Sinal dos tempos. No pa�s de autores consagrados como Jos� Saramago e Ant�nio Lobo Antunes, o livro que os portugueses mais compraram em dezembro de 2012 trata da crise econ�mica. Do jornalista Camilo Louren�o, Basta! O que fazer para tirar a crise de Portugal � a obra de n�o fic��o que lidera os dois rankings mais importantes de venda de livros no pa�s.
Ao recuperar a hist�ria econ�mica de Portugal, especialmente ap�s a Revolu��o dos Cravos (em 25 de abril de 1974), o livro tenta explicar por que o pa�s foi pedir socorro tr�s vezes ao Fundo Monet�rio Internacional (FMI) depois da redemocratiza��o. Nas palavras de Louren�o, � “um manifesto de boa governan�a”.
O autor tem experi�ncia acad�mica, mais de 15 anos de reda��o e assina colunas em quatro ve�culos de diferentes grupos - um jornal, uma r�dio e dois canais de televis�o. Para ele, o Brasil est� em estado de euforia, mas deve ficar atento �s contas p�blicas, especialmente por causa dos gastos para a Copa do Mundo e as Olimp�adas. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu � Ag�ncia Brasil .
Ag�ncia Brasil - Pelo t�tulo, o livro parece ser um diagn�stico contra o atual receitu�rio econ�mico e trata de aspectos defendidos pela Troika [formada pelo Fundo Monet�rio Internacional (FMI), Comunidade Europeia (CE) e Banco Central Europeu (BCE)]. Por que, ent�o, � campe�o de vendas?
Camilo Louren�o - Cortar despesas do Estado e torn�-lo mais eficiente n�o � pouco. � uma tarefa que Portugal n�o est� acostumado a fazer. Tenho percebido que as pessoas querem saber porque a crise acontece, o que est� errado e porque temos as tr�s pr�-bancarrotas em 34 anos [a atual, a de 1978 e a de 1983]. Elas tamb�m querem saber como sair disso.
ABr - Quem n�o conhece a hist�ria econ�mica de Portugal se surpreende ao constatar que o maior crescimento n�o aconteceu depois da entrada na Uni�o Europeia [1986].
Louren�o - N�s tivemos, entre 1950 e o final de 1970, uma das maiores taxas de crescimento do mundo, semelhante � da Coreia do Sul. Isso aconteceu apenas por uma raz�o: abrimos nossa economia para o com�rcio exterior, o que levou Portugal a especializar-se em algumas �reas. A partir de meados da d�cada de 1990, fechamos a economia e come�amos a focar no mercado interno. Foi uma estupidez. Para uma economia pequenina, quando h� taxas significativas de crescimento mundial, qualquer ganho significa [internamente] um ganho acentuad�ssimo. Mas n�o melhoramos nossa inser��o comercial e sequer conseguimos substituir algumas importa��es.
ABr - As exporta��es aumentaram na crise?
Louren�o - As exporta��es est�o se comportando muito bem, o que demonstra nossa capacidade para fazer isso. Se eu quiser ser rico, sendo portugu�s, a primeira coisa a fazer � ver onde a economia est� crescendo para ent�o come�ar a vender. N�o posso pensar em uma empresa somente para os 10 milh�es de consumidores do pa�s. O mundo � da escala, das marcas. N�o posso criar uma marca para s� vender em Portugal.
ABr - Que peso tem para Portugal o com�rcio com o Brasil e com os demais pa�ses de l�ngua portuguesa?
Louren�o - Tem import�ncia cada vez maior e isso foi uma coisa que descobrimos recentemente. Depois de aderir � Uni�o Europeia, apostamos na Europa. Isso foi um erro grav�ssimo. Se Portugal tinha alguma vantagem comparativa em rela��o ao restante da Europa, era a de entrar nos mercados de l�ngua portuguesa, com grande potencial de desenvolvimento. O Brasil era o caso mais evidente, mas j� havia Angola e hoje h� Mo�ambique, mercados com peso cada vez maior. Mas n�o � s� isso. Os portugueses come�am a descobrir agora o desafio de vender l� fora e, afinal, come�amos a pensar: Europa n�o � tudo, n�o podemos estar concentrados.
ABr – Existe crise em Portugal, por�m, � f�cil encontrar carros de luxo nas ruas e lojas cheias. Essa crise n�o � para todos?
Louren�o - Essa aposta na economia interna passou muito pelo consumo. Ali�s, alguns pol�ticos tentam vender a ideia de que � o consumo que faz crescer a economia. N�o �. O que faz uma economia como a portuguesa crescer s�o as exporta��es. O consumo e a economia interna s� podem crescer na mesma medida que crescer a economia externa. Quando isso n�o acontece geramos um d�ficit muito grave das contas externas. Entre 2000 e 2010, Portugal teve d�ficit e nossa d�vida externa disparou. N�o temos economia para esse n�vel de consumo. Continuamos a ter setores que est�o bem. H� uma parte da popula��o que vive bem, embora pior do que antes.
