O micro e pequeno empres�rio brasileiro n�o quer crescer, ou pelo menos tenta evitar as responsabilidades de quem j� virou gente grande. Para n�o sair do Supersimples, sistema tribut�rio criado para incentivar os pequenos neg�cios aliviando o pagamento de impostos, as empresas desenvolveram um mecanismo que permite distribuir o faturamento em v�rios CNPJs. A estrat�gia, usada de norte a sul do pa�s, j� foi apelidada de “filhotinhos do Supersimples” pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tribut�rio (IBPT). C�lculos do diretor da ACMMinas, contabilista Olival Gonzaga de Resende, mostram que uma pequena empresa do ramo do com�rcio – com faturamento de R$ 200 mil ao m�s e folha de sal�rios de R$ 30 mil – economiza R$ 1,38 milh�o em 10 anos quando inscrita no Supersimples em compara��o a outros sistemas tribut�rios como lucro presumido. Por m�s, a diferen�a em favor dessa empresa seria de R$ 11.568. A economia em cinco anos seria de R$ 694 mil.
O empres�rio L.F.S.M. tem uma sociedade com o pai num grupo de lojas de roupas masculinas e femininas em Belo Horizonte. S�o, ao todo, quatro CNPJs, mas eles est�o em processo de abertura de outros dois. Ou seja, antes do fim do ano ser�o seis. Com isso, escapam do limite imposto pelo governo para participa��o no Simples. “Se a gente juntasse o faturamento de duas lojas, ultrapassar�amos o faturamento de R$ 2,4 milh�es. Abrimos v�rios CNPJs porque queremos permanecer no Supersimples”, reconhece. As lojas empregam cerca de 30 funcion�rios e, com a estrat�gia, o empres�rio calcula que consegue economizar 17% do que pagaria em encargos trabalhistas caso suas empresas estivessem inscritas num outro sistema de tributa��o. O esquema sustenta uma empresa familiar, na qual L.F.S.M. e o pai s�o s�cios de fato enquanto seus irm�os aparecem como s�cios somente no papel.
Em palestra realizada na Federa��o das Ind�strias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), a secret�ria de Desenvolvimento Econ�mico a ex-ministra Dorot�ia Werneck, reconheceu que empresas de micro e pequeno porte no pa�s chegam a ter sete CNPJs – podendo atingir at� 20 –, para garantirem as vantagens fiscais do Simples Nacional. O mecanismo pode ser questionado pela Receita Federal, mas n�o � necessariamente ilegal. Tudo depende do formato jur�dico como as empresas s�o montadas. Mas mesmo sendo uma iniciativa disseminada nacionalmente, principalmente nos setores intensivos em m�o de obra, a imensa maioria dos empres�rios que adotam o sistema se negam a reconhecer a pr�tica.
Pr�tica arriscada
O esquema funciona da seguinte forma: ao se aproximar das faixas mais elevadas de faturamento do Simples, o empres�rio cria outro CNPJ para dividir o seu faturamento. A legisla��o determina que o mesmo s�cio n�o pode controlar duas empresas, por isso, na forma��o dos novos neg�cios, muitas vezes familiares e amigos s�o usados como laranjas na composi��o do faz de conta cujo objetivo � permanecer pequeno para n�o arcar com uma carga tribut�ria mais pesada e evitar um sistema tribut�rio complexo. “Para n�o ultrapassar o limite, o microempres�rio divide o seu faturamento com a abertura de uma nova empresa, que , no entanto, costuma ter o mesmo endere�o. Essa alternativa nem sempre � legal. A pr�tica acontece no Brasil como um todo porque a capacidade de fiscaliza��o da Receita Federal � pequena. Com isso, o empres�rio fica exposto ao risco de ser autuado com multas pesad�ssimas”, diz o presidente do IBPT, Jo�o El�i Olenik.
