O Brasil precisou importar energia da Argentina um dia ap�s o apag�o que deixou mais de 3 milh�es de brasileiros sem luz em 10 estados e o Distrito Federal. Essa foi a primeira vez que o pa�s teve que recorrer � importa��o de pa�ses vizinhos desde novembro de 2010. A decis�o emergencial do Operador Nacional do Sistema El�trico (ONS) ocorreu enquanto o governo brasileiro ainda se esfor�ava para explicar os motivos do blecaute, insistindo que n�o falta eletricidade no pa�s e que a interrup��o do fornecimento foi causada por falhas t�cnicas.
Os dados, que constam do informativo preliminar di�rio de opera��o (IPDO) do ONS, apontaram que a carga — demanda de energia do pa�s — atingiu 74.094 megawatts m�dios (MWmed) na ter�a-feira, 20 de janeiro. Na ocasi�o, o Sistema Interligado Nacional (SIN), que engloba a gera��o de energia hidrel�trica, nuclear, e�lica, t�rmica e a proveniente de Itaipu, contribuiu com 73.929 MWmed. E, como faltaram 165 MWmed, o pa�s precisou importar esse montante do pa�s vizinho.
O pedido do operador � Argentina teve como prop�sito garantir o suprimento de energia. A explica��o que consta no IPDO � que "houve interc�mbio internacional da Argentina para o Brasil, a pedido do ONS em tempo real, das 10h23min �s 12h e das 13h �s 17h02, entre 500 megawatts (MW) e 1 mil MW, para contribuir no atendimento � ponta do SIN". A interliga��o da energia importada ao sistema nacional ocorreu no munic�pio de Garruchos (RS).
A justificativa do ONS � que o Brasil tem acordos de coopera��o bilateral com a Argentina e que, assim como importou na ter�a-feira, j� exportou energia para o parceiro da Am�rica do Sul. No Minist�rio das Minas e Energia (MME), a explica��o � a mesma. "Existe um acordo com a Cammesa (�rg�o equivalente ao ONS na Argentina) que permite a importa��o sem que para isso seja necess�ria qualquer autoriza��o do Minist�rio de Minas e Energia", afirmou a assessoria de imprensa do MME.
O que deixa cada vez mais preocupados os agentes do setor el�trico, que desde o ano passado alertam para os riscos de racionamento, � isso ter ocorrido exatamente um dia depois do apag�o. "Foi uma decis�o de emerg�ncia, feita em sil�ncio, enquanto o governo insistia em ignorar a s�ria crise energ�tica pela qual passa o pa�s", destacou Walter Fr�es, da CMU Comercializadora de Energia.
Presente numa reuni�o realizada ontem em Bras�lia, Fr�es enfrentou o apag�o que tomou conta da Asa Sul, na capital federal. "Os sinais s�o claros. Chegamos no colapso. Est� faltando energia e o governo n�o admite. Precisaria, pelo menos, incentivar a popula��o a economizar eletricidade. S� n�o estamos no caos total porque a ind�stria n�o est� produzindo", ressaltou, referindo-se � recess�o pela qual passa o setor que mais consome energia no pa�s. Para o especialista, o novo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, precisa apresentar um plano de contigenciamento em 90 dias para colocar ordem no sistema el�trico nacional.
ILUSIONISMO No entender do professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de S�o Paulo (USP) C�lio Bermann, a importa��o de energia da Argentina ilustra o que ele chama de "estrat�gia do ilusionismo" por parte do governo. "Primeiro, dizem solenemente que n�o houve qualquer problema de disponibilidade de energia e adotam o discurso de problemas t�cnicos. No dia seguinte, precisamos recorrer � Argentina", comentou. Para Bermann, o governo deu mais um sinal de que encontra dificuldades para assumir e esclarecer a crise do setor energ�tico. "Est�o brincando de faz-de-conta e, enquanto isso, nosso parque energ�tico est� operando no limite", emendou.
