Bras�lia – A economia brasileira tem ficado cada vez mais parecida com a do passado, e n�o � s� pela crescente carestia que se evidencia nos caixas de supermercado. Opera��es entre o Banco Central (BC) e institui��es financeiras trazem muitas lembran�as dos tempos de infla��o alta, quando era corriqueiro, para qualquer correntista, falar em overnight, as aplica��es em que o dinheiro rendia enquanto todos dormiam.
Num sinal da volta da famosa ciranda financeira, as chamadas opera��es compromissadas do BC cresceram de 20% do total dos t�tulos p�blicos federais no fim de 2013 para 29% em novembro do ano passado, o dado mais recente dispon�vel. Nessas transa��es, a autoridade monet�ria vende t�tulos aos bancos mediante compromisso de recompra em determinado prazo, que pode variar de alguns dias a meses. Quando se observa um per�odo mais longo, o aumento � ainda mais impressionante (veja quadro). Passavam pelo balc�o do BC somente 2,3% dos t�tulos p�blicos federais no fim de 2005. O aumento de l� para c�, portanto, foi de 1.160%.
Embora essas transa��es nunca tenham deixado de existir, o problema � a propor��o que tomaram. Dos ativos de R$ 2,1 trilh�es do BC que constam em seu balancete patrimonial de 30 de novembro passado, R$ 1,03 trilh�o � composto de t�tulos p�blicos federais, ou 49% do total, uma aberra��o para padr�es internacionais. No Banco Central Europeu, por exemplo, a propor��o � de apenas 0,1%. No caso do Federal Reserve, o Fed, autoridade monet�ria dos Estados Unidos, ela � mais alta, chegando a 3,7%. No Jap�o, em patamar bem superior, s�o 10,3%, ainda assim, muito menor do que se v� no Brasil.
O BC explica que atua apenas como agente passivo nas opera��es. A autoridade monet�ria precisa evitar que os bancos fiquem com sobra de dinheiro e decidam emprestar com juros baixos, o que derrubaria a Selic para um patamar muito abaixo da meta estabelecida pelo Comit� de Pol�tica Monet�ria (Copom), atualmente em 11,75% anuais. Para evitar que isso aconte�a, o BC oferece t�tulos de sua carteira aos bancos, com compromisso de recompra, garantindo a eles uma remunera��o maior do que conseguiriam emprestando dinheiro aos clientes. Nos momentos em que falta liquidez no mercado, o que j� n�o ocorre h� muito tempo, o BC faz o contr�rio: oferece dinheiro mais barato, evitando que as institui��es financeiras recorram ao mercado e que a Selic fique acima da meta.
Mas a que se deve o excesso de dinheiro na pra�a? Para o BC, quem tem de responder a essa pergunta � o Tesouro Nacional, que foi procurado, mas n�o se pronunciou. H� explica��es conjunturais, como as elevadas reservas internacionais, de US$ 374 bilh�es — ao vender d�lares, os bancos ficam com reais, que precisam ser enxugados. Mas essas raz�es s�o insuficientes para justificar o tamanho do problema, sobretudo a evolu��o recente.
INCERTEZA O fato � que o mercado n�o tem se sentido atra�do pelos t�tulos do Tesouro. “H� incerteza quanto ao patamar que os juros poder�o atingir, pois se espera que continuem subindo”, diz o economista Ricardo Nogueira, superintendente de opera��es da corretora Souza Barros. Quando se observa a quantidade de t�tulos atrelados a �ndices de pre�os em poder do mercado, essa tend�ncia � clara. De 28,9% do total em dezembro de 2013, eles passaram a 26,4% em novembro de 2014, um movimento de queda com sinal inverso, portanto, ao do que aconteceu com as compromissadas. Para Nogueira, a aposta dos investidores nos juros p�s-fixados dever� durar pelo menos at� o meio do ano, quando se ter� uma ideia mais clara do rumo que a Selic vai tomar: se continuar� subindo, se vai se estabilizar ou se, finalmente, haver� sinais de que ela poder� cair.
O economista-chefe da Confedera��o Nacional do Com�rcio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, explica que, al�m da pol�tica monet�ria, outros fatores tornaram os investidores mais resistentes � compra de t�tulos de longo prazo. “Houve encurtamento dos prazos em 2014 devido �s incertezas criadas pelas elei��es”, explica Thadeu de Freitas, que foi diretor da D�vida P�blica do BC no governo Sarney.
De modo reservado, a atual diretoria do Banco Central afirma que o Tesouro poderia se esfor�ar mais para n�o deixar ao BC o fardo de enxugar a liquidez por meio das opera��es compromissadas. H� at� mesmo certa irrita��o na autoridade monet�ria com o que est� ocorrendo. Seria poss�vel oferecer t�tulos com prazos mais curtos, de alguns meses apenas, atendendo a atual demanda do mercado diante das incertezas.
MAQUIAGEM O economista Alexandre Schwartsman, que foi diretor de Assuntos Internacionais do BC por tr�s anos no governo de Luiz In�cio Lula da Silva, sugere a hip�tese de que o Tesouro tenha evitado nos �ltimos meses vender t�tulos com vencimentos mais pr�ximos da data de emiss�o para n�o encurtar o prazo m�dio dos pap�is, n�o permitindo, assim, deteriorar a apar�ncia da situa��o da d�vida. “Se for isso, � uma bobagem, porque resulta exatamente no aumento das opera��es compromissadas do BC”, argumenta. Acaba-se trocando, portanto, algo ruim por outra coisa igualmente negativa, em uma atitude semelhante �s maquiagens do d�ficit fiscal que v�m sendo realizadas pelo Tesouro nos �ltimos anos e t�m sido criticadas de modo contundente.
Com a ressalva de que n�o tem informa��es precisas sobre a decis�o do Tesouro, Schwartsman destaca que a eleva��o de reservas internacionais n�o pode servir de desculpa para o aumento das compromissadas nos �ltimos 12 meses, pois o colch�o do BC tem se mantido praticamente inalterado: eram US$ 375,8 bilh�es em dezembro de 2013 e passaram para US$ 375,7 bilh�es em novembro de 2014. Enquanto isso, as compromissadas passaram do volume financeiro de R$ 507 bilh�es (20% dos t�tulos em poder do mercado) para R$ 857 bilh�es (29%).