Para o Sebrae, o limite de R$ 2,4 milh�es de faturamento das pequenas e microempresas reflete uma realidade ultrapassada, j� que tem como refer�ncia os anos de 2003 e 2004. Isso quer dizer que os custos para manter o neg�cio cresceram, mas o teto para o faturamento n�o. “H� um desequil�brio na f�rmula”, diz Bruno Quick, gerente da Unidade de Pol�ticas P�blicas do Sebrae. Em 2003, um sal�rio m�nimo valia R$ 240. Hoje vale R$ 545. A valoriza��o de 127% na remunera��o b�sica do trabalhador brasileiro mostra o quanto os custos das empresas intensivas em m�o de obra cresceram no per�odo, sem contar a infla��o. “Criar um novo CNPJ � uma forma artificial de escapar da eleva��o das despesas e do aumento da carga tribut�ria”, explica Quick, que reconhece a exist�ncia da pr�tica, embora defenda que ela n�o � comum entre as 4,8 milh�es de micro e pequenas empresas do pa�s.
Competitividade menor
Rodrigo Ricci, empres�rio do setor de metalurgia, fez o caminho contr�rio ao dos filhotinhos do Simples. Quando ultrapassou a cota de faturamento de R$ 2,4 milh�es, migrou para o sistema de lucro presumido, assumindo a maioridade do seu neg�cio. Ao admitir que cresceu, por�m, esbarrou na perda de competitividade e na concorr�ncia desleal. “Enquanto pago todos os impostos, meus concorrentes buscam pessoas da fam�lia para dividirem o faturamento da empresa em v�rios CNPJs e com isso ficam isentos do pagamento da parte do empregador no INSS.” Em sua opini�o, a pr�tica n�o � legal porque o Simples foi criado para incentivar o pequeno a crescer e n�o para prolongar benef�cios dos que j� cresceram. “Uma prova disso � que ningu�m admite que faz”, observa.
Limite fora da realidade
O Projeto de Lei 591, de 2010, prev� aumento do teto para a inclus�o das empresas no Simples de R$ 2,4 milh�es para R$ 3,6 milh�es ao ano. A expectativa � que at� julho a iniciativa possa ser aprovada no Congresso. Na vis�o de especialistas e empres�rios, por�m, a eleva��o proposta n�o ser� suficiente para deter a pr�tica da multiplica��o dos CNPJs. Nos c�lculos do presidente do Sindicato da Ind�stria do Vestu�rio de Minas Gerais (Sindivest), Michel Aburachid, o limite de faturamento das micro e pequenas empresas deveria ser de R$ 4,8 milh�es, o dobro do atual. Mas h� quem defenda cifras bem maiores. Para o Instituto Brasileiro de Planejamento Tribut�rio (IBPT), o teto necess�rio � de R$ 12 milh�es.
“O faturamento de R$ 1 milh�o ao m�s daria aos pequenos a chance de continuar no Simples, pagando menos imposto e crescendo gradativamente. Isso resolveria o problema da sonega��o sem perda de arrecada��o”, acredita Jo�o El�i Olenik, presidente do IBPT. Ele explica que hoje o salto para a faixa que sucede o limite de faturamento do Simples � muito grande. E refor�a que mesmo o teto de R$ 12 milh�es seria quatro vezes menor que os R$ 48 milh�es do lucro presumido. “O que acontece hoje � que o Simples ajuda, mas n�o resolve. O governo poderia elevar o teto, escalonar as al�quotas e ganhar em arrecada��o.”
C.C. � prestador de servi�os na �rea de inform�tica. Ele conta que o colega A. L.. que trabalha com com�rcio na mesma faixa de receita cresceu tanto nos �ltimos dois anos que j� tem cinco CNPJs para distribuir o faturamento. A reportagem do Estado de Minas conversou com A. L.. O empres�rio desconversou, negando ter mais de uma empresa registrada. Admitiu, no entanto, estar pensando em criar um segundo CNPJ.
O diretor da ACMinas e especialista em contabilidade, Olival Resende, alerta que se o desmembramento de empresas for caracterizado pela Receita Federal (RF), o empres�rio pode ser autuado. “O crit�rio para abrir uma empresa � a realidade. Ela n�o pode existir apenas para reduzir carga tribut�ria”. Segundo a Receita, a verifica��o das empresas nessa situa��o � realizada eletronicamente pelos aplicativos do Simples Nacional. “O contribuinte tamb�m estar� sujeito � fiscaliza��o e exclus�o do Simples Nacional por qualquer ente federativo (estados e munic�pios)”.