
Com 62 anos e renda de um sal�rio m�nimo, a aposentada Maria Guia de Oliveira lamenta que o governo fique com quase 54% dos seus ganhos, dinheiro que n�o v� aplicado na escola dos sete netos de que cuida. “Nenhum deles come a merenda da escola, que dizem que � horr�vel e parece mais sobra de comida”, conta a V�, como � conhecida na vizinhan�a da Vila Santana do Cafezal, no Aglomerado da Serra, Regi�o Centro-Sul da capital.
A neta de 11 anos, Sabrina Luiza de Jesus, teve que encapar os livros did�ticos distribu�dos pela escola para conseguir us�-los. “Vieram rasgados”, conta. A prima Isabela Alves, de 12 anos, reclama que, al�m de rasgados, muitos livros chegam usados, sujos e com folhas faltando. A contribui��o da escola para por a�. Todo o restante de material � comprado por Maria, que faz como pode para adquirir cadernos, l�pis, borracha e mochila para cinco dos sete netos. “Divido em v�rias presta��es. Chego a gastar mais de R$ 300 quando muda o ano. Nunca recebi nada do governo. Tudo fica por minha conta”, explica.
Na sa�de, o cen�rio n�o � muito diferente. Sexta-feira � tarde, a faxineira Aline Souza de Oliveira esperava havia quase duas horas para ser atendida no Posto de Sa�de da Rua Corinto, na Serra. “E s� devo sair depois das 19h, como nas �ltimas vezes que estive aqui. Com isso, perco o dia de trabalho, porque n�o consigo atestado”, conta. E tudo isso apenas para marcar um exame. “Para tirar sangue mesmo, ainda vou ter que faltar mais um dia no trabalho, que ser� descontado no meu sal�rio”,lamenta a funcion�ria de um escrit�rio que, assim como o marido, que trabalha em um lava a jato, ganha um sal�rio m�nimo.
O aposentado Valdevino Alves Miranda tamb�m lamenta o servi�o prestado no setor de sa�de, que, na maioria das vezes, o obriga a comprar os rem�dios que deveriam estar dispon�veis nos postos. “Nem um paracetamol eles tinham dispon�vel e, como n�o posso ficar sem ele, tive que desembolsar o valor”, explica. Hoje ela ganha um sal�rio m�nimo e tamb�m est� entre os milh�es de brasileiros que pagam mais impostos e n�o veem o retorno dos valores debitados.
Efeito regressivo Estudos acad�micos e de �rg�os oficiais de pesquisa v�m atestando com detalhes o conhecido efeito regressivo da carga tribut�ria brasileira, ou seja, a incid�ncia inversamente proporcional � renda e ao patrim�nio do cidad�o. “Segundo dados da pr�pria Receita, quem ganha at� dois sal�rios m�nimos paga o dobro em impostos indiretos sobre os produtos que consome”, informa Mary Elbe Queiroz, jurista especializada em assuntos tribut�rios. Uma prova da amplitude da cobran�a indireta est� na conta de luz, cuja carga o governo decidiu desonerar em 20% em m�dia a partir de 2013.
Para ela, a injusti�a do sistema se confirma quando se observa o retorno dos impostos. A m� gest�o dos recursos dispon�veis e a gigantesca despesa com juros da d�vida da Uni�o limitam a devolu��o dos recursos sob a forma de infraestrutura e pol�ticas voltadas ao bem-estar social. “Nessas condi��es, ter�amos de triplicar a atual carga tribut�ria para oferecer servi�os p�blicos no mesmo patamar dos pa�ses ricos”, calcula.
Al�m de calibrar a incid�ncia dos tributos sobre cada grupo de renda, Mary Elbe defende iniciativas para dar agilidade ao Estado e faz�-lo gastar melhor os valores que arrecada. “A burocracia � um custo a mais absolutamente desnecess�rio”, ilustra. Diante da precariedade daquilo que o conjunto dos tr�s n�veis de governo – federal, estaduais e municipais – oferece � popula��o, o alto percentual da carga tribut�ria do Brasil (36%), compar�vel � m�dia das economias desenvolvidas (40%), acaba sendo quest�o relativa. Por isso, ela entende que as autoridades deveriam perseguir cobran�a mais justa de impostos e aplica��o mais racional do Or�amento.
Distor��o na renda
Para medir o grau de injusti�a da regressividade da tributa��o sobre os assalariados (cobran�a inversamente proporcional � renda), a jurista especializada em assuntos tribut�rios Mary Elbe Queiroz lembra que o sal�rio m�nimo ideal nas contas do Departamento Intersindical de Estat�stica e Estudos Socioecon�micos (Dieese), capaz de cobrir todas as necessidades da fam�lia, teria de ser de R$ 2,5 mil. Mas j� a partir de R$ 1,6 mil o contribuinte come�a a pagar Imposto de Renda (IR).
Neste sentido, Mary Elbe v� com bons olhos iniciativas do Congresso de desonerar a cesta b�sica. Est� sobre a mesa da presidente Dilma Rousseff emenda � Medida Provis�ria (MP) 563 que prev� redu��o de custos de v�rios setores industriais. “A cesta b�sica j� � bastante desonerada”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, insinuando que a proposta pode ser vetada.
Raul Velloso, especialista em finan�as p�blicas, concorda em parte com o argumento do ministro de que houve importantes isen��es e redu��es de impostos indiretos sobre os produtos de grande peso no consumo dos mais pobres. Mas, em raz�o da complexidade da forma como s�o cobrados, ele sugere uma investiga��o mais profunda dos efeitos l�quidos das desonera��es. “O Brasil tem peso geral de impostos mais regressivo que pa�ses desenvolvidos, onde a tributa��o se concentra no IR. Falta saber o qu�o injusta � essa carga”, sublinha.
Outra forma de aperto tribut�rio sobre assalariados est� nas regras do Le�o. “Para os que extrapolam a faixa de isen��o, os valores devidos s�o descontados na fonte, em at� 27,5%, e ainda as possibilidades de restitui��o s�o limitad�ssimas”, critica o consultor Francisco Arrighi. Como sa�de e educa��o p�blicas s�o insuficientes para cobrir a demanda e a infraestrutura tem falhas, a despesa do contribuinte para preencher tais lacunas fica sem compensa��o. A al�quota m�xima do IR � cinco vezes maior do que a aplicada aos de igual n�vel de renda em pa�ses desenvolvidos e outros sul-americanos, de 5% em m�dia.