
Sacramento – "A promessa que ele fez, na porta da minha casa, era para ganhar R$ 2,3 mil como tratorista. Mas o que encontrei aqui � bem diferente", relata Diorles Henrique Malta, que, enganado, trabalhou somente por cinco dias na carvoaria da Fazenda Chapad�o da Zagaia, em Sacramento, no Alto Parana�ba. N�o s� a desilus�o de uma mentira fez com que ele e o irm�o conseguissem romper o contrato, mas principalmente as condi��es desumanas para exercer qualquer atividade naquela propriedade rural. Se por si s� o of�cio � frente do forno de carv�o j� gera desgaste excessivo, a situa��o se agrava com o estado da fazenda.
Na semana de anivers�rio da Lei �urea, o Estado de Minas acompanhou uma a��o encabe�ada pelo Minist�rio do Trabalho e Emprego, em parceria com o Minist�rio P�blico do Trabalho e a Pol�cia Federal, para resgatar 32 v�timas de trabalho escravo em Minas. Al�m dos 28 adultos, duas crian�as menores de 5 anos e dois adolescentes se encontravam na fazenda, com a liberdade cerceada por capatazes. "A condi��o de degrada��o � clara, tanto no alojamento quanto na frente de trabalho", afirma o auditor fiscal e coordenador do projeto de combate ao trabalho escravo da Superintend�ncia Regional do Trabalho de Minas Gerais, Marcelo Gon�alves Campos.
Em pleno s�culo 21, pode ser complicado acreditar no relato sobre as condi��es de trabalho da carvoaria. Tendo que transportar toras de eucalipto at� os fornos onde a madeira � queimada, homens e mulheres se dividem nas tarefas sem nem mesmo usar luvas para proteger os dedos ou camisas de manga longa suficientes para cobrir os bra�os. Os chefes fornecem apenas as botinas. Assim mesmo, � feita uma anota��o em um caderno para identificar quem as recebeu. Caso tenham coragem de abandonar o emprego antes de completar dois meses de trabalho (ou consigam sair de algum modo, como aconteceu com Diorles e o irm�o), s�o obrigados a pagar o valor dos cal�ados.

At� comida pode estar na lista. Afinal, s�o s� tr�s refei��es por dia. Pela manh�, o p�o seco com caf� preto; por volta das 11h, depois de quatro horas de trabalho intenso sob sol forte, � a vez do marmitex de arroz e feij�o com macarr�o e um peda�o de carne. O mesmo prato se repete �s 18h, quando � servida a �ltima refei��o. Caso queiram algo mais at� a hora de dormir, � preciso pagar � parte. Exceto bebida alco�lica, terminantemente proibida na fazenda. Na �ltima vez que trabalhadores conseguiram escapar at� um vilarejo pr�ximo para comprar cacha�a, acabaram apanhando na volta.
Sem dinheiro
As encomendas eram a �nica forma de obter qualquer objeto desejado. No per�odo em que ficavam confinados, trabalhando, ningu�m via a cor do dinheiro. O pagamento s� era feito quando encerrado o "contrato". Al�m disso, a dist�ncia entre a zona rural e a sede da cidade isolava os trabalhadores. S�o mais de 80 quil�metros de estrada de terra, o que, de carro, significa quase uma hora e meia devido �s condi��es prec�rias. A p� � praticamente imposs�vel.
No caso de Diorles, ele e o irm�o s� conseguiram sair porque entraram no carro de um dos respons�veis por gerenciar a fazenda, conhecido como Dengo, e bateram o p�, falando que n�o sairiam do ve�culo a n�o ser na cidade. "Chegando aqui, ele queria me dar R$ 25 por dia trabalhado. Agora faz as contas a� para ver se, em um m�s, isso d� R$ 2,3 mil", afirma, em refer�ncia ao valor prometido. Se considerados 30 dias trabalhados, como � praxe segundo os relatos colhidos no local, seriam R$ 750, fora os descontos das compras. No caso de Diorles e do irm�o, o fato de terem experi�ncia em outras atividades, como operador de m�quinas e at� instrutor de autoescola, mudou o tratamento dos superiores. "Todo mundo aqui trabalha sob amea�a. � gritaria o tempo todo", afirma, apontando o funcion�rio conhecido como Estrangeiro como o respons�vel pelas amea�as. O Estado de Minas tentou contato com o propriet�rio da fazenda, mas n�o obteve resposta at� o fechamento desta edi��o.
Descontos anulam suposto sal�rio

