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Estado de Minas

Crise econ�mica amea�a coes�o na Uni�o Europeia, avalia soci�logo


postado em 19/05/2013 14:32 / atualizado em 19/05/2013 14:41

Lisboa – As consequ�ncias da crise econ�mica internacional na Europa est�o na agenda de pesquisa dos cientistas sociais portugueses. Nos �ltimos anos, uma s�rie de estudos foi publicada em Portugal avaliando as possibilidades de empobrecimento da popula��o, o aumento da desigualdade socioecon�mica e a perda de rendimento da classe m�dia. Para alguns analistas, a crise e o rem�dio administrado pelo governo – austeridade fiscal com cortes nos gastos p�blicos (sa�de, educa��o e seguridade social, por exemplo) – poder�o afetar a coes�o da sociedade portuguesa.

Um dos trabalhos mais recentes sobre o assunto � o livro Desigualdades e Perspectivas dos Cidad�os: Portugal e a Europa, lan�ado em mar�o pelo soci�logo Jo�o Ferreira de Almeida, professor e investigador do Instituto Universit�rio de Lisboa (Iscte – IUL). Em entrevista, ele aborda os problemas cotidianos de Portugal e o risco de colapso de projetos europeus como o Estado de bem-estar social e a pr�pria ideia de no futuro haver uma Federa��o europeia.

Ag�ncia Brasil - Portugal est� empobrecendo?
Jo�o Ferreira de Almeida - A maior parte dos dados sobre pobreza e desigualdade que temos vai at� 2010, mas eu n�o tenho d�vidas de que o empobrecimento global do pa�s coincide com o empobrecimento mais particular das classes mais desprotegidas. A chamada crise das d�vidas soberanas determinou pol�ticas europeias de hiperausteridade que repercutem de maneira mais acentuada em economias mais perif�ricas e fr�geis, como � o caso da portuguesa.

ABr - Isso deve agravar a desigualdade. Por que Portugal � um dos pa�ses mais desiguais da Europa?
Almeida - A desigualdade em Portugal � persistente. Durante muito tempo no s�culo 20, com efeitos no s�culo 21, a sociedade foi muito pobre – pobreza generalizada com alguns ricos e classe m�dia pequena. A grande dist�ncia entre esses estratos sempre existiu em Portugal. Tivemos uma ditadura de 48 anos, as ditaduras de voc�s [do Brasil] duraram menos tempo... A ditadura do [Ant�nio de Oliveira] Salazar era uma peculiar pelo car�ter catolicista e conservador, repressivo, e sem pol�tica de desenvolvimento. Quanto � educa��o, Salazar dizia: “Basta que as pessoas aprendam a ler e a contar, n�o � preciso mais nada”. Ele sabia que quanto mais literacia [qualidade ou condi��o de quem � letrado], mais capacidade as pessoas teriam de se opor ao regime ditatorial. Na economia tamb�m havia efeito disso. Tivemos uma industrializa��o tardia, protegida pelo Estado, dentro das fronteiras, com 50% da popula��o economicamente ativa trabalhando na agricultura, caracterizada ao Sul do pa�s pelo latif�ndio sem din�mica produtiva capitalista e no Centro e no Norte com baixa produtividade. Com o 25 de Abril [Revolu��o dos Cravos, 1974], houve um aumento dos rendimentos das classes subalternas, mas a produ��o interna n�o estava preparada para responder, n�o houve propriamente uma substitui��o de importa��es. Al�m disso, tivemos fatores como os chamados retornados [popula��o de origem portuguesa incluindo parentes nascidos nas ex-col�nias portuguesas] expulsos nos processos de independ�ncia na �frica. Em curto espa�o de tempo, tivemos que absorver mais de 500 mil retornados. Eles chegam na sequ�ncia da primeira crise do petr�leo e durante o processo revolucion�rio de alguma instabilidade pol�tica e social.

ABr - Mas o pa�s mudou e diminu�ram as desigualdades.
Almeida - Com essas dificuldades econ�micas e sociais, em atraso temporal e contexto adverso, tivemos que montar o Estado [de bem-estar] social. N�o tenho d�vida, por�m, de que as transfer�ncias propiciadas por esse Estado social diminu�ram parte da desigualdade por meio de aposentadorias, fornecimento de servi�os gratuitos de sa�de e educa��o. O problema s�o os desdobramentos mais recentes. Os cortes no Estado social atingem particularmente as pessoas mais desprotegidas, estou falando do oper�rio, dos empregados com baixo n�vel de remunera��o e de baixa qualifica��o, da senhora que no supermercado atende �s pessoas no caixa, dos atendentes de call center sem alternativa de trabalho.

