S�O PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Leny Eversong � uma diva fantasmag�rica. Desde sua morte, em 1984, seu nome tem apari��es na grande imprensa uma vez a cada d�cada, em notas ou breves retrospectivas. Mas apenas lembr�-la como um vozeir�o brasileiro que seduziu os Estados Unidos cantando jazz com o porte de uma prima donna —colecionando manchetes, grandes cach�s e turn�s internacionais—, n�o � suficiente para inscrev�-la na mem�ria coletiva.
Com uma vida que mais parece um melodrama decadentista, que vai da euforia ao abandono, dos elogios nos jornais � gordofobia da imprensa, Eversong —a "sempre can��o"— s� respira de tempos em tempos. Seja por colet�neas de grava��es antigas, document�rios de pouca circula��o ou v�deos em f�-clubes.
Muitos desses esfor�os partem de Rodrigo Faour, cr�tico musical e historiador que tenta entender h� mais de 30 anos quem foi Hilda Campos Soares da Silva. Agora, ele lan�a "A Incr�vel Hist�ria de Leny Eversong", pelas Edi��es Sesc.
"Ela � um caso pitoresco, dif�cil de enquadrar", diz o autor, ressaltando como Eversong foi apagada mesmo entre amantes da era do r�dio. Ainda assim, a cantora de cabelos oxigenados teve um dos maiores cach�s nos anos 1950, indo das esta��es paulistas para as do Rio de Janeiro, antes de brilhar em quase 700 shows em turn�s pelos Estados Unidos e Europa, somando compara��es com Ella Fitzgerald e aparecendo em rede nacional com Elvis Presley. Desde Carmen Miranda, nenhum brasileiro fazia tamanho sucesso no estrangeiro.
Escritor das biografias de Cauby Peixoto e Dolores Duran, Faour nunca largou a artista desde que a conheceu, por acaso, em 1992, numa fita cassete com a can��o "Sereno". Em vez de um t�pico tom rom�ntico, a voz de Leny explode qual a de uma soprano, aguda, e se recolhe como bar�tono, mais grave, com uma percuss�o jazz�stica.
Isso se repete nas m�sicas em ingl�s, nas quais se especializou desde pequena, quando despontou como a "princesinha do fox", ainda aos 12 anos, na R�dio Clube de Santos. Nunca aprendeu outras l�nguas —decorava as letras transcrevendo a pronuncia—, mas encantou grandes boates de costa a costa dos EUA com suas interpreta��es de "Jezebel", "Summertime" ou "Mack the Knife", que entoa como uma alem�.
"Leny era uma estilista, dava anota��es aos maestros com ideias de arranjos, sugerindo nuances e andamentos diferentes. Ela foi uma cantora muito teatral e com uma pot�ncia de voz in�dita", define o historiador. "A �pera perdeu para a m�sica popular."
Faour, colecionador voraz e dono de um canal no YouTube com entrevistas e raridades, seguiu investindo na cantora pouco lembrada at� herdar parte do seu acervo —como fotografias, cadernos e at� trof�us—, cedido pelo seu filho, �lvaro, do qual se aproximou em 2012, ap�s organizar tr�s CDs de sua m�e.
No meio de tantos documentos, Faour desenterra vit�rias, percal�os e anedotas que fazem do perfil biogr�fico uma f�bula sobre a decad�ncia, relacionada tanto a aspectos art�sticos como sociais e est�ticos.
Leny era gorda. Sem pudor, reportagens brasileiras a batizavam de "amiga da balan�a", numa foto em que se v� o ponteiro marcando 124 kg; era fotografada com lingui�as, jarros de leite, panelas, barris de vinho, comendo bolos, jogando ping-pong com uma bola de basquete etc. Ela embarcava como podia, aceitando, segundo Faour, o "marketing perverso".
Al�m do preconceito, jornalistas e cr�ticos, pouco tempo ap�s elogi�-la, condenavam sua suposta falta de nacionalismo ao n�o exaltar a m�sica brasileira em suas turn�s. O fato � que, seja cantando samba exalta��o ou "Fascina��o" em ingl�s, medleys de m�sica cubana, italiana ou francesa, a voz de Leny parecia sempre fora de lugar.
"� uma pena que, por v�rias raz�es, como o cansa�o e o apego ao filho, ela n�o tenha morado nos Estados Unidos. Quem ficou por l�, como Tom Jobim, Jo�o e Astrud Gilberto, Carmen Miranda, fez a fama e � lembrado at� hoje", opina Faour.
A partir da d�cada de 1960, de volta ao Brasil, tenta se modernizar em meio � bossa nova, ao rock e ao brega, estrela filmes, arrisca uma novela e uma pe�a, participa de programas de TV, mas n�o consegue penetrar nas novas tend�ncias da ind�stria. Ainda seria convidada, em 1968, a fazer um especial colorido na emissora CBS, refor�ando seu prest�gio internacional.
Dali para frente, cantando em boates ou tentando lan�ar o filho na m�sica, ser� encarada de forma pitoresca. O grande trauma ser� o desaparecimento do seu segundo marido, sob estranhas circunst�ncias, em 1973 —o corpo s� foi achado em 1987, ap�s a morte de Leny, mas o caso nunca foi solucionado. Por causa disso, ela perde acesso a todos os bens por v�rios anos, a ponto de o dinheiro desvalorizar.
"� de partir o cora��o, tem reportagens de TV dela com poucos dentes, debilitada, fazendo apelos no SBT", lembra Faour sobre o fim de Leny, nos anos 1980. Morreu num hospital em Mairipor�, a trinta quil�metros da capital paulista, ap�s amputar dois dedos do p� esquerdo para tentar conter um processo infeccioso.
"O que ela conseguiu, mesmo n�o sendo tanto, � muito, se considerarmos o machismo, a gordofobia, o nacionalismo", diz Faour. "Al�m de cantora extraordin�ria, era uma mulher do povo."
A INCR�VEL HIST�RIA DE LENY EVERSONG OU A CANTORA QUE O BRASIL ESQUECEU
- Pre�o R$ 60,13 (337 p�gs.); R$ 35,00 (ebook)
- Autoria Rodrigou Faour
- Editora Edi��es Sesc
