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Estado de Minas LUTA HIST�RICA

135 anos da Lei �urea: 'N�o nos sentimos livres', diz artista

Artista Jamile Cazumb� resume o sentimento da popula��o negra neste 13 de maio; para fil�sofo, o 'racismo � perene'


13/05/2023 04:00 - atualizado 13/05/2023 09:03

Artistas negros Ermi Panzo e Jamile Cazumbá
Os artistas Ermi Panzo e Jamile Cazumb� encenam a pe�a "Babil�nia Tropical - A Nostalgia do A��car", que exp�e o Brasil escravocrata e racista (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
A Lei �urea completa 135 anos neste 13 de maio e, at� hoje, deixa suas marcas – quase nada positivas. Apesar de ser um marco para a luta abolicionista da �poca, ainda � s�mbolo de um movimento negligenciado pela hist�ria hegem�nica do Brasil e n�o concedeu, de fato, liberdade para os povos escravizados. � o que dizem seus descendentes que, at� hoje, n�o se sentem cidad�os livres pelo simples fato de serem negros.

“O racismo � perene. No passado, per�odo anterior � aboli��o do trabalho escravo, ele justificava a escraviza��o. Hoje, ele justifica a discrimina��o, a exclus�o dos bens e da riqueza coletivos produzidos por todos”, explica Marcos Cardoso, analista de Pol�ticas P�blicas da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), fil�sofo mestre em hist�ria e um dos maiores nomes da milit�ncia negra no Brasil.

De acordo com ele, muito antes da assinatura da Lei �urea, houve uma luta constante pela liberta��o de africanos escravizados. “Essa popula��o inscreveu na sociedade brasileira uma cultura importante que continua sendo desvalorizada ou apropriada apenas para que algu�m lucre sobre ela. Mas nesse processo todo eles articularam v�rias formas de resist�ncia, dentre as quais est� o quilombismo. A a��o dos quilombos na sociedade brasileira, com as revoltas populares em todo o pa�s, geraram o processo que culminou na aboli��o do trabalho escravo”, explica.

Para Marcos e para muitas outras pessoas, a aboli��o da escravid�o n�o significou liberdade para os povos africanos no Brasil, j� que o controle social sobre eles se manteve a partir da aus�ncia de reformas estruturais que pudessem integr�-los � sociedade brasileira.
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“O que � liberdade dentro desse contexto? Uma vez que a aboli��o diz que a escravid�o acabou, h� liberdade, de fato, no p�s-aboli��o? Quando esses corpos foram ‘libertos’, j� se criava outra estrat�gia de mant�-los escravizados, porque a Lei abandona, n�o prev� nenhum tipo de amparo ou ressarcimento, n�o reconhece a humanidade das pessoas que foram libertas e, at� hoje, isso reverbera. Est� livre, mas n�o est� livre como um ser humano”, comenta Jamile Cazumb�, multiartista de Salvador.

Desigualdade

 
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), 54% da popula��o brasileira � negra (incluindo autodeclarados pretos e pardos). Apesar disso, a propor��o de pessoas pobres no pa�s � de 18,6% entre os brancos, enquanto � praticamente o dobro entre os pretos (34,5%) e pardos (38,4%), segundo a pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Ra�a no Brasil” de 2021.

Marcos Cardoso é um homen negro de cabelos e barba grisalhos
Fil�sofo e mestre em hist�ria, Marcos Cardoso � militante do movimento negro e considera que 'racismo � perene' (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press )


Sem a concess�o de terras ou a oferta de trabalho digno –  como foram dados aos imigrantes que substitu�ram a m�o de obra dos escravizados –, muitas pessoas foram morar nas ruas, dando origem �s favelas e �s comunidades perif�ricas. “O 13 de Maio seria um dia de comemorar uma liberta��o, uma euforia, mas acabou que, no eterno 13 de maio, a gente viveu uma falta de suporte, uma falta de estrutura, uma falta de dignidade m�nima. O que foi ofertado, por exemplo, para os imigrantes – a popula��o que veio embranquecer o Brasil – n�o foi o mesmo para a popula��o negra”, explica Etiene Martins, pesquisadora, militante do movimento negro e colunista do DiversEM.

“A Lei �urea, nesse aspecto, n�o serviu para nada. Ela � apenas uma fachada, uma farsa hist�rica, e um processo colonizador que permanece at� hoje: a elite brasileira n�o tem projetos para integrar brasileiros negros � sociedade brasileira. Grande parte dessa popula��o est� encarcerada, tem as piores condi��es de vida, n�o tem acesso a educa��o de qualidade”, enfatiza Marcos.

