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Estado de Minas

Dona de casa Dilma fala para presidente Dilma


postado em 01/03/2015 06:00 / atualizado em 01/03/2015 08:38

O fato de ter mesmo nome que a chefe do Executivo rende à faxineira Dilma brincadeiras diárias (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press)
O fato de ter mesmo nome que a chefe do Executivo rende � faxineira Dilma brincadeiras di�rias (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press)

Ao falar de corte de gastos, a presidente convida a dona de casa a se sentir em sua pele. Mas � a xar� Dilma Rocha, auxiliar de servi�os gerais, quem d� aula sobre o tema: para garantir passagem de avi�o nas f�rias, s� trocando a carne por soja no dia a dia. Nestes dias dif�ceis, a presidente Dilma Rousseff tenta se aproximar da dona de casa e da trabalhadora. Teve oportunidades anteriores, desperdi�adas. Sua xar� Dilma Rocha sonhou com um abra�o, ou, quem sabe, uma foto. As duas j� trabalharam muito perto uma da outra. Rocha faz limpeza no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), que, emprestado ao Planalto v�rias vezes, abrigou Rousseff.

No encontro que nunca ocorreu, poderiam at� ter falado das contas. Rocha, vi�va, tem muito a contribuir. Vira-se como pode com o sal�rio de R$ 900 para garantir que a filha conquiste o diploma universit�rio. A auxiliar de servi�os gerais desconhece o d�ficit prim�rio do governo em 2014. In�dito h� 17 anos, acendeu a luz vermelha no painel da xar� presidente. Um n�mero assim � um desastre em si. Mas fica ainda pior quando a infla��o dispara e o Produto Interno Bruto (PIB) encolhe, como ocorre no Brasil de hoje. Essa conjuntura Rocha notou. Est� mais dif�cil fazer as compras caberem no sal�rio. E os colegas andam com medo de perder o emprego. Rocha d� um desconto a Rousseff, que “herdou muitos problemas”. Mas n�o sem alertar: “O governo gasta mal”.

� preciso saber gastar

Bras�lia – Dilma sai da cama todo dia �s 4h30. Toma banho, faz o caf� e ajeita uma marmita para o almo�o e outra para o lanche. �s 5h40, pega o �nibus em Samambaia, uma das regi�es administrativas do Distrito Federal . Num desses dias, um assaltante estava � espreita. “Para minha sorte, o vale-transporte e o dinheiro para pagar as contas estavam no bolso.” A bolsa foi levada pelo ladr�o, mas foi descartada perto de casa e encontrada pelos vizinhos. �s 7h, est� no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde trabalha como auxiliar de servi�os gerais no espa�o cedido � Comiss�o da Verdade da Presid�ncia da Rep�blica. E logo vai ouvindo dos colegas: “Dona Dilma, a senhora tem que dar um jeito em Bras�lia”. As brincadeiras n�o a incomodam. “Meu nome est� na boca do povo. Eu levo na esportiva”, conta.

Dilma Rocha, de 51 anos, esperou durante muito tempo, em v�o, encontrar a xar� mais famosa do pa�s. As duas mineiras trabalharam pr�ximas. Dilma Rousseff despachava no CCBB quando Lula instalou ali a equipe de transi��o antes de subir a rampa do Planalto. Voltou para l� quando a ent�o ministra chefiava a Casa Civil e o Pal�cio estava em reforma. E mais uma vez quando era sua vez de se preparar para subir a rampa. Mas s� quem fez a alegria do pessoal dos servi�os gerais do CCBB foi Lula. “Com ele era diferente. Aparecia e abra�ava todo mundo.”

Mesmo assim, Dilma deu � xar� o seu voto em 2010. No ano passado, queria mudan�a. Cogitou votar em Eduardo Campos (PSB). Com a morte dele, cravou Dilma de novo. Acha que a presidente merece confian�a, mas n�o poupa algumas cr�ticas. “Ela herdou muito problema. Tudo acabou estourando nas m�os dela. Mas tamb�m acho que ela n�o tem pulso para governar”. No ano passado, Dilma Rocha viajou pela primeira vez em um avi�o. “Senti inseguran�a, depois relaxei”. Foi com a filha, Helem, de 22, para Porto Seguro. “Me apertei o ano todo para fazer a viagem. Mas valeu a pena.” Agora, est� poupando para um novo destino: Fortaleza.

