
Velhas senhoras, novos neg�cios. Mas nem t�o lucrativos. Essa � a realidade das pequenas e grandes hidrel�tricas do pa�s que ser�o relicitadas depois do vencimento de seus contratos de concess�o, que valeram durante os �ltimos 30 anos. A primeira liquida��o financeira que envolveu a gera��o proveniente das 10 hidrel�tricas que tiveram a concess�o antecipada pela Medida Provis�ria 579, ocorrida no in�cio de mar�o, envolveu 8.287 megawatts (MW) m�dios. Isso significa uma movimenta��o financeira de cerca de R$ 153 milh�es mensais ou de R$ 1,8 bilh�o por ano. O problema � que o pre�o pago pelo insumo est� 64,7% mais magro.
At� aqui, cada megawatt/hora gerado por uma usina sa�a aproximadamente a R$ 85, mas agora o pre�o caiu para perto de R$ 30. Entre 2015 e 2017, outros 8.303 MW de pot�ncia instalada, o equivalente a mais de metade de Itaipu, estar�o � disposi��o do governo federal para serem leiloados. A mudan�a do modelo de neg�cios do setor, que entre outras coisas determina que as empresas que assumirem as usinas passam a ser prestadoras de servi�os de opera��o e manuten��o (O&M) – e n�o donas do empreendimento como antes –, vem afugentando investidores e levou concession�rias a “devolverem” ativos para o governo.
A Companhia Energ�tica de Minas Gerais (Cemig), por exemplo, se recusou a renovar os contratos de concess�o de 18 hidrel�tricas por raz�es econ�micas. Pelo menos outras 12 foram devolvidas pela Companhia Energ�tica de S�o Paulo (Cesp), Companhia Paranaense de Energia (Copel) e Centrais El�tricas de Santa Catarina (Celesc). “N�o aderimos � MP 579 por considerarmos os valores (de remunera��o) muito abaixo do que necessitamos para manter a qualidade no fornecimento da energia, manuten��o dos equipamentos e pagamento da opera��o”, explica diretor de Rela��o Institucionais e Comunica��o da Cemig, Luiz Henrique Michalick. De acordo com ele, o valor proposto n�o remunera poss�veis preju�zos como a quebra de equipamentos, danos ambientais, manuten��o de programas sociais e outros custos.

Exemplo disso � o caso da hidrel�trica de Tr�s Marias (396 MW), no Rio S�o Francisco, que entrou em opera��o em 1962, na cidade de Tr�s Marias, na regi�o Central do estado. “A Cemig n�o tem condi��o de assumir a responsabilidade de manter a opera��o de uma usina desse porte com a receita oferecida pelo governo federal”, diz o diretor da concession�ria. De acordo com ele, na usina de Volta Grande (380 MW), instalada no rio Grande, em Concei��o das Alagoas, no Tri�ngulo Mineiro, a empresa mant�m uma esta��o de piscicultura e um viveiro de plantas para reflorestamento de mata ciliar. “Com a tarifa proposta, n�o h� como manter essas estruturas, cujo custo vinha da venda de energia dessas unidades”, explica.
AMORTIZA��O
A retra��o nos pre�os pagos pela energia das usinas “velhas” tem como justificativa o fato de que os investimentos realizados ali j� foram plenamente amortizados. Diante disso, na vis�o do governo federal, os consumidores devem passar a pagar tarifas mais baixas, porque j� arcaram pelo investimento na usina. O problema, segundo Fl�vio Neiva, presidente da Associa��o Brasileira das Empresas Geradoras de Energia (Abrage), � que “o cobertor � curto”. De acordo com ele, uma usina j� amortizada deve mesmo receber uma tarifa menor do que a antiga, mas n�o se pode remunerar apenas a opera��o e a manuten��o.