Moderniza��o x exclus�o


 Com a neglig�ncia das elites, os rastros deixados pelo descaso com a popula��o negra escravizada respingam nos dias atuais – de maneiras diferentes, mas com impactos ainda muito fortes na qualidade de vida de pessoas negras.

“O Brasil continua se modernizando, mas faz isso excluindo a grande maioria da sua popula��o desse projeto. Ou seja, � uma moderniza��o extremamente conservadora, excludente, colonizadora e atrasada. Apesar de o pa�s ter uma sociedade multicultural e diversa, nem todos podem usufruir das benesses culturais e econ�micas produzidas nesse processo hist�rico do Brasil”, afirma o militante. “Criou-se, no pa�s, uma mentalidade escravocrata e colonialista de enxergar os negros e as negras como escravos. O movimento negro contempor�neo tenta desconstruir e desnaturalizar esse imagin�rio”, complementa ele.

Para Jamile, as consequ�ncias de todo esse processo lhe garantem muitas inseguran�as. “Ainda n�o nos sentimos livres. Eu, como um corpo negro, que vive no s�culo 21, no ano de 2023, ainda n�o me sinto livre para existir dentro da cidade; n�o me sinto livre com a Pol�cia – que deveria me proteger – perto de mim; n�o me sinto livre no meu processo de aprendizado dentro da academia, dentro da arte e, inclusive, dentro do meu trabalho”, diz.

As inquieta��es da multiartista s�o fundadas, para al�m do passado escravista do Brasil, pela rela��o patriarcal que cerca as rela��es trabalhistas de mulheres negras. “A gente vive numa sociedade capitalista em que a popula��o negra ainda ocupa cargos com sub-sal�rios. A senzala moderna �, hoje, o quarto da empregada, e a gente consegue ver isso, por exemplo, pela dificuldade que foi aprovar a PEC das dom�sticas, justamente porque quem faz esse trabalho somos n�s, mulheres pretas descendentes das mulheres africanas que foram escravizadas”, conta Etiene.

“At� hoje a gente v� essa hierarquia escravista na nossa sociedade, que ocasiona a nossa morte pr�tica e simb�lica: a morte dos nossos conhecimentos e saberes ancestrais, a morte das nossas religi�es de matriz africana, que s�o violentadas e demonizadas at� hoje. A gente consegue ver nossos corpos sendo expulsos de um avi�o mesmo quando pagamos a passagem como qualquer outra pessoa. Matam os nossos corpos como se f�ssemos baratas”, completa Etiene.

Esperan�a e luta


S�o trabalhos como os de Jamile, no entanto, que d�o esperan�a de um futuro melhor para a comunidade negra brasileira, de acordo com Marcos. “Temos todo um processo de articula��o da vida, uma reconstru��o da cultura africana no territ�rio brasileiro: as religi�es de matriz africana resistindo � intoler�ncia; a qualidade negra brasileira sendo apropriada pelo pa�s inteiro – sem o devido retorno –; a juventude negra continuando a produzir com sua radicalidade po�tica, mesmo sendo v�tima do aparelho de seguran�a do Estado; as pol�ticas p�blicas reivindicando cotas, sobretudo para a juventude que parou no Ensino M�dio ter acesso ao Ensino Superior”, pondera ele.

Arte e debate


Apesar das conquistas recentes, o dia a dia ainda se mostra campo de batalha para essa popula��o. “Acho que, no ponto em que estamos, � importante haver essas repara��es hist�ricas, mas n�o podemos negar que, hoje, h� outras formas contempor�neas de ocupar, de colonizar e de escravizar. Por isso, a luta � constante”, afirma Ermi Panzo, artista que comp�e, com Jamile, o elenco da pe�a “Babil�nia Tropical - A Nostalgia do A��car”.

Com o devido cuidado narrativo, o espet�culo p�e em xeque o Brasil escravocrata e racista e fala de Pernambuco do s�culo XVII, um estado brasileiro que, assim como Babil�nia, foi palco de disputas de poder, sofreu diversos ataques e invas�es e se destacou pela agricultura.

“A obra � provocativa e n�o apresenta as barb�ries da escravid�o. Ela traz uma discuss�o: � necess�rio ressuscitar um tempo de engenho? Se for necess�rio, ent�o que se tragam as reflex�es de como ela atinge, hoje, nossa sociedade, e como os negros gostariam de se sentir dentro desse cen�rio. Ent�o, � preciso que a branquitude passe a ter um olhar de como as pessoas negras pegam essa cena e encarnam isso dentro de um cen�rio ‘revertido”, explica Ermi.


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