Na confer�ncia entre financistas e dirigentes de bancos centrais mais aguardada do ano, desde que os governantes da Europa e EUA se revelaram menores, e n�o superlativos como os investidores queriam acreditar que fossem, o presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke, encontrou lotado o resort em Jackson Hole, nas montanhas do Wyoming, para ouvi-lo. Bernanke desapontou.
Se no encontro de 2010 ele agradou � plateia e p�s os mercados de a��es e de commodities em ebuli��o, ao antecipar o que veio a ser conhecido como quantitative easing, ou QE, neologismo para emiss�o de d�lares usados pelo Fed para resgatar pap�is do Tesouro dos EUA em poder da banca, desta vez se apresentou como cronista da crise, e saiu a recitar platitudes. “A melhora da economia levar� tempo e pode haver obst�culos no caminho”, disse, sem falar nada de novo.
E as bolsas? Ca�ram imediatamente em Nova York, acompanhadas pela BM&FBovespa, como de h�bito, mas a baixa durou pouco. Se tirassem o cr�dito de Bernanke, devem ter pensado os estrategistas da banca, n�o sobraria nada em que acreditar. E a crise tem sido assim desde seu estouro, em 2008: um vaiv�m de sentimentos, com os governos nos EUA e na Europa, onde o buraco � maior, adulando os mercados com uma rever�ncia n�o dispensada aos produtores da riqueza nacional.
N�o se discutem nem se veem medidas para ativar a economia real, entendida como a produ��o, o investimento, o emprego e a renda. Em compensa��o, n�o faltou dinheiro para salvar banco quebrado e para acalmar essa gente que l� atr�s precipitou a crise ao se endividar mais do que podia e a ensopar o mercado com derivativos de t�tulos de d�vida de modo que ainda hoje nem o Banco Central Europeu (BCE) e o Fed, al�m da pr�pria banca, sabem ao certo o volume emitido e o valor atual de tais ativos, tamanha a sua complexidade.
Estima-se que o total de neg�cios com derivativos e com moedas no mundo, em 2010, chegou a extravagantes US$ 955 trilh�es – mais de 15 vezes o PIB global, avaliado em US$ 63 trilh�es. Os derivativos sozinhos teriam sido de US$ 601 trilh�es. At� decifrarem o enigma de tal dinheirama, os governos v�o bater cabe�a. E segue a crise.
As ra�zes da pervers�o
O fato � que desde meados dos anos 1970 come�ou um movimento, com epicentro nos EUA e ondas de propaga��o, sobretudo para a Zona do Euro, Inglaterra e Jap�o, de financeiriza��o da economia, seguida do endividamento das fam�lias e da estagna��o dos sal�rios reais. Nos EUA, disfar�ou-se a queda do poder de compra dos sal�rios, em especial da classe m�dia, com d�vidas e a valoriza��o dos im�veis, depois hipotecados para financiar gasto corrente ou aplica��es na bolsa. Na Europa, com a amplia��o da pol�tica de bem-estar social. Enquanto funcionou a ilus�o da prosperidade movida a cr�dito e a subs�dios p�blicos, a pervers�o ficou oculta. Gra�as a ela tamb�m, o mundo subdesenvolvido foi al�ado a emergente, como China, e por tabela os que dela dependem na �sia e Am�rica Latina, como Brasil.
Batom na cueca em 2008
Esse � o problema. Fam�lias endividadas nos EUA. Empresas, bancos e governos endividados na Europa e Jap�o. Resultado: o consumidor consome menos para pagar suas dividas; as empresas n�o investem enquanto houver a brutal capacidade ociosa descoberta pela crise; os mesmos investidores acudidos pelos governos resistem a rolar as d�vidas soberanas infladas pela estatiza��o do passivo de bancos e empresas tornadas insolventes depois da quebra do Lehman Brothers. A ru�na do Lehman Brothers em 2008 foi o batom na cueca para os mercados desregulados, assistidos pela transfer�ncia de renda de sal�rios e dos setores produtivos para o lucro financeiro, no que acabou chamado de “neoliberalismo” pela cr�tica. O saldo da festa s�o d�vidas intrag�veis sem expans�o econ�mica forte – evento que ningu�m espera nem na China para os pr�ximos anos.
Ruas dir�o at� quando
O peso da d�vida p�blica e privada em rela��o ao PIB equivale a uma bola de ferro no p� dos governantes. No Jap�o, vai a 471% do PIB, segundo estudo do Morgan Stanley, das quais 197% p�blicas. Nos EUA, soma 242%, sendo 80% p�blica. Na China, totaliza 165% do PIB, sendo a menor parte, 36%, estatal. A situa��o do Brasil � um pouco melhor: da d�vida total de 142% do PIB, “apenas” 61% eram p�blicas no fim de 2010, segundo a an�lise do Morgan Stanley. Como sair desse enrosco? Com o bei�o de parte do que os governos devem, como fez a Argentina em 2001, com infla��o que corroa largo peda�o do passivo ou com crescimento econ�mico maior que os juros. EUA e Europa por ora s� apertam os gastos. A rua dir� at� quando.