Sem luvas e qualquer esp�cie de equipamento de seguran�a, ele era obrigado a retirar o carv�o dos fornos diariamente. Cada etapa conclu�da vale R$ 10. Ou seja, se fizer muito esfor�o, o m�ximo que consegue s�o R$ 40 por dia, que, somadosao valor do seguro-desemprego, poderiam ajudar no fim do m�s. Por enquanto, no entanto, ele n�o recebeu nada, tendo ainda que quitar os d�bitos do caderninho de anota��es. "O dinheiro s� vai. � trabalhar para sobreviver", relata ele, que diz n�o ter condi��es de voltar para sua terra.
Al�m dele, vieram de Quartel-Geral outras 10 ou 11 pessoas da fam�lia, entre os quais a filha de 16 anos, que trabalha de forma irregular e desempenha fun��o semelhante � do pai. O filho, Gilmar, antes mesmo da chegada dos fiscais j� havia discutido com os patr�es e estava decidido a abandonar a fazenda de alguma forma. Isso porque o combinado era que ele exerceria outra fun��o, que n�o na carvoaria, mas acabou sendo obrigado a encher os fornos de madeira, o que lhe rendia R$ 20 a cada etapa. Novamente, o acordo foi descumprido.
Outra da fam�lia que estava na fazenda era dona Maria Aparecida Souza. Em uma fun��o menos desgastante, ela era uma das respons�veis pela cozinha. Em um fog�o � lenha, fazia a refei��o de todos e tinha a ordem de regrar nos pratos. “Um s� peda�o de carne, o que enche barriga � arroz.”
Fora isso, tanto Lu�s como Maria Aparecida – al�m da filha adolescente e seu marido – eram obrigados a dividir o alojamento com outros trabalhadores. No espa�o, n�o havia distin��o de sexo, nem importava o fato de serem casados ou a presen�a de filhos. Sob colch�es nada confort�veis, eram obrigados a dormir e a enfrentar o frio da estrutura de madeira sem cobertor. O artigo de luxo tinha que ser comprado: R$ 15 a unidade. Valor cobrado de trabalhadores em �gua pot�vel dispon�vel e que, �s vezes, eram obrigados a tomar banho numa represa pr�xima. (PRF)
Desdobramentos em breve

Daqui para a frente, os auditores do Minist�rio do Trabalho e Emprego devem produzir um relat�rio sobre a fiscaliza��o e repass�-lo ao Minist�rio P�blico do Trabalho (MPT) para que os respons�veis possam ser responsabilizados e para que sejam tomadas provid�ncias para evitar a repeti��o da situa��o.
O procurador do trabalho Paulo Gon�alves Veloso explica que a fun��o do MPT � fazer com que as irregularidades cessem. Para isso, pode propor um termo de ajustamento de conduta ou uma a��o civil p�blica. O primeiro procedimento � v�lido para casos em que o empres�rio concorda com a situa��o, enquanto o segundo � tomado caso haja discord�ncia. Al�m disso, ser� averiguado quem est� envolvido na cadeia do carv�o da fazenda Chapad�o do Zagaia. Fornecedores e compradores podem ser co-responsabilizados caso estejam envolvidos no processo, como ocorreu quando a rede de lojas Zara foi enquadrada por trabalho escravo devido � situa��o de uma fornecedora em S�o Paulo. (PRF)