) s�o de motoristas mulheres, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Tr�nsito (Senatran). Em Minas Gerais, o Departamento Estadual de Tr�nsito (Detran-MG) informa que a porcentagem de mulheres habilitadas � 34,8% do total de pessoas habilitadas, n�mero que sobe para 39,92% com recorte em Belo Horizonte.
Para M�rcia Gomes, especialista em Direito de Tr�nsito, a discrimina��o machista � um dos principais motivos para que essa diferen�a entre g�neros exista, impactando no pouco incentivo que as mulheres recebem para dirigir e em como elas encaram a mobilidade urbana.
“O preconceito � um dos fatores que impedem a plena inclus�o das mulheres nesse ambiente, limitando sua liberdade de mobilidade e at� dificultando sua inser��o no mercado de trabalho. O panorama tamb�m impacta a economia”, aponta M�rcia.
De acordo com a advogada, por conta da press�o em cima das mulheres, quase inexistente sobre os homens, a prud�ncia delas no tr�nsito acaba sendo maior. Uma pesquisa da um mapeamento da Associa��o Brasileira de Medicina de Tr�fego (Abramet) mostra que, dos 2 milh�es de motoristas brasileiros que t�m medo de dirigir, 80% s�o mulheres. Dados da Quality Planning, empresa de pesquisa para companhias de seguros, complementam a estat�stica: os homens t�m 3,4 vezes mais chances de serem multados por imprud�ncia, e 3,1 mais possibilidades de serem presos por dirigirem embriagados.
Os n�meros refletem na quantidade de acidentes de tr�nsito – envolvendo motoristas e pedestres – que possuem v�timas masculinas: de acordo com a BHTrans (Empresa de Transportes e Tr�nsito de Belo Horizonte), dos 105 acidentes com v�timas fatais em Belo Horizonte no ano de 2019, 87 eram homens; e em rela��o a v�timas n�o fatais, dos 15.765 casos registrados, 11.571 homens estiveram envolvidos.
Apesar de os dados mostrarem que o tr�nsito � praticamente dominado pela l�gica masculina e pela influ�ncia que homens exercem sobre as percep��es das mulheres em rela��o ao tr�nsito, ainda � poss�vel encontrar personalidades femininas que fazem parte de uma pequena parcela de mulheres que comandam o setor de tr�nsito em Minas Gerais e trabalham para que a desigualdade e o preconceito sejam reduzidos aos poucos.
Nesta reportagem, o DiversEM conversou com J�lia Gallo, presidente da BHTrans; com Deusuite Mattos, diretora de opera��es da BHTrans; e com a Tenente-Coronel Cl�udia Kuchenbecker, comandante do Batalh�o de Tr�nsito (BPTran) de Minas Gerais para entender melhor como funciona o cotidiano e o trabalho das mulheres que fazem parte da gest�o em um setor predominantemente masculino.
Vis�o cuidadosa sobre a gest�o

“A gente pensa muito na forma como a mulher trabalha na gest�o de empresas. � uma forma de trabalho diferente da masculina; temos mais cuidado, mais prud�ncia, e traduzimos isso em um planejamento mais cuidadoso dentro das institui��es”, explica J�lia Gallo, que � presidente da BHTrans h� 11 meses.
Ela � psic�loga e chegou � BHTrans em 2021 como diretora de Recursos Humanos. Com um longo hist�rico no setor de tr�nsito, j� trabalhou em empresas do setor privado e na Secretaria de Planejamento do Estado de Minas Gerais e d� �nfase a um aspecto que sempre notou na gest�o comandada por mulheres: a prud�ncia.
“As mulheres s�o consideradas ‘barbeiras’, mas n�o acho que seja esse o nome que deve ser dado a elas. Essa vis�o de que as mulheres dirigem pior [que os homens] pode ser equivocada, e n�o � por acaso que os seguros de carro s�o mais baratos para elas, uma vez que somos mais cuidadosas”, afirma a presidente da BHTrans.
De acordo com J�lia, a seguran�a trazida pela imagem da mulher � muito importante quando se trata de tr�nsito. “E eu falo tanto de uma seguran�a f�sica quanto emocional, seja na gest�o, seja no tr�nsito da cidade. E quando a gente fala de tr�nsito, � importante lembrar que n�o estamos falando apenas de quem est� atr�s do volante”, explica.
Simpatizante do prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), Gallo fala da import�ncia de se estimular o protagonismo feminino na gest�o de pol�ticas p�blicas.
“O governo dele [Fuad] j� traz muitos incentivos pelos discursos. � clara a preocupa��o dele em ter, na lideran�a, no comando das pol�ticas p�blicas, mulheres. Esse diferencial, que � o cuidado de colocar a mulher em postos de comando, faz a diferen�a, ent�o � um privil�gio fazer parte deste governo”, diz ela.
A presidente da BHTrans tamb�m afirma que � uma agente de um fen�meno ainda maior, que � o crescimento das mulheres em setores predominantemente masculinos. “Acho que todas n�s estamos trilhando um caminho para ficar mais f�cil para as pr�ximas que v�m no futuro”, declara.
Conquistas de uma minoria

