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Estado de Minas

Cr�dito f�cil para compra de ve�culos vira armadilha

No embalo do cr�dito farto, consumidores realizam o sonho de ter ve�culo pr�prio, mas muitos n�o conseguem pagar presta��es e perdem o autom�vel. Em BH s�o 500 por m�s


postado em 08/09/2013 06:00 / atualizado em 08/09/2013 08:15

O jardineiro e motorista Tarcísio Santos atrasou parcelas do financiamento e com os juros altos teve de vender outros bens e até o veículo para quitar a dívida(foto: Maria Tereza Correia/EM/DA Press)
O jardineiro e motorista Tarc�sio Santos atrasou parcelas do financiamento e com os juros altos teve de vender outros bens e at� o ve�culo para quitar a d�vida (foto: Maria Tereza Correia/EM/DA Press)


Entre 2003 e 2013, a oferta de cr�dito no Brasil saiu de 27% para 55% do Produto Interno Bruto (PIB) do pa�s. Ao mesmo tempo em que a amplia��o do acesso aos financiamentos empurrou o crescimento da economia pela via do consumo, deixou como heran�a para uma parte dos consumidores o gosto amargo do endividamento. Foi o que aconteceu com milhares de brasileiros que realizaram o desejo de ter o pr�prio carro, mas n�o conseguiram suportar o peso das parcelas e foram obrigados a devolver o bem aos bancos. Os ve�culos lotam p�tios de empresas de leil�es e s�o uma mostra de sonhos confiscados e de comprometimentos financeiros mal calculados. S� em Belo Horizonte, cerca de 140 mandados de busca e apreens�o de ve�culos s�o expedidos todas as semanas pelas institui��es financeiras. Por m�s, mais de 500 s�o confiscados.

Segundo D�cio Carbonari, presidente do Banco Volkswagen e da Associa��o Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef), 55% dos ve�culos comprados no Brasil hoje s�o financiados. At� julho, o volume total de cr�dito para pessoa f�sica no Brasil atingiu R$ 1,1 trilh�o. Nada menos do que 11% dessa montanha de dinheiro, ou R$ 193 bilh�es, referem-se ao financiamento de ve�culos. Como a inadimpl�ncia no financiamento desse setor � de 6%, isso significa que existe uma fatura de R$ 11,5 bilh�es dependurada nos bancos, com atrasos de pagamentos acima de 90 dias. De acordo com ele, 1% dos inadimplentes tem o ve�culo retomado pelos bancos.

Foi h� pouco tempo que o jardineiro e motorista Tarc�sio Santos voltou � calma e deixou de tomar os rem�dios para press�o alta, doen�a adquirida depois de uma avalanche de presta��es atrasadas de um carro que comprou financiado. Na euforia do consumo, ele achou que daria conta das presta��es, mas acabou atrasando as parcelas e a bola de neve dos juros cresceu al�m de suas receitas. Para se ver livre da d�vida e da press�o dos cobradores, e diante da imin�ncia de perder o bem, ele foi obrigado a se virar.

“Vendi uma televis�o nova, um som, um celular. Fiz trabalho extra como perueiro para liquidar a d�vida”, diz. Ele conta que tamb�m cortou o lazer dos cinco filhos e ainda assim, no final, teve que vender o carro para quitar o financiamento. Assim que se livrou da d�vida, Tarc�sio se sentiu uma tonelada mais leve e acionou a Justi�a. “Recebi de volta R$ 2 mil pela cobran�a de juros abusivos.” Da roda-viva, ele tirou uma li��o: “Agora s� compro � vista. N�o quero mais saber de presta��o. E para quem quer ter um carro aconselho lembrar que a despesa n�o � s� a parcela”, ensina.

Aprendizado Para Jos� C�zar Castanhar, professor de finan�as da Funda��o Getulio Vargas (FGV), a cultura do cr�dito � nova no Brasil e lidar com essa realidade requer um aprendizado. “A pessoa tem a perspectiva de comprar um carro com uma presta��o aparentemente pequena, mas n�o pensa que, al�m da presta��o, ter� que arcar com custos de manuten��o e impostos. Para um determinado percentual de fam�lias, isso vai implicar inadimpl�ncia”, diz. Como os ve�culos s�o bens pass�veis de aliena��o fiduci�ria, quando o consumidor n�o paga, o bem � retomado pelas institui��es financeiras. “Isso s�o ajustes de percurso, ajustes culturais, que n�o amea�am a pol�tica macrorecon�mica”, avalia.

O motofrentista Styverson Faria tem um Palio e uma moto financiados. Para comprar o autom�vel no valor de R$ 13 mil, ele deu R$ 3 mil de entrada e parcelou o restante em 48 meses. Anteriormente, financiou a motocicleta, que tamb�m n�o terminou de pagar. Mensalmene, isso significa compromissos de R$ 523 com a presta��o do carro e de R$ 205 na parcela da moto, ao todo R$ 708. O problema � que o sal�rio dele � de R$ 1.000. “De um ano para c� estou sentindo que a presta��o do carro est� pesada. J� tive que vender o som do carro para pagar a mensalidade e, nessa opera��o, tive um preju�zo grande. Agora faltam quatro parcelas para quitar a moto, mas tr�s j� venceram e est�o atrasadas. J� calculei o valor total do meu carro, que comprei por R$ 13 mil, mas vai acabar me custando mais de R$ 25.300”, explica.

