O pesquisador e secret�rio-geral do Centro de Estudos Brasileiros da Academia Chinesa de Ci�ncias Sociais, Zhou Zhiwei, disse em entrevista � BBC Brasil, em Pequim, que o Brasil deve buscar desenvolver sua competitividade e tentar aproveitar melhor os investimentos chineses. “Falta um plano organizado, falta um papel para direcionar estes investimentos para os setores que precisam de mais investimentos”, disse. Segundo Zhou Zhiwei, as rela��es do Brasil com a
BBC Brasil - A import�ncia da China para o Brasil � clara. � o principal parceiro comercial e principal investidor do Brasil. E qual a import�ncia do Brasil para a China?
Zhou - A import�ncia do Brasil para a China � cada vez maior. Em termos econ�micos, o Brasil � agora um dos maiores parceiros comerciais da China, o nono maior parceiro. Isso � importante para os dois lados. Eu acho tamb�m que a rela��o entre o Brasil e a China j� superou a esfera bilateral como disse o vice-presidente Xi Jinping, quando visitou o Brasil em 2009. Essa rela��o tem agora um significado estrat�gico mundial.
BBC Brasil -A rela��o entre os dois pa�ses j� tem um grau de tens�o e alguns analistas acreditam que essa tens�o v� aumentar. Voc� compartilha dessa opini�o?
Zhou - Concordo. Na verdade, eu acho que as tens�es v�o crescer � medida que a rela��o entre os pa�ses se intensifica. � como a rela��o entre namorados. Para eles, o mundo � bonito, sem conflitos. Quando se casam, come�am a surgir mais problemas e dificuldades para resolverem. O com�rcio entre Brasil e China cresceu muito nos �ltimos anos, ent�o, claramente, vai existir competi��o, concorr�ncia. Mas acho que � um processo natural.
BBC Brasil - Mas as exporta��es brasileiras n�o incomodam a China, o problema � a via oposta? S� um lado parece se incomodar.
Zhou -Eu acho que existe uma diferen�a entre setores. O setor agr�cola brasileiro tem uma situa��o muito favor�vel. Por outro lado, existe claramente concorr�ncia entre os setores industriais no mercado brasileiro e em terceiros mercados. Esse problema � muito natural, mas o mais importante � que o setor industrial brasileiro deve promover a sua competitividade.
BBC Brasil - Como?
Zhou - Tributos, infraestrutura e tamb�m desenvolvimento tecnol�gico para maior efici�ncia.
BBC Brasil - E o que o senhor acha de medidas como anti-dumping e salvaguardas contra produtos chineses industrializados? � a ferramenta correta?
Zhou - Para o Brasil, pode ser a ferramenta correta. Se voc� acha que isso n�o � bom, pode aplicar medidas para defender seu setor de acordo com as regras da OMC. Mas eu acho que medidas anti-dumping n�o resolvem este problema. O mais importante para o Brasil � aumentar a competitividade. � o ponto-chave.
BBC Brasil - E o reconhecimetno da China na OMC, prometido no governo Lula, mas n�o ratificado? Como os chineses veem a postura do governo brasileiro?
Zhou - O primeiro-ministro chin�s, Web Jiabao, disse que � lament�vel que o Brasil ainda n�o tenha aprovado o status da China na OMC. Ent�o, acho que, durante a visita da presidente Dilma Rousseff, os dois governos v�o discutir esse assunto. Eu acho que o governo brasileiro tem suas pr�prias condi��es, por exemplo, a quest�o da licen�a para a produ��o de um novo modelo pela Embraer. Eu acho que essa quest�o da Embraer ser� resolvida. Se isso for resolvido, eu acho que a atitude do governo brasileiro vai mudar.
BBC Brasil - Mas com o reconhecimento do status da OMC, o Brasil perde uma arma que alguns setores consideram fundamental, que � a possibilidade de aplicar medidas anti-dumping, usando no c�lculo o pre�o de terceiros mercados.
Zhou - Fechar a porta para os produtos chineses n�o � uma boa solu��o. Na minha opini�o, o mais importante para outros pa�ses � aumentar a competitividade. O status da China n�o � uma quest�o muito dif�cil, � apenas um processo.
BBC Brasil -Pelo c�lculo de uma entidade americana, o Brasil foi o principal destino dos investimentos chineses em 2010. Qual a perspectiva nessa �rea para o Brasil?
Zhou - O investimento da China em 2010 � s� o in�cio desta tend�ncia porque o Brasil tem muitas oportunidades e vantagens em termos de recursos naturais e � receptivo ao investimento chin�s. As empresas chinesas est�o tra�ando uma estrat�gia de internacionaliza��o e o Brasil � um pa�s emergente com muitas oportunidades para as empresas chinesas aproveitarem. Como a maior economia da regi�o, o Brasil deve desempenhar tamb�m um papel de ponte entre a China e a Am�rica do Sul. O Brasil representa claramente uma oportunidade imensa para ser aproveitada.
J� recebi e-mails de empresas chinesas perguntando sobre como fazer neg�cio no Brasil. Algumas fabricam, por exemplo, material para est�dios. Sabem que haver� a Copa do Mundo, Olimp�adas.
BBC Brasil - E o que dificulta que isso se concretize?
Zhou - Existem alguns obst�culos para trazer mais investimentos. Por exemplo, defici�ncia de infraestrutura, mas essa tamb�m � uma boa oportunidade para os chineses.
BBC Brasil - Apesar de haver oportunidades em algumas �reas, o investimento chin�s tem sido criticado por se concentrar demais na busca por mat�rias-primas. Como o senhor v� essas cr�ticas?