“As mulheres sempre foram minoria na minha �rea, ent�o a gente sempre teve que se esfor�ar mais, seja para se inserir no mercado de trabalho, seja na escola, ou em qualquer atividade que ela se proponha a fazer”, conta Deusuite Mattos, diretora de opera��es da BHTrans.
Nascida em Felisburgo, cidade pequena no Norte de Minas Gerais, Deusuite � formada em Engenharia Civil e possui especializa��o em Transporte. Na Empresa de Transportes e Tr�nsito de Belo Horizonte, onde trabalha h� quase 30 anos, lidera uma equipe de quase 500 pessoas e � respons�vel por toda a opera��o de tr�nsito na capital mineira.
Para al�m de uma conquista pessoal, ela conta que ter atingido seu cargo tamb�m � um ganho para todas as mulheres. “Quando comecei o meu curso, eu sabia que queria seguir na �rea de tr�nsito e transporte, e consegui fazer minha carreira dentro da BHTrans. Apesar de eu nunca ter sofrido nenhuma discrimina��o por conta de g�nero dentro da empresa, talvez por conta da maturidade profissional dentro da empresa, eu vejo que as mulheres ainda enfrentam muitas dificuldades ao longo do caminho profissional”, explica Deusuite.
A diretora de opera��es da BHTrans tamb�m exemplifica alguns dos contrastes que encontra em seu dia a dia no trabalho. “Para se ter uma no��o, na �rea de opera��es, temos em torno de 30% de agentes femininas. �s vezes, quando vamos desenvolver algum trabalho, sentamos numa mesa e s� tem homens”, conta.
Fora da �rea administrativa, os n�meros tamb�m s�o discrepantes. Deusuite ilustra a situa��o com n�meros do servi�o de mobilidade urbana. “Em Belo Horizonte, apenas 8,2% dos motoristas de t�xi s�o mulheres, e esse n�mero n�o diz respeito de uma quest�o de habilidade na condu��o do tr�nsito, mas sim sobre a pr�pria vulnerabilidade da profiss�o. Uma mulher tem muito mais riscos quando � motorista, ela est� muito mais suscet�vel � viol�ncia”, explica ela.
“No transporte escolar, s�o 32% de motoristas mulheres, mas a pessoa que recebe e embarca a crian�a, que est� na cozinha e na casa cuidando dela, mais de 70% delas s�o mulheres. No transporte coletivo, apenas 9% dos motoristas s�o mulheres, porcentagem que cai nas linhas suplementares, que gira em torno de 5%”, complementa.
Lideran�a e for�a feminina

“Eu fa�o parte de uma quebra de paradigmas”, afirma a tenente-coronel Cl�udia Kuchenbecker, primeira mulher a chegar ao cargo de Comandante do Batalh�o de Tr�nsito (BPTran) da Pol�cia Militar de Minas Gerais (PMMG). Ela �, hoje, inspira��o para outras mulheres que almejam crescer na carreira militar.
Para ela, que entrou para o Curso de Forma��o da PMMG assim que saiu do Ensino M�dio aos 18 anos, sua posi��o como comandante �, al�m de uma representatividade simb�lica para outras mulheres, um dos resultados do fortalecimento delas em cargos melhores e mais representativos.
“Liderar � comandar, e n�o tem como separarmos essas duas palavras e a��es. Hoje, tenho uma grande responsabilidade para al�m do meu cargo, porque � com a minha posi��o que posso representar outras mulheres, e comandar algo t�o tradicional mostra a import�ncia da mulher nesse mercado e em grandes cargos.”, afirma ela.
Antes de chegar ao cargo de Comandante do BPTran, Kuchenbecker j� havia conquistado posi��es de destaque em unidades operacionais da PMMG, onde ficou por seis anos: executou o Comando de Policiamento Rodovi�rio; de Agrupamento Rodovi�rio; do Grupo Especial de Policiamento em �reas de Risco; e do T�tico M�vel.
Na �rea administrativa, fez parte da Diretoria de Apoio Log�stico e do setor de or�amentos e finan�as da frota de viaturas da Pol�cia Militar de Minas Gerais. Foi subindo de cargo at� chegar ao comando do Batalh�o e, apesar de a PM ser considerada uma institui��o comandada predominantemente por homens, a Ten.Cel. Cl�udia afirma que, nos Cursos de Forma��o da PM, s�o as mulheres que mais se destacam.
“Nunca sofri com nenhum tipo de discrimina��o no trabalho por ser mulher. Nos Cursos de Forma��o, a gente v� que as mulheres, muitas vezes, ocupam os primeiros lugares. Elas s�o muito competentes. Dentro da minha institui��o, nunca passei por qualquer situa��o em que minha compet�ncia e minha capacidade tenham sido colocadas em xeque; n�o tenho problemas com o relacionamento com a tropa”, explica.
Para Kuchenbecker, entender e valorizar a participa��o feminina em espa�os majoritariamente masculinos � importante, e afirma que sua trajet�ria tamb�m � inspira��o. “Eu sirvo como forma de incentivar outras mulheres que t�m sonhos, mas n�o acreditam no pr�prio potencial. Voc�s podem ocupar o espa�o que quiserem”, diz ela.
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