INFLA��O

Ficou mais dif�cil guardar dinheiro, por�m. A carestia que atormenta os brasileiros a fez rever os gastos. A compra de supermercado de janeiro ficou em R$ 550. Em fevereiro, teve de cortar itens para inteirar o mesmo valor. “Alimento � o que mais pesa no meu bolso”, relata. Em vez de carne, ela agora compra soja. E n�o � para menos. A pr�via da infla��o, o �ndice de Pre�os ao Consumidor Amplo (IPCA-15), subiu 1,33% em fevereiro, a maior varia��o em 12 anos, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) divulgados ontem. Em fevereiro de 2003, o indicador havia registrado alta de 2,19%.No acumulado em 12 meses, a alta do IPCA-15 foi de 7,36%, acima do limite de 6,5% ao ano previsto pelo governo. � a primeira vez, desde outubro de 2011, que o IPCA-15 fica acima de 7%.

Para manter a conquista de passar f�rias no Nordeste, Dilma Rocha est� disposta a fazer sacrif�cios. � o jeito de fazer todas as contas caberem no sal�rio de R$ 900, mais R$ 500 de vale-alimenta��o. Conta com mais R$ 500 do aluguel de uma casinha nos fundos daquela onde mora com a filha. Mas n�o cobra que Helem trabalhe: quer que ela se dedique com afinco � faculdade de Servi�o Social na Universidade Cat�lica de Bras�lia, com bolsa integral — a filha passou tamb�m na Universidade de Bras�lia (UnB), mas desistiu de curs�-la pela dist�ncia de casa.

“Sou feliz. Mas quero que a minha filha tenha oportunidades melhores do que eu tive”, conta Dilma, que, mesmo com as dificuldades, cursou at� o fim do ensino m�dio. Dilma nasceu em Piumhi (Centro-Oeste mineiro). Foi de l� para Bras�lia com o pai, a m�e e os cinco irm�os. H� duas d�cadas, conseguiu um terreno do governo do Distrito Federal e construiu a casa pr�pria. Em agosto de 2013, seu marido morreu de c�ncer no p�ncreas. N�o deixou pens�o.

PREOCUPA��O

Dilma Rocha n�o teme o futuro. Nas contas dela tem 27 anos de trabalho com carteira assinada e pode se aposentar daqui a tr�s anos, quando a xar� deixar Planalto. E acha que n�o ficar� sem emprego at� l�, pois j� � contratada h� 17 anos na empresa e acredita que a experi�ncia � valorizada. “Mas acho que muitos colegas podem ser demitidos, porque a passagem de �nibus de quem mora em Goi�s ficou muito cara e v�o querer reduzir as despesas.”

Mesmo assim, Dilma se precav�. N�o tem d�vidas. Presta��es, s� quando � poss�vel dividir uma compra no cart�o de cr�dito sem juros. Ela acha que, no setor p�blico, as contas n�o ensejam tanta preocupa��o. “O governo gasta mal. Por isso faltam escolas, os hospitais s�o ruins e a gente n�o tem seguran�a”, afirma.




Lar como inspira��o

Pol�ticos costumam recorrer � analogia dom�stica para falar de economia quando querem conquistar o eleitor prestes a ir para a urna. Ou ent�o, no exerc�cio de um cargo, ao explicar para a popula��o por que todos est�o em apuros. Debatendo-se para esclarecer a necessidade do ajuste fiscal por tanto tempo adiado, a presidente Dilma Rousseff disse na quarta-feira que pauta decis�es sobre o or�amento do pa�s com o mesmo rigor de uma fam�lia diante de suas contas.

Ela comentou o assunto durante seu discurso de inaugura��o do Programa Minha casa, minha vida em Feira de Santana (BA). “Fa�o ajuste no meu governo como uma m�e ou uma dona de casa fazem na casa delas. Precisamos fazer ajustes para gerar mais emprego, assegurar mais renda e fazer o Brasil continuar a crescer de forma acelerada”, afirmou a presidente.