Na vis�o da Abrage, numa hidrel�trica antiga, com os ativos amortizados, n�o existe capital a ser rentabilizado e os servi�os relacionados com opera��o e manuten��o representam um entre 20 outros itens da lista de obriga��es presentes nos contratos oferecidos �s empresas para prorroga��o antecipada das concess�es. Para Roberto D’Ara�jo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estrat�gico do Setor Energ�tico (Ilumina) e parceiro do Instituto Alberto Luiz Coimbra de P�s-Gradua��o e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a remunera��o limita os investimentos nas usinas.

“O governo entendeu errado a express�o ‘velhas senhoras’, porque velhas senhoras n�o criam novas meninas”, compara D’Ara�jo. De acordo com ele, se a remunera��o paga somente os servi�os de opera��o, manuten��o e os sal�rios dos empregados, n�o h� como tirar dali uma receita que justitique novos investimentos nas hidrel�tricas. A consequ�ncia disso, na avalia��o dele, � que o setor el�trico brasileiro pode parar de crescer e a tend�ncia � que se torne cada vez mais fragmentado. “Ningu�m defende que o setor el�trico seja um servi�o social do Brasil. � preciso ter lucro para haver novos investimentos”, resume.
De acordo com Walter Froes, diretor da CMU Comercializadora de Energia, com o novo modelo de remunera��o exclusiva da opera��o e da manuten��o desenhado pela MP 579, o governo jogou o risco hidrol�gico no colo do consumidor. “Se a geradora n�o tiver energia para entregar, a distribuidora estar� descoberta e os custos adicionais de aquisi��o do insumo no curto prazo ser�o repassados ao consumidor”, explica.
Consumo
Segundo levantamento do professor Roberto Schaeffer, da Coppe/Universidade Federeal do Rio de Janeiro (URFJ), o consumo residencial de energia el�trica por habitante est� em 604 kWh por ano. S�o 10% a mais do que no per�odo anterior ao racionamento, de 550 kWh, em 2000. No ano seguinte, o brasileiro passou a consumir 483 kWh em casa. Os valores representam uma m�dia. Para consumir os 600 kWh de um ano inteiro basta deixar o ar-condicionado ligado 24 horas por 25 dias seguidos. Procurada, a Empresa de Pesquisa Energ�tica (EPE) informou que n�o tem dados de consumo residencial por habitante.
� espera do arremate
A primeira usina a ser leiloada sob as novas regras do setor el�trico brasileiro foi a de Tr�s Irm�os (807,50 MW), no Rio Tiet�, a cujo leil�o acorreu um �nico interessado, o cons�rcio Novo Oriente, formado por Furnas Centrais El�tricas (49,9%) e pelo fundo de investimento Constantinopla (50,1%), que venceu o certame. O contrato, por�m, foi suspenso pelo Tribunal de Contas da Uni�o, porque a licita��o apenas da usina, sem as eclusas e o canal Pereira Barreto, traria riscos � navega��o na Hidrovia Tiet�-Paran�.
Nos pr�ximos tr�s anos, por�m, h� uma s�rie de hidrel�tricas a serem relicitadas. As principais delas s�o Capivari (PR), Ilha Solteira (SP), Jupi� (Cesp), Itutinga, Salto Grande, S�o Sim�o, Tr�s Marias, Miranda e Volta Grande (Cemig). A usina de Jaguara (Cemig) j� teve a concess�o vencida, mas � alvo de uma disputa judicial entre a Cemig, que alega ter direito � renova��o do contrato, e a Uni�o.
Para Roberto D’Ara�jo, do Ilumina, a metodologia que define qual � a renda de opera��o e manuten��o das usinas se limita a relacionar a pot�ncia instalada com a garantia f�sica do fornecimento das usinas. Dessa forma, uma usina de 800 MW, com duas m�quinas, receberia o mesmo que outra com a mesma pot�ncia instalada dividida em oito m�quinas de 100 MW cada uma. “� evidente que as despesas da primeira s�o menores que as da �ltima. N�o existem duas usinas iguais”, pondera.
