Zulmira Furbino
A promulga��o da Lei das Dom�sticas est� empurrando o Brasil para uma nova realidade no campo do trabalho dom�stico, mas ainda vai levar tempo para que o pa�s chegue ao menos perto dos pa�ses europeus, dos Estados Unidos e do Jap�o, as na��es mais desenvolvidas do mundo, no que se refere � maneira de lidar e � forma de remunerar servi�os dessa natureza. Em Londres, para trabalhar quatro horas, uma faxineira ganha, em m�dia, o equivalente a R$ 25 por hora. Em Paris, contratar uma bab� custa cerca de R$ 35 a hora; nos Estados Unidos, o mesmo servi�o custa, em m�dia, entre R$ 1.600 e R$ 2.400 por semana. Em Washington (EUA), uma fam�lia paga R$ 800 mensais a uma housekeeper (faxineira) que trabalha uma vez a cada duas semanas.
Levantamento realizado pela Organiza��o Internacional do Trabalho (OIT) em 2010 mostra que o n�mero de empregados dom�sticos espalhados entre 117 pa�ses � inversamente proporcional ao n�vel de desenvolvimento de cada na��o ou regi�o. Segundo a OIT, naquele ano havia 52,6 milh�es de homens e mulheres trabalhando em servi�os dom�sticos no mundo, nada menos do que 78% deles concentrados na �sia (41%) e na Am�rica Latina (37%). Entre todas as na��es pesquisadas, o organismo internacional aponta que o Brasil � o pa�s que mais tem empregados dom�sticos – 7,2 milh�es. J� os pa�ses desenvolvidos, juntos, empregam apenas 7% deles.
A brasileira Simone Ara�jo mora em Londres h� nove anos e chegou na Inglaterra sem saber falar ingl�s. Na primeira semana, acordou cedo e partiu para os bairros de maior poder aquisitivo deixando bilhetes de apresenta��o nas casas. “Arrumei clientes logo de cara e cheguei a receber 15 pounds por hora (R$ 55)”. Como tinha visto de estudante, tinha permiss�o para fazer 20 horas de faxina por m�s, mas trabalhava por fora para engordar a renda. “Trabalhei numa casa durante sete anos, e os patr�es me registraram como funcion�ria da empresa deles.“ Hoje, Simone trabalha numa farm�cia que vende produtos naturais na cidade. Ela conta que o mercado londrino de limpeza de resid�ncias foi invadido pelos “polacos”, imigrantes do Leste Europeu, e o pre�o do servi�o caiu muito. “Para eles, vale a pena cobrar mais barato porque a moeda deles � muito desvalorizada em compara��o com a libra”, explica.
Ronaldo Doval � professor particular de ingl�s em Belo Horizonte e morou nos Estados Unidos de 1985 a 1998. L�, estudou a l�ngua nativa e trabalhou em restaurantes, car wash e na limpeza de casas, at� montar uma empresa de servi�os dom�sticos. “Nos Estados Unidos, os trabalhos s�o feitos por empreitada. � poss�vel levar duas, tr�s pessoas. Nossa empresa calculava, por exemplo, que o servi�o ia durar duas horas. Nesses casos, pod�amos enviar dois faxineiros e ainda sobravam US$ 15”, lembra.
Ele afirma que sa�am da Fl�rida para limpar um apartamento em Chicago “porque o dono n�o confiava em mais ningu�m”. “Nos Estados Unidos, esse tipo de trabalho funciona na base da confian�a. O problema � que n�o h� nenhuma seguran�a, voc� n�o � protegido por lei nenhuma”, diz Doval. Ele acredita que no Brasil os servi�os dom�sticos caminham nesse rumo. “Quem tem renda mais baixa vai dispensar a empregada e contratar diaristas. Isso j� est� ocorrendo”, afirma.