Zhou - � engra�ado. Antes, lembravam que durante a visita de Hu Jintao, em 2004, os chineses prometeram investimentos e n�o os concretizaram. Em 2010, chega um monte de investimento, mas muitas pessoas se preocupam porque cresceu demais. Claramente, o investimento chin�s representa um certo choque para alguns setores e empresas brasileiras, mas, para aproveitar melhor estes investimentos chineses, o governo brasileiro deve redirecionar os investimentos para os setores que precisam de mais investimentos.
BBC Brasil - O senhor acha, ent�o, que o Brasil n�o deve aceitar investimento em qualquer �rea?
Zhou - Falta um plano organizado, falta um papel para direcionar estes investimentos para os setores que precisam de mais investimentos.
BBC Brasil - Mas que poder o governo pode ter sobre isso? Se uma empresa privada quer vender suas opera��es para a China, o que o governo pode fazer?
Zhou - Sim, mas a rela��o tamb�m tem de ser entre dois governos, entre dois pa�ses. O governo tem de desempenhar um papel importante para promover esta rela��o.
BBC Brasil - O interesse chin�s � por commodities, algo que preocupa alguns setores. O senhor v� motivo para preocupa��o?
Zhou - Os recursos naturais correspondem a 85% de todos os investimentos da China no Brasil. A China precisa desses recursos. Isso representa um desafio para o Brasil. Para resolver esse problema, o governo brasileiro tem de fazer seu dever. Claro que os recursos naturais s�o as vantagens do Brasil. � o que a China quer para sustentar o crescimento. � uma rela��o complementar. O Brasil deve se planejar para aproveitar melhor os investimentos chineses. � uma rela��o que envolve os governos. Se conseguir apoio dos governos, fica mais f�cil para as empresas chinesas investirem em outros pa�ses.
BBC Brasil - Ent�o o senhor acha que existe potencial para o Brasil usar os recursos naturais na barganha por investimentos de mais valor agregado?
Zhou - Eu acho que o apetite da China claramente � recurso natural. Se o Brasil quiser mais investimento em outros setores, o que vai oferece para atrair as empresas chinesas? � nisso que o Brasil tem de pensar. O que vai fazer? Muitos pa�ses tamb�m querem investimentos da China. No Brasil, existem obst�culos para fazer neg�cios: altos tributos, o custo para as empresas � alto, as regras trabalhistas s�o r�gidas, a seguran�a p�blica n�o � boa. Ent�o, esses s�o desafios se o Brasil quer mais investimento em infraestrutura e outros setores.
BBC Brasil - Como o senhor v� a rea��o no mundo � ascens�o da China?
Zhou - A China virou a segunda economia do mundo, mas o PIB per capita � muito baixo. Ainda � a metade do PIB per capita no Brasil. O status da China ainda � de um pa�s em desenvolvimento. A China tamb�m quer desempenhar um maior papel nos assuntos internacionais, mas o maior desafio agora � o desenvolvimento sustent�vel. Existem quest�es sociais, como uma disparidade de renda muito grande. A tarefa para os governos chineses � promover um equil�brio entre crescimento e desenvolvimento social.
BBC Brasil - Ent�o, a China vai continuar olhando mais para dentro?
Zhou - H� um pensamento corrente que diz que a pol�tica externa da China � fazer seu pr�prio dever da melhor maneira poss�vel, pensando o m�nimo nas quest�es internacionais. Essa � uma diferen�a entre Brasil e China. A atitude do Brasil na �rea de pol�tica interna � mais ativa e altiva, como diz Celso Amorim. Mas, para o governo chin�s, a humildade � mais importante. O Brasil est� sempre pensando em ser uma pot�ncia mundial. Durante a Segunda Guerra, surgiu uma oportunidade de ser memebro permanente da ONU. E, nas �ltimas d�cadas, o Brasil tenta fazer o poss�vel para realizar o sonho de pot�ncia mundial. S�o caracter�sticas dos povos. Os brasileiros s�o mais otimistas, os chineses, mais reservados.
BBC Brasil - O senhor falou em humildade, mas h� um grande n�mero de observadores que t�m visto uma maior assertividade ou at� agressividade por parte da China principalmente ap�s a crise, quando o pa�s saiu quase ileso e enxergou as rachaduras no modelo americano.
Zhou - De fato, existe uma mudan�a nos assuntos internacionais no que diz respeito a atitude do governo chin�s. O governo come�a a pensar que pode desempenhar um papel correspondente ao status econ�mico. Claramente, a economia chinesa cresceu e a China est� desempenhando um papel mais importante. Por isso, veem uma maior agressividade. Mas, considerando a import�ncia que a China ganhou, ainda acho que a postura do governo continua sendo de humildade.
BBC Brasil - Mas com a amplia��o dos interesses chineses do mundo, ser� que a China n�o vai ser for�ada, no futuro, a assumir um papel de lideran�a, para defender seus crescentes interesses econ�micos de forma mais ativa? Ser� que a pol�tica da n�o-interfer�ncia sobrevive por muito tempo?
Zhou - Acho que � uma tend�ncia poss�vel. As empresas chinesas est�o elaborando estrat�gias de internacionaliza��o n�o s� na Am�rica do Sul, mas tamb�m na �frica, nos Estados Unidos, na Austr�lia. Com isso, o governo chin�s tem de pensar mais do que antes no resto do mundo para aproveitar a oportunidade de transforma��o mundial de agora e n�o s� proteger seus interesses, mas tamb�m proteger os interesses dos pa�ses em desenvolvimento. Acho que esse � um ponto de coopera��o entre Brasil e China.