ABr - A crise gera mudan�a na composi��o dos grupos sociais? Esse movimento se observa fora daqui?
Almeida - A quest�o n�o est� tanto na mudan�a da composi��o global das classes, que � muito pr�xima e tem evolu�do em toda a Europa em um sentido, inclusive em Portugal. Tem crescido numericamente o setor de empres�rios e dirigentes, tamb�m o grupo de profissionais liberais – pessoas altamente qualificadas que trabalham por conta pr�pria. Tamb�m crescem em toda a Europa os profissionais t�cnicos de enquadramento, uma popula��o ativa altamente qualificada.

ABr - Com o empobrecimento a que o senhor se referiu e o aumento da carga tribut�ria, a classe m�dia est� sentindo, especialmente?
Almeida – Est�, certamente. N�o � por acaso que se fala em ataque �s classes m�dias. Mas os setores mais desfavorecidos perdem condi��es no desemprego e na precariedade. As condi��es de vida de toda a sociedade est�o piorando, o que n�o significa que a composi��o interna mude – eu n�o estou convencido de que v� mudar particularmente. Uma das coisas que aconteceram em Portugal nos �ltimos dez anos � que houve uma progress�o muito significativa da qualifica��o escolar e profissional dos portugueses e por isso cresceu a tal pequena burguesia t�cnica de enquadramento. Eles, em princ�pio, v�o continuar a crescer apesar dos sintomas inquietantes, acabam de estudar e n�o t�m emprego e v�o para fora, um desperd�cio.

ABr - Podem ser bem recebidos no Brasil...
Almeida - Ser�o bem-vindos em todos os pa�ses inteligentes. Os ingleses j� importaram quantidades industriais de enfermeiros. Se eu posso importar profissionais qualificados, mas n�o paguei a qualifica��o ser� bom neg�cio fazer isso. Evidentemente que o pa�s exportador s� perde com isso.

ABr - H� imigra��o para as economias mais fortes. Essa desigualdade entre os pa�ses amea�a a ideia da Uni�o Europeia?
Almeida - Com certeza sim. Mas, repare, o termo desigualdade tem tantas conota��es que uma coisa � falar da desigualdade interna dos pa�ses, outra � falar entre os pa�ses e outra ainda � falar de desigualdade mundial. O que est� acontecendo n�o contribui para a coes�o e se a l�gica for de clivagem [separa��o] pol�tica e ideol�gica, contraria-se todo o chamado sonho europeu. A quest�o da coes�o � fundamental e se liga � quest�o da solidariedade - a ideia de que os pa�ses com mais compet�ncias e mais capacidades e riquezas teriam alguma possibilidade e interesse para apoiar alguns pa�ses a chegarem ao padr�o daqueles com mais capacidades. Se essa solidariedade, como tudo leva a crer, se quebra fica mais distante essa possibilidade de Federa��o que alguns querem para a Europa.

ABr - O problema da d�vida de alguns pa�ses europeus parece que ter� longa dura��o, o que pode significar Estados sem recursos para as despesas sociais por muitos anos. O modelo social europeu, que no Brasil se elogiava, est� mudando para sempre?
Almeida - Os brasileiros tinham raz�o quando elogiavam. A Europa se distingue dos Estados Unidos e de outros pa�ses mais ricos pelo fato de haver essas solidariedades, mas repare: havia na verdade v�rios modelos sociais. O que est� acontecendo n�o � nada promissor, mas n�o d� para saber o que vai acontecer.

ABr - O senhor acha que o que se chama de Estado de bem-estar social est� sendo refundado?
Almeida - A tend�ncia portuguesa e europeia � nesse sentido. O grande argumento est� nas proje��es demogr�ficas, que antes tinham pouca gente no topo e muita gente na base e agora agora um desenho oval com pouca gente na base et�ria. E, portanto, tem a quest�o da sustentabilidade financeira do Estado social. O sistema de seguridade portugu�s era considerado est�vel em m�dio prazo, a crise rompeu isso. Ser� que vai durar muito tempo? Ningu�m pode prever, esse tipo de evolu��o � destrutivo das sociedades por elas pr�prias. Os protestos nas ruas est�o a�. A pol�tica n�o � s� o que se faz nos gabinetes com repercuss�o nos meios de comunica��o. Os portugueses est�o insatisfeitos sobre tudo o que diz respeito a esse espa�o p�blico. H� uma coisa fora da dicotomia Estado e mercado chamada sociedade civil. H� outras implica��es sociais t�o poderosas e t�o importantes quanto as que dizem respeito ao Estado, que n�o pode ser nenhuma delas reguladora da sociedade. Se n�o percebemos que o que se chama sociedade civil tem ganhado dinamismo e for�a para controlar aquilo que os cidad�os pretendem para si pr�prios e para dar sentido a palavra democracia, n�o estamos percebendo nada.

 


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