“Banco n�o perdoa d�vidas. Muitas vezes o consumidor at� tenta dificultar a entrega do ve�culo, mas a devolu��o acaba ocorrendo”, constata o oficial de Justi�a Henrique Pessoa. Experiente na profiss�o, ele j� perdeu as contas de quantos mandatos de apreens�o de ve�culos cumpriu nos �ltimos cinco anos. O oficial explica que devolver um bem que de fato torna a vida mais �gil � triste para muitos que veem desmanchar seus planos de ter bens materiais. “Percebo que quem mais vem sofrendo essa press�o � a nova classe m�dia, que ascendeu ao consumo. S�o fam�lias que financiaram a casa pr�pria, compraram carro zero e colocaram o filho na escola particular. Quando o or�amento aperta, a primeira presta��o que deixam de pagar � a do carro. Da� recebem a notifica��o do banco. Se n�o pagam, s�o obrigadas a devolver o bem”, explica Henrique.

Oportunidade para uns e preju�zo para bancos
O que � tristeza para uns acaba sendo uma oportunidade para outros. Wilson de Faria, que trabalha com manuten��o de piscinas, comprou com desconto o carro de uma conhecida. “Ela havia sido notificada pelo banco para pagar as presta��es em atraso. Como perdeu o emprego, o banco ia buscar o carro, da� eu fiquei com ele. Quitei as cinco parcelas atrasadas e assumi o restante do financiamento, que era de 48 meses”, conta.

D�cio Carbonari, presidente do Banco Volkswagen e da Associa��o Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef), diz que, para os bancos, n�o h� vantagens em retomar um ve�culo financiado. “N�o temos interesse nisso. A retomada sempre gera preju�zo para o banco. Ela � menor do que a perda do ve�culo, mas n�o restitui o ganho da institui��o com o financiamento. A maioria dos clientes fazem acordo e acabam ficando com a posse do ve�culo”, observa. Segundo o Banco Central, o calote nesse segmento � menor do que o apurado em outros segmentos e vem encolhendo.

Inadimpl�ncia Em julho do ano passado, a inadimpl�ncia estava na casa dos 7,2% e em julho deste ano caiu para 6%. No caso da aquisi��o de outros bens, o calote estava na faixa dos 9,4% em julho, e no cart�o de cr�dito em impressionantes 25,7%. “Os juros est�o subindo e bancos est�o mais criteriosos na concess�o do cr�dito. Hoje o prazo para a aquisi��o de ve�culos � de no m�ximo 60 meses, mas chegou ao teto de 99 meses”, diz Miguel Jos� Ribeiro de Oliveira, diretor-executivo da Associa��o Nacional de Executivos de Finan�as, Administra��o e Contabilidade (Anefac).

Para Luiz Fernando Biasetto, s�cio s�nior da consultoria Gouv�a de Souza, a inadimpl�ncia que ocorre hoje � reflexo l� de tr�s, quando houve flexibilidade dos agentes financeiros em conceder o cr�dito. Segundo ele, ao se dar conta do modelo de risco, o setor financeiro freou a expans�o acelerada do cr�dito, e o financiamento de ve�culos, que antes podia chegar a 84 meses, agora gira em torno de 48 parcelas, com an�lise mais rigorosa da capacidade de pagamento. “Em condi��es de renda est�vel, com a manuten��o do emprego, a inadimpl�ncia do setor de ve�culos e de todo o varejo tem espa�o para cair”, pondera.

(foto: Jair Amaral/EM/DA Press)
(foto: Jair Amaral/EM/DA Press)
O apanhador de sonhos


Henrique Pessoa - Oficial de Justi�a em Belo Horizonte


H� quase duas d�cadas a profiss�o de Henrique Pessoa (foto) � fazer cumprir a lei. Oficial de Justi�a ele usa sua experi�ncia para tornar o momento menos dram�tico para aqueles que veem o sonho se desmanchar. Ele explica que a lei permite � Justi�a agir a qualquer hora, do dia ou da noite, inclusive nos fins de semana, assegurando ao credor o confisco do bem (carros, caminh�es, motos) que n�o foi pago. Algumas situa��es extremas s�o resguardadas: “N�o podemos interromper casamento, vel�rio ou abordar enfermos no leito do hospital”, explica. Para ele, a arma do oficial de Justi�a � sempre o di�logo. “Procuro conversar com as pessoas e explicar que elas t�m a chance de quitar o d�bito e reaver o carro. Eu j� vi isso ocorrer algumas vezes”, diz o oficial. Ele tamb�m evita fazer abordagens em p�blico, o recolhimento do autom�vel � sempre feito de forma discreta. Nos �ltimos dois anos muitas hist�rias marcaram a carreira do oficial Henrique Pessoa. Umas delas ocorreu no Bairro Luxemburgo, Zona Sul de Belo Horizonte. O carro em quest�o era uma Mercedes-Benz E 420, no valor de R$ 150 mil, financiada pelo consumidor em parcelas de R$ 7 mil. Depois das tr�s primeiras presta��es o propriet�rio ficou inadimplente. “Quando chegamos para buscar o carro ele ficou desesperado. Disse que eu n�o ia levar a Mercedes de jeito nenhum. Na minha frente, jogou gasolina no ve�culo e amea�ou atear fogo, o que poderia provocar um inc�ndio no pr�dio. Devagar fui conversando com ele, a pol�cia tamb�m chegou. No fim ele cedeu. Me abra�ou, come�ou a chorar e me entregou a chave do carro, que foi embora para o p�tio do banco cheirando ao combust�vel”, lembra o oficial.


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