Em extin��o
Na It�lia, ter empregada dom�stica � um verdadeiro luxo. A estilista mineira Marcela de Oliveira mora em Floren�a, j� contou com os servi�os de uma diarista, mas teve que dispens�-la. "Na It�lia, a empregada dom�stica est� em extin��o. Os custos s�o imensos, e as possibilidades de conseguir garantir (pagar) todos os impostos (previd�ncia, pens�o etc.) s�o cada vez menores.” Segundo ela, poucas fam�lias podem ter uma empregada em casa, pois ela tem os mesmos direitos de qualquer outro trabalhador, seja comerci�rio ou policial. A solu��o � assumir a contrata��o de uma diarista que compare�a uma, duas ou tr�s vezes por semana, sem pagar os impostos. “A maior parte das italianas faz assim”, diz. Hoje, na It�lia, uma dom�stica ganha de oito a 10 euros por hora. Desde 2011, Marcela de Oliveira dispensou a ajuda e se organiza para cuidar do marido e da filha. "Eu fa�o tudo. Limpo a casa num dia, passo roupas no outro e por a� vai.” (Colaborou Graziela Reis)
Empurr�o para ficar perto dos desenvolvidos
Para Marcio Pochmann, professor de economia do trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Emenda Constitucional 77, a PEC das Dom�sticas, que igualou os direitos trabalhistas dos empregados dom�sticos com os dos outros trabalhadores brasileiros, � um empurr�o para que o Brasil se aproxime de seus pares desenvolvidos nessa quest�o. Ele acha estranho que um pa�s como o nosso, nada menos do que a sexta economia do mundo, ainda seja o l�der em contingente de dom�sticos. “H� um atraso na evolu��o e na composi��o desse tipo de atividade no pa�s. Nada menos do que 70% dos empregados dom�sticos est�o em situa��o irregular, vivem � margem da legisla��o trabalhista”, afirma.
Segundo Pochmann, no Brasil h� tr�s quest�es que envolvem a mudan�a que a nova lei poder� provocar na sociedade. Primeiro, � preciso saber como vai se comportar a fiscaliza��o do cumprimento das novas regras pelo Minist�rio de Trabalho e Minist�rio P�blico. Depois, as mudan�as v�o depender de os pr�prios trabalhadores cobrarem os seus direitos. Al�m disso, ser� preciso esperar para ver se os patr�es v�o aceitar o custo adicional, j� que a contrata��o de um trabalhador dom�stico � diferente de um trabalhador comum. “As empresas visam ao lucro quando contratam um empregado, mas as fam�lias visam ao bem-estar.”
Desigualdade
Olhando para a situa��o da presta��o de servi�os dom�sticos em na��es desenvolvidas, Waldir Quadros, professor do Instituto de Economia da Unicamp, avisa: “Ainda n�o � para l� que a gente vai. A situa��o desses trabalhadores no Brasil vai permanecer distante por muito tempo porque a desigualdade social do pa�s � grande e essa situa��o favorece o uso do trabalho dom�stico”. (ZF)
Bab� de US$ 180 mil
Em mar�o de 2012 – um ano antes da aprova��o da PEC das Dom�sticas no Brasil –, o jornal The New York Times publicou mat�ria sobre a brasileira Zenaide Muneton, de 50 anos, sob o t�tulo “A melhor bab� que o dinheiro pode comprar”. Nascida em uma fam�lia pobre na periferia de S�o Paulo, Zenaide emigrou para os EUA na d�cada de 1990, incentivada por uma amiga americana que fez no Brasil e que percebeu o talento dela para lidar com crian�as . Em poucos meses, Zenaide era bab� de uma fam�lia rica na Carolina do Sul, onde ganhava US$ 100 por semana. Em 2002, passou a trabalhar para uma ag�ncia especializada em fornecer m�o de obra dom�stica para milion�rios e elevou seus ganhos a US$ 85 mil anuais. Em 2011, segundo declarou ao jornal, Zenaide recebeu US$ 180 mil – mais um b�nus de Natal – pelo trabalho como bab� de crian�as milion�rias em Nova York.