Enquanto muitos se preparam para celebrar a intimidade e a paix�o, � tamb�m um momento para refletir sobre algo que muitas vezes passa despercebido: a forma como nos relacionamos com os corpos gordos na esfera do desejo e da afetividade.
Na balada, j� perdi as contas de quantas vezes fiquei "de canto", at� uma pessoa qualquer, depois de ser rejeitada por todas as outras pessoas padr�o de quem se aproximou, chega at� mim e me leva embora, sempre escondido, pra transar, morrendo de medo de algu�m ver. Ou, de quantas vezes a pessoa s� disse: "vou te arrega�ar", ou de quantos abusos j� passei na m�o de pessoas que exigiram prazer imediato sem sequer me dar um beijo porque tinham nojo do meu corpo.
J� perdi as contas de quantas vezes, em aplicativos, agiram como se estivesse me fazendo um favor. J� esgotei um calend�rio inteiro contando quantas vezes me disseram que eu s� servia para transar escondido mesmo. J� n�o tenho mais dedos nas m�os para contar as vezes em que fui maltratada sexualmente por ser uma mulher gorda. Em que me pediram para transar sem prote��o, em que disseram que eu era "fresca e enjoada" por pedir qualquer coisa, afinal, ningu�m me queria mesmo e estar ali comigo era uma esp�cie de altru�smo que garantiria abertas as portas do c�u.
N�o consigo, em quase 40 anos, contabilizar as vezes todas que fui agredida de formas veladas por ser uma mulher gorda e desejante, querendo ter uma vida sexual. Seja em festas, bares, aplicativos, grupos de amigos. J� cansei de ser o "caf� com leite" das turmas, o corpo dessexualizado, a pessoa que � lida como n�o transante, a �ltima op��o, a op��o para sofrer viol�ncias, a op��o que s� poderia ser ligada � sadomasoquismo, afinal, sou gorda e, no imagin�rio, quem � a mulher gorda que merece amor?
J� cansei de dizer que estou h� muitos anos sozinha e que talvez n�o seja por op��o pr�pria, mas dos outros, que nunca me escolhem. J� cansei de me dizerem: mas voc� tem que se amar primeiro, como se eu n�o me amasse e n�o tivesse consci�ncia do qu�o interessante eu sou e tenho uma vida interessante tamb�m, mas isso n�o faz com que algu�m me deseje, afina, habito um corpo que est� muito distante do que � padr�o e essa dist�ncia � proporcional ao desejo.
T� absolutamente exausta de me dizerem: isso � porque voc� s� procura corpos padr�o e n�o outros corpos dissidentes para se relacionar, como se essa fosse uma verdade absoluta e a pessoa conhecesse a minha vida. Ali�s, t� exausta de tanto me dizerem. Queria que me comessem tamb�m (� brincadeira, mas � s�rio).
Eu j� cansei de ser a melhor amiga gorda e falei disso aqui. J� cansei de ser s� um corpo ou um intelecto e essas coisas nunca caminharem juntas.
Nesse dia do sexo, confesso, se me chamassem para transar, talvez eu recusasse, haja vista o tanto que estou exausta.
Pensa em como � exaustivo viver uma vida em que voc� � tratada como um ser bestializado, sequer � lida/vista como uma mulher e praticamente tem que implorar para que transem com voc�? - J� falei da bestializa��o da mulher gorda aqui.
� cansativo ser lida como n�o-humana, dessexualizada, ou, na melhor das hip�teses, ser hipersexualizada e fetichizada, como um peda�o de carne no balc�o, exposto. Ser vista com desejo e repulsa ao mesmo tempo. Ser tratada como um objeto.
Flutuar entre ser um ser objetal e abjetal s�o coisas que me deixam totalmente estafada. E, honestamente, nesse dia do sexo, gostaria de sugerir que pens�ssemos sobre isso e que, ao inv�s de dizermos: "mas se n�o est� satisfeita, � s� emagrecer" ou "ningu�m � obrigado a gostar de gente gorda", que tiv�ssemos a maturidade necess�ria para avan�ar no debate e entender que escolhas s�o, sim, pautadas pelo ambiente social e que � urgente falarmos sobre isso.
� interessante notar como, em um mundo obcecado por padr�es de beleza, o desejo por corpos fora desse padr�o pode ser encarado com surpresa. Muitos se questionam se fazem parte do imagin�rio de desejo de algu�m com corpos assim. E a�, como voc� se relaciona com isso?
Em outros momentos, j� falei sobre isso na coluna. Tanto aqui, ao falar de desejo desviante e fetichiza��o, como aqui ao falar sobre sexo, viol�ncia e apagamento como as �nicas op��es da mulher gorda.
O apagamento social que a mulher gorda enfrenta � uma realidade dura, especialmente em uma sociedade que muitas vezes promove um ideal inating�vel de beleza. Setembro � o m�s da luta antigordofobia, e � um lembrete de que, mesmo em quest�es de afetividade e sexo, precisamos enfrentar nossos preconceitos e estere�tipos.
Quantas vezes nos deparamos com a ideia de que mulheres gordas devem "topar tudo" no sexo porque "seria raro transarem"? Isso � profundamente fetichizante e desrespeitoso. Cada indiv�duo, independentemente de seu corpo, merece respeito, consenso e desejo m�tuo em suas experi�ncias sexuais.
E quanto �queles momentos na balada em que voc� se sente atra�do por algu�m que n�o se encaixa nos padr�es tradicionais de beleza? Voc� paquera abertamente ou espera para "pegar escondido", com medo do julgamento dos amigos? � hora de deixar o medo de lado e celebrar a diversidade.
A verdade � que a atra��o sexual � uma experi�ncia �nica para cada um de n�s, e n�o h� uma resposta certa ou errada. No entanto, � fundamental lembrar que os corpos gordos s�o habitados por pessoas, com desejos, sentimentos e aspira��es, assim como qualquer outra pessoa.
Se voc� se identifica como sapat�o, isso n�o deveria excluir mulheres gordas do seu universo afetivo. A diversidade � bela, e o amor e o desejo n�o t�m limites quando se trata de corpos. Ou voc� s� fica com "sapadr�o"?
� importante tamb�m mencionar que usar desculpas de sa�de para se esquivar de encontros com corpos gordos � uma atitude que perpetua o estigma e a exclus�o. A famosa "preocupa��o com a sa�de" n�o deve ser usada como um pretexto para discriminar ou evitar relacionamentos.
Me conta, voc� defende que n�o se relacionar com pessoas gordas � “quest�o de gosto” mesmo dentro do seu progressismo? Ou voc� acolhe o desejo e entende que corpos gordos s�o habitados por pessoas e troca fluidos com essas mulheres tamb�m?
Para as pessoas gordas, � fundamental lembrar que s�o desejadas e merecem uma vida sexual satisfat�ria. A autoestima � uma jornada, e todos merecem sentir-se bem consigo mesmos e encontrar parceiros que valorizem seu corpo e sua ess�ncia.
E voc�, pessoa gorda, sente que � desejada? Tem sexo satisfat�rio? Transa? Como � sua vida e sa�de sexual?
Neste Dia do Sexo e durante todo o m�s da luta antigordofobia, convido voc� a refletir sobre suas pr�prias atitudes e preconceitos em rela��o aos corpos gordos. Vamos celebrar a diversidade e lembrar que o desejo n�o t�m tamanho, forma ou cor.