
Dia dos Namorados, Valentine's Day e um sem fim de datas comerciais, criadas com motivos unicamente comerciais e, mais uma vez, o capitalismo lembrando das dores de se habitar um corpo dissidente. Pois �: segundou e � 12 de junho. Dia que as redes sociais s�o adoecedoras para quem est� solteiro/a/e e insalubres para quem, ser amado e assumido numa rela��o nunca foi uma op��o.
Sim! Estou falando dos corpos desobedientes. Dos corpos que n�o recebem afeto. Dos corpos olhados com nojo, desprezo e, quando muito, fetiche - e n�o, n�o acho isso uma coisa boa. Dos corpos cuja �nica op��o de troca � viol�ncia. Dos corpos que, neste e em todos os outros dias, se celebram sozinhos e s�o bombardeados da no��o de que amor pr�prio � suficiente.
Hoje � um dia horr�vel para corpos dissidentes. P�ssimo estar nas redes e nas ruas. Restaurantes enfeitam as fachadas com bal�es vermelhos e dizeres de "Feliz Dia dos Namorados" e promo��es de jantares a dois. As floriculturas esgotam seus estoques e os moto-entregadores n�o param um segundo e at� piada com camareira de motel temos. O que n�o temos � amo para quem n�o se encaixa do padr�o.
H� v�rios dias a solid�o de muitos anos me ronda. Tenho vontade de abordar cada pessoa que cruza meu caminho com a pergunta: com quantas mulheres gordas voc� j� namorou?
N�o estou falando de gordinhas, rechonchudas, voluptuosas. Estou falando de gordas mesmo. Com banha, barriga, papada. Estou falando de pessoas que n�o tem como esconder que s�o gordas. Que n�o acordam 'se sentindo gordas', mas que sabem ser. Estou falando das pessoas que enfrentam uma solid�o absoluta porque s�o imensas, mas n�o s�o vistas.
Hoje, queria perguntar para cada pessoa que me diz: obrigada por ser minha amiga, se esta pessoas se relacionaria comigo. E n�o estou falando de transar comigo �s escondidas, sem ningu�m saber, mas se esta pessoa que ama estar comigo, que adora sair comigo para almo�ar, que ama viajar comigo, que adora desabafar comigo, que ama me pedir dicas de filmes, s�ries e livros, que adora o c�rculo que eu vivo, minha anima��o nas rodas de samba, minha intelectualidade, meu abra�o e meu carinho. Essa pessoa que j� se relacionou com todas minhas amigas e amigos. Essa pessoa que s� me enxerga como a melhor amiga gorda. Ela se relacionaria comigo? Ela se pergunta se a solid�o me enlouquece? Ela se questiona se, apesar do meu amor pr�prio super em alta, eu sinto falta de algu�m para dividir a vida?
Essa pessoa, t�o querida, ela namoraria comigo? Essa pessoa se pergunta se eu namoraria com algu�m? Ou faz igual toda sociedade e finge que meu corpo � caf� com leite? Absolutamente dessexualizado socialmente. Algu�m muito legal mas que, jamais despertaria interesse?
Quem namoraria um corpo gordo? E quem namoraria um corpo com defici�ncia? E quem namoraria um corpo trans?
E por que estes corpos n�o s�o celebrados pelo capitalismo? Por que n�o estamos nas propagandas do Dia dos Namorados? Por que n�o estamos entre os corpos que amam? Por que n�o formamos casais? Em qual aplicativo entramos para paquerar? para transar? para aliviar, minimamente, a solid�o?
Neste Dia dos Namorados, em que nossos "melhores amigos" est�o em seus dates, com seus pares, em restaurantes, mot�is, ou mesmo em casa, quem est� conosco? E nos outros tantos dias, quem vai para casa conosco? Quem nos ouve sobre nossa solid�o?
Por que nossos corpos servem para produzir alegria para os corpos alheios, mas n�o recebem essa alegria? Por que n�o somos celebrados enquanto corpos poss�veis de amor neste Dia dos Namorados?
N�o adianta voc� pensar a�: ah, mas eu at� tenho amigos gordos, pcd e trans que namoram. N�o duvido que tenham. Mas a excess�o n�o se d� � regra. Um amigo, um casal, uma pessoa, um exemplo, n�o mudam as estruturas que n�o s� nos oprimem e nos matam diariamente, mas nos ferem com o desamor constante.
Os luminosos da data parecem dizer: n�o h� amor para voc�. E h� quem diga: tenha paci�ncia, quando voc� menos esperar, vai acontecer.