O problema � que o hist�rico do primeiro mandato torna complicado para Dilma dar veracidade ao esfor�o did�tico. Suas escolhas — e as consequ�ncias — est�o longe de mostrar a disposi��o de encarar sacrif�cios na tentativa de construir bases s�lidas para a prosperidade. Uma fam�lia que abre m�o de passeios ou mesmo de itens m�nimos de conforto para garantir a educa��o dos filhos ter� dificuldade de se identificar com a frouxid�o fiscal do governo.

Irresponsabilidades

Para o economista Mansueto Almeida, a presidente Dilma mostrou-se o oposto de uma pessoa que acompanha com aten��o os gastos e as receitas da casa na caderneta. “O comportamento dela se assemelha muito mais ao de um empres�rio ousado que acaba por fazer investimentos infrut�feros e insiste nos erros mesmo diante dos sinais de insucesso”, compara Almeida. “Se fosse uma dona de casa, Dilma teria recorrido a agiotas e escondido isso da fam�lia.” Entre as irresponsabilidades do governo, o economista menciona o fato de a despesa ter tido aumento real de 5,5% por ano, enquanto o crescimento anual m�dio do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 1,5% — em 2014, estima-se, a varia��o foi negativa.

Os gastos do governo superaram as despesas mesmo exclu�dos os pagamentos de juros. O d�ficit prim�rio, de 0,63% do PIB, foi o primeiro desde 1997 — em anos anteriores, argumentam especialistas, o resultado tamb�m teria sido negativa caso fossem exclu�das as pedaladas patrocinadas pelo Tesouro Nacional. A d�vida bruta do governo passou de 54,2% do PIB em dezembro de 2010, m�s anterior � posse de Dilma como presidente, para 63,5% em dezembro do ano passado.

A infla��o n�o parou de subir. O �ndice de Pre�os ao Consumidor Amplo (IPCA) superou cinco vezes em 2014 o teto da meta, de 6,5%, no acumulado de 12 meses: em junho, agosto, setembro, outubro e novembro. Em janeiro �ltimo, o �ndice voltou a estourar o limite no acumulado, e com for�a: 7,14%.

Outros erros foram as desonera��es, que resultaram em queda na arrecada��o. E a redu��o de tarifas de energia el�trica em 2012, mesmo com reservat�rios abaixo do n�vel ideal e usinas termel�tricas ligadas. Isso permitiu o desconto de 20% nas contas de luz, mas o resultado � que, neste ano, elas ser�o reajustadas em aproximadamente 50%. A compara��o do or�amento dom�stico com o do pa�s, ressalta, � limitada, pois o governo tem muito mais liberdade de manobra que uma fam�lia. “Se uma dona de casa fica inadimplente, perde o cr�dito no banco. O governo precisa s� pagar juros mais altos”, ilustra.

Desafios

O economista Jo�o Saboia, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), identifica 2014, o �ltimo ano do primeiro mandato de Dilma, como o per�odo em que a situa��o fiscal piorou de vez. Isso ocorreu sobretudo, na avalia��o dele, devido � estagna��o econ�mica, que resultou em frustra��o na arrecada��o tribut�ria. “Diante disso, � indispens�vel fazer o ajuste via corte nas despesas e eleva��o de impostos, algo que vai nos custar caro neste ano e no pr�ximo. N�o sei se, ao fim do per�odo, o crescimento voltar� com for�a. Para crescer, � preciso combinar elementos, incluindo a motiva��o das pessoas, a disposi��o dos empres�rios para investir”, alerta.

H�, por�m, quem veja o in�cio dos problemas bem mais cedo do que em 2014, antes mesmo do in�cio do mandato de Dilma. “A crise de 2008 foi um momento crucial”, diz o economista Jos� Roberto Afonso, um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Quando se dizia que era s� uma marolinha, deu para notar que havia algo errado. Nos vangloriamos de ter atravessado aquele per�odo com tranquilidade. S� que os pa�ses que estavam em dificuldades naquela �poca est�o bem agora e estamos mal”, analisa. Quem comparou a crise a uma “marolinha” foi o ent�o presidente Lula.


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