ABr - Que setores v�o bem?
Louren�o - Todos os ligados � exporta��o. H� uma coisa estranha. Os sal�rios cresceram em m�dia 1,1% na compara��o com 2011. Por que? Porque uma parte da economia, no setor privado, continua a ter aumento de sal�rios, enquanto a parte p�blica passou a ter redu��o. H� setores da economia protegidos da concorr�ncia externa, onde os sal�rios est�o crescendo. Isso n�o devia acontecer. N�s n�o temos produtividade para ter esses sal�rios.
ABr - Conforme exp�e no livro, voc� � contra Portugal tentar renegociar o acordo de ajustamento com a Troika. Depois da publica��o, por�m, a Gr�cia conseguiu renegociar e ter melhores condi��es de pagamento da d�vida. Mant�m sua posi��o?
Louren�o - Integralmente. O nosso problema n�o � pagar juros ao exterior, mas mudarmos de h�bito e de mentalidade. Precisamos educar o pa�s para perceber que se h� problema com despesa � preciso corrigir primeiro, e n�o pedir benesses. Se for pedir benesses, depois eu n�o reformo aqui. Isso n�o quer dizer que n�o devemos aproveitar as condi��es da Gr�cia. N�o � o momento de fazer isso. Como o or�amento vai correr mal em 2013, como em toda a Uni�o Europeia, precisamos ter trunfos para dizer, quando surgir um problema: naquele momento voc�s n�o nos deram nada e agora t�m que nos ajudar.
ABr - O primeiro-ministro Pedro Passos Coelho chegou a recomendar a emigra��o para os portugueses escaparem da crise. No livro, est�o apontados pontos positivos nesta fuga. Voc� recomendaria a emigra��o para o Brasil?
Louren�o - A emigra��o n�o pode ser apenas uma sa�da para um problema econ�mico. A emigra��o tem que ser encarada como um trunfo para o pa�s. Eu vivi em tr�s continentes diferentes – s� me fez bem. Arrisco a dizer, ao contr�rio de diversos pol�ticos, que seria muito bom os 10 milh�es de portugueses viverem um ano fora e depois voltarem. Garanto que o pa�s n�o seria mais o mesmo. Brasil, Angola e Mo�ambique t�m muitas potencialidades, mas h� outros pa�ses. Temos que fazer o poss�vel para reter pessoas em Portugal. O talento � muito importante. Mas, se n�o houver condi��es, � melhor que as pessoas saiam para onde possam exercer o seu talento. � prov�vel que voltem mais tarde, mas, mesmo que n�o voltem, tenho que tornar cada emigrante em um vendedor de Portugal. O Brasil precisa de gente especializada. N�s temos que olhar para isso de uma forma inteligente e n�o como se as pessoas estivessem sendo tratadas como mercadoria, como muita gente diz aqui.
ABr - Voc� tamb�m recomendaria ao seu pa�s neg�cios com o Brasil?
Louren�o - Sem d�vida, porque tem potencial. Agora, � preciso ter um cuidado muito grande com o Brasil, como � preciso ter cuidado com Angola e com outros pa�ses. Por qu�? Porque o Brasil est� em estado de euforia. Euforia � o pior que pode acontecer. As pessoas come�am a tomar decis�es erradas. N�o tenho d�vida que se o Brasil se mantiver no que est� fazendo, ainda em 2016 ou 2017 vai ter problemas de sobreaquecimento da economia, como criar uma bolha imobili�ria. Depois, tem os problemas nas contas p�blicas. Ter a Copa do Mundo e as Olimp�adas, em seguida, � receita para o desastre, a menos que se controle muito bem aquilo que est� a gastar. Tenho muita d�vida se o Brasil vai conseguir fazer isso. Fiquei impressionado com uma apresenta��o da presidenta Dilma Rousseff, quando ela disse que queria fazer 800 aeroportos regionais. Sei que o Brasil � um continente, mas 800 aeroportos regionais � atirar dinheiro na lama. Isso me preocupa muito, pois acho que o Brasil est� perdendo o p� em termos de sensatez.
ABr - O erro que Portugal cometeu em fixar-se no mercado interno � um risco para o Brasil?
Louren�o – N�o. O Brasil tem muito espa�o para crescer internamente. O consumo ainda pesa pouco e o pa�s tem espa�o para crescer porque h� super�vit nas contas externas. O Brasil exporta muito. � uma pot�ncia exportadora, n�o s� de recursos naturais, mas tamb�m de produtos industriais. Se tiv�ssemos aqui um super�vit nas contas externas n�o estar�amos agora reduzindo os rendimentos dos portugueses.