Vamos ser realistas: eu tenho quase 40 anos. Conhe�o pessoas que tem corpos parecidos com o meu que tem mais idade. Conhe�o pessoas que nunca transaram. Que nunca encontraram qualquer amor. Quando ser� a hora? Quando j� estivermos mortas? Porque se eu morrer amanh� - ou hoje - morro sem encontrar esse amor. Pacientemente esperando a hora certa.
� incr�vel como a hora certa chega para as pessoas magras, loiras e dentro do padr�o com uma anteced�ncia programada, n�o � mesmo? 16 anos e o amor da vida j� aconteceu. 20 anos e muitas experi�ncias de afeto j� foram vividas. Mas, se for um corpo dissidente, haja paci�ncia para esperar a pessoa certa. Penso que n�o h� pessoas erradas para a gente se divertir nesse meio tempo.
J� perdi as contas de quantas vezes sa� pensando que era um date e, chegando l�, a pessoa estava com uma terceira pessoa. E, pro meu azar - e de voc�s, que est�o me lendo esperando cenas t�rridas - n�o era para um m�nage, mas para ser companhia, afinal, uma regra: a outra pessoa � linda, totalmente dentro do padr�o e completamente sem sal. Algu�m tem que conversar e eu sou rebaixada de poss�vel date a mediadora - sem cach� - de encontro. S�o 38 anos vivendo essa vida. A famosa 'vela' dos dates. E sem convites para um sexo a tr�s. Mas, no encontro, a pessoa divertida, que encanta, que triangula, que diverte, que faz piadas, que arranca gargalhadas, que � agrad�vel. Mas, num corpo que � dissidente. Normalmente, vou embora sozinha e o casal vai transar. Normalmente, eles levam um relacionamento adiante, se casam. Eu sigo solteira.
E, por que, Deus, me permito esse tipo de situa��o? Penso que por solid�o. Para ser aceita. Ser um corpo dissidente � estar em d�vida constante. � dever para a sociedade. � fazer malabarismos para sermos aceitas. � me desdobrar para entregar minimamente um entretenimento e, assim, receber as migalhas de afeto que caem no ch�o entre um date e outro, de amigos e amigas e essas pessoas lindas e sem gra�a.
A gra�a � que eu termino, mais uma vez, sozinha. Meu sonho � fazer um texto para o Dia dos Namorados dizendo sobre o amor para corpos como o meu. Mas, dependente menos de mim do que do mundo. Eu sigo dando amor e entregando meu melhor.
Vejam, n�o � um amargor da solteirice. H� quem goste. Eu, inclusive, n�o reclamo da minha. Mas me incomoda a aus�ncia do afeto. O fato de nunca ser uma op��o. A quest�o de, em um encontro, me tornar a melhor amiga. E � inevit�vel pensar que isso tenha a ver com o corpo, afinal, n�o � uma queixa apenas minha, mas de toda uma comunidade que � punida por existir como se �.
Hoje, todos perfis nas redes sociais "respeitam todas as formas de amor". Mas, quantos social media que idealizam posts coloridos, no m�s do orgulho LGBTQIA+, se relacionam com corpos trans? se relacionam com corpos fora do padr�o? se relacionam com corpos de pessoas com defici�ncia e pertencente � comunidade? se relacionam com pessoas gordas e LGBTQIA ?
N�s sabemos que o Brasil � o pa�s que mais mata pessoas LGBTQIA no mundo e que muitos integrantes da sigla n�o podem assumir o que sentem e, para amar, precisam se proteger de quem diz amor.
Neste Dia dos Namorados, eu gostaria que o presente fosse n�o carregar a culpa por viver num mundo doente, que n�o sabe amar. Que pune quem ama de forma dissonante do padr�o. Hoje, o presente seria que o amor fosse destinado a todos os corpos e n�o somente aos que exibem "shapes" padronizados nas redes sociais e apps de paquera.
Meu presente seria que pessoas como eu fossem consideradas op��es rom�nticas. Que a n�o-monogamia fosse escolha e n�o a �nica forma de receber afeto. Que o amor chegasse para todo mundo. Que pessoas com defici�ncia pudessem amar e ser amadas de volta. Que n�o precis�ssemos nos esconder.
Para este dia dos namorados, desejo amor. E amor irrestrito, a todos, todas e todes. Que nossos corpos sejam celebrados e amados. Quem sabe, ano que vem, escrevo um texto diferente. Desejo que, neste dia, n�s, que nunca somos amados, tenhamos um pouco de amor.