
Mesmo mantendo as contas com tanto cuidado, a fam�lia de Gra�a, formada por tr�s pessoas, deve R$ 41.436, considerando que a cada brasileiro cabe a parcela de R$ 13.828 da d�vida acumulada pelo governo federal, que, em abril, dado mais recente dispon�vel, estava em R$ 2,68 trilh�es, ou 59,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Desde dezembro de 2010, quando atingiu 53,4% do PIB, essa propor��o vem percorrendo uma rota ascendente, com pequenas varia��es eventuais para baixo em alguns meses.
Segundo a economista Eliana Cardoso, professora da Funda��o Getulio Vargas (FGV) em S�o Paulo, a evolu��o da d�vida enfraquece a credibilidade do discurso de responsabilidade fiscal por parte do governo. “No mesmo dia em que enfatizou as a��es para combater a infla��o, a presidente Dilma Rousseff anunciou um novo plano para a compra de eletrom�sticos com subs�dios. Isso � contradit�rio”, analisa.
Eliana se refere ao programa Minha Casa Melhor, lan�ado pela presidente no Pal�cio do Planalto h� alguns dias. Trata-se de uma linha de cr�dito de R$ 5 mil oferecida aos benefici�rios do principal programa habitacional do pa�s. Depois de comentar o novo programa, em seu discurso, Dilma falou sobre a preocupa��o com a carestia: “N�o h� a menor hip�tese de que meu governo n�o tenha uma pol�tica de combate e controle da infla��o”.
Nos protestos
O discurso de Dilma pareceu ter como alvo sobretudo as donas de casa, grupo em que sua popularidade vem diminuindo mais significativamente. S�o pessoas para quem n�o vale a pena contrair d�vidas nem mesmo com juro zero. E n�o s�o s� elas que demonstram estar preocupadas ao mesmo tempo com a economia dom�stica e a do pa�s, como demonstram, na avalia��o de Eliana Cardoso, os protestos da semana passada em v�rias cidades do pa�s.
“As pessoas que est�o nas ruas t�m no��o do que � um or�amento, de que s�o direcionados recursos para est�dios com padr�o Fifa, e para os hospitais p�blicos, com uma qualidade muito inferior”, argumenta. Na avalia��o de Eliana, “tem faltado transpar�ncia � forma como o governo vem tratando os n�meros”. Especialmente, ela explica, no que se refere � d�vida p�blica.
A dona de casa Od�lia Dornellas conta que n�o se descuida do or�amento em tempos de infla��o alta. Tanto que muitos itens j� n�o entram no carrinho de supermercado, que costuma chegar ao caixa bem vazio. Al�m das trocas de rotina, ela deixou de adquirir alguns alimentos, substituindo carnes e frutas. “O que antes eu comprava com R$ 200 agora me custa R$ 300. � nos pre�os dos alimentos que a infla��o mais pesa.” Para buscar alternativas ela n�o � fiel a marcas e nem a pontos de venda.

O pa�s j� esteve em situa��o semelhante �s contas de S�rgio antes do corte: despesas muito al�m das receitas jogavam a d�vida para cima. N�o � mais o caso, explica Eliana Cardoso, que j� trabalhou no Minist�rio da Fazenda, no Banco Mundial e no Fundo Monet�rio Internacional (FMI). “Mesmo assim, o fato de a d�vida estar subindo � ruim. Aponta a exist�ncia de desequil�brios fiscais”, avalia. Ela julga importante observar a evolu��o da d�vida bruta, que � apontada acima e no quadro ao lado, em vez da d�vida l�quida, um n�mero que o governo prefere usar. “� a d�vida bruta que tem de ser servida (paga)”, afirma. (Colaborou Marinella Castro)
Diferen�as entre o passado e o presente
A divis�o entre o montante bruto da d�vida e o l�quido dos d�bitos se justificava uma d�cada atr�s, segundo an�lise do economista Alexandre Schwartzman, que foi diretor do Banco Central (BC) em parte do governo Lula. Mas hoje isso foi deturpado e perdeu o significado. Quando ele estava no BC, as reservas internacionais eram o �nico ativo descontado de um item para outro. Assim, em situa��es de estresse internacional, quando o d�lar subia, a d�vida l�quida diminu�a. Em momentos de bonan�a, quando havia valoriza��o real, a d�vida aumentava, mas sem consequ�ncias negativas. Uma das vantagens da d�vida l�quida � que na compara��o internacional o Brasil se sai bem, com n�vel mais palat�vel. Esse item est� em apenas 36,1% do PIB, de acordo com dados de abril, os mais recentes dispon�veis.
Hoje, por�m, a lista de ativos financeiros descontados da d�vida bruta inclui tamb�m recursos transferidos do Tesouro para bancos p�blicos. Esse dinheiro � destinado a empr�stimos subsidiados, que rendem muito menos que os recursos que o governo tem de desembolsar como servi�o de sua d�vida. Um economista do mercado que prefere n�o ser identificado faz a seguinte analogia: “� como se eu entrasse no cheque especial para emprestar R$ 200 para meu cunhado comprar uma cal�a. Considerando que ele me pagar� o que deve, minha d�vida l�quida � zero. Mas minha despesa de juros n�o �. Tenho que pagar ao banco”.
No ano passado, foram R$ 213,9 bilh�es com essas despesas, o que representou 4,86% do Produto Interno Bruto (PIB). No primeiro trimestre, a despesa foi de R$ 80,3 bilh�es, ou 5,28% do PIB no per�odo. Nos Estados Unidos, onde a d�vida p�blica � de 72% do PIB, os juros representam apenas 2,8% da riqueza gerada no pa�s. “N�o adianta nada dizer que o montante da d�vida � menor do que nos pa�ses desenvolvidos se o servi�o n�o �”, critica o economista Paulo Rabello de Castro, da RC Consultores. Para v�rios economistas ouvidos pela reportagem, mais preocupante que o tamanho da d�vida brasileira � o desembolso com juros. A queda da Selic reduz o problema muito pouco, porque atualmente s� uma pequena parte dos t�tulos que comp�em as obriga��es do Tesouro � indexada a ela.
Lu�s Ot�vio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, tamb�m v� com desconfian�a a compara��o com outros pa�ses, aparentemente favor�vel ao Brasil. “N�o adianta nos comparar com os Estados Unidos e os pa�ses europeus. O que os investidores internacionais observam s�o os outros pa�ses emergentes. E, em rela��o a eles, a nossa d�vida est� em um n�vel preocupante, nada confort�vel”, sentencia.
Para Schwartzman, n�o h� risco de explos�o da d�vida, como j� houve no passado. Mas se tivesse usado o per�odo de bonan�a de alguns anos atr�s para reduzir a d�vida, de modo antic�clico, o pa�s estaria em uma situa��o mais confort�vel hoje para lidar com as dificuldades do cen�rio internacional. “Ter�amos maior margem de manobra”, explica. (PSP)