Se as chuvas continuarem escassas e os reservat�rios persistirem em n�veis baix�ssimos, s�o grandes as chances de novas situa��es de emerg�ncia, como o da �ltima segunda-feira, opina o professor da USP, alertando para os transtornos provocados pelos apag�es nos grandes centros urbanos. "� lament�vel que o ministro (de Minas e Energia) tenha atribu�do a Deus a solu��o do problema. Uma das atribui��es dele � levar � popula��o informa��es realistas sobre o que ser� feito para evitar novas interrup��es de energia pelo desequil�brio entre oferta e demanda", acrescentou. (Colaborou Diego Amorim)
N�veis abaixo de 2001 em 98%
Dos 21 principais reservat�rios de �gua do Brasil, 98% est�o com os n�veis mais baixos do que estavam em junho de 2001, quando foi decretado racionamento no pa�s. Apenas S�o Sim�o, que contribui com apenas 2,54% da gera��o de energia das regi�es Sudeste e Centro-Oeste, est� com n�vel melhor este ano, com 58,13% da sua capacidade, ante 31,71% em junho de 2001. Dois — Ilha Solteira e Tr�s Irm�os — est�o completamente vazios. Enquanto, naquele ano, o racionamento provocou uma queda no consumo das fam�lias da ordem de 25%, em 2015 a demanda por energia s� tem aumentado, chegando a picos recordes, como o que culminou no apag�o de segunda-feira.
Os dados comparativos s�o do Operador Nacional do Sistema El�trico (ONS), que alertou, por meio da assessoria de imprensa, que o agravante � que quatro dos maiores reservat�rios do Sudeste e Centro-Oeste, respons�veis por 70% da gera��o de energia el�trica do pa�s, contribuem com 45% das reservas das regi�es. Justamente esses quatro — Emborca��o, Nova Ponte, Itumbiara e Furnas — est�o com os n�veis mais cr�ticos: 14,23%; 10,95%; 10,75% e 11,25%, respectivamente.
Conforme o ONS, em 2001 o Brasil tinha um parque t�rmico muito menor, com menos termel�tricas capazes de suprir a energia que as hidrel�tricas n�o est�o conseguindo gerar por falta de �gua. Tamb�m havia menos linhas de transmiss�o. “A regi�o Sul, que n�o sofreu com racionamento em 2001, n�o tinha como transmitir a energia excedente para o Sudeste. Assim como n�o existia ainda a transmiss�o do Norte para o Sudeste”, explicou o ONS, por meio da assessoria de imprensa.
Na avalia��o do professor do Instituto de Eletrot�cnica e Energia da Universidade de S�o Paulo (IEE/USP) Ildo Sauer, agora existem mais termel�tricas e linhas de transmiss�o do que em 2001, mas a carga — demanda de energia do pa�s — mais que dobrou desde ent�o. “Se a economia tivesse crescido como o previsto e necess�rio, j� estar�amos em crise total. Tivemos redu��o de consumo em 2008, por conta da crise mundial, e tamb�m em 2014, pela estagna��o da economia brasileira. Esses dois fatores, que s�o ruins, serviram de b�nus para o setor el�trico”, assinalou.
“Castigo”
Para o especialista, o governo deixou de fazer um ter�o das obras necess�rias em infraestrutura energ�tica e est� pagando o pre�o por isso. “O ONS teve que gerenciar a desgra�a, for�ando um desligamento (que resultou no apag�o da segunda-feira), para que o pior n�o ocorresse. Isso n�o pode acontecer num pa�s em que as tarifas s�o as maiores do mundo e permitiriam, com folga, financiar as obras necess�rias para termos sistemas de transmiss�o, gera��o e distribui��o com confiabilidade”, observou. Na opini�o de Sauer, o Brasil tem potencial para gerar 15 mil megawatts (MW) com usinas e�licas, mas o planejamento energ�tico do governo priorizou usinas t�rmicas. “O governo preferiu queimar R$ 60 bilh�es em combust�veis para alimentar t�rmicas, do que usar vento e �gua, que s�o de gra�a”, disse.
No entender do presidente da Associa��o Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo Medeiros, falta um programa incentivado pelo governo de racionaliza��o de energia que contenha o consumo e o desperd�cio. “Em 2001, a Regi�o Sul, que n�o era obrigada a racionar energia, conseguiu economizar de forma volunt�ria cerca de 8% de eletricidade apenas por for�a dos programas de informa��o de uso racional da �poca. � o que est� faltando agora”, defendeu. (SK)