
Ara�ua� e Queixada – “A m�quina de ferro passava em frente � porteira. Eu pongava (pulava) dela com os vag�es ainda em movimento, pois o trem corria lento e a esta��o mais pr�xima estava a cinco quil�metros”, recorda o sorridente Walter Guedes Neiva, de 86 anos. Dono de uma propriedade rural em Ara�ua�, no Vale do Jequitinhonha, ele deixa a alegria escapar apenas quando se lembra do prec�rio caminho de terra que surgiu no lugar dos trilhos.
Quase 50 anos depois de a locomotiva matraquear pela �ltima vez em frente � fazenda dele, os 92 quil�metros que separam Ara�ua� e Novo Cruzeiro ainda n�o foram asfaltados. Oficialmente, l� agora � a LMG-678. O governo de Minas Gerais, respons�vel pela estrada, informou que n�o h� projeto de engenharia para o trecho, cujo tra�ado � sinuoso e cheio de buracos.
“Melhor seria deixar o trem”, indigna-se Walter. Afinal, a prec�ria estrada de ch�o encarece o custo da produ��o agr�cola e pecu�ria do Jequitinhonha, uma das regi�es mais carentes do pa�s. Quem conta � o pr�prio Walter: “Na �poca (da maria-fuma�a), eu vendia bois para a Bahia (havia vag�es para o transporte de gado, su�nos e equinos). Ainda negocio o rebanho para fora, mas agora o levo em caminh�es, que percorrem mais ou menos 270 quil�metros. O trem barateava o custo. Garantia lucro melhor”. Tanto o dele quanto o de Ant�nio Geraldo de Souza Campos, dono de uma venda em Queixada, pacato distrito de Novo Cruzeiro que surgiu com a chegada dos trilhos.
O lugarejo preserva a esta��o e a casa que serviu de moradia para a fam�lia do agente respons�vel pelo trecho da linha. A caixa d’�gua que abastecia a caldeira da m�quina de ferro tamb�m est� l�, imponente, a poucos metros da estrada de ch�o. Hoje, h� poucos moradores em Queixada.
Nem sempre foi assim: o lugar foi ponto final da Baiminas na d�cada de 1930. “Havia grandes armaz�ns, que recebiam mercadorias do Rio de Janeiro (os produtos eram levados em embarca��es ao porto de Ponta de Areia, de onde seguiam por ferrovia at� o Jequitinhonha)”, conta Ant�nio.
Mesmo quando os trilhos avan�aram at� Ara�ua�, Queixada se beneficiou do vaiv�m de negociantes. A regi�o era a maior produtora de alho do Brasil. Toneladas do alimento eram embarcadas na esta��o local e na de Novo Cruzeiro. Para cultivar tanto alho, os fazendeiros precisaram de numerosa m�o de obra. Foi a �poca �urea de Queixada.
“Havia propriedade rural com 70 fam�lias de funcion�rios. Com o fim da linha, tudo mudou. O povo foi para longe”, lamentou Ant�nio (veja v�deo no lugardafinancas.com). Ele pr�prio ganhou boa quantia de dinheiro com a Baiminas. Quando jovem, viajava ao longo da ferrovia para vender gado, porco, milho, alho e tudo mais que as fazendas daquelas bandas ofereciam ao mercado. Ant�nio voltava satisfeito da labuta.
Aos 73 anos, o comerciante � dono de uma pequena loja em Queixada. A clientela n�o � mais a mesma dos �ureos tempos da Baiminas. O movimento � manso, o que permite a Ant�nio dedicar parte do tempo a uma boa prosa com os amigos. As lembran�as da composi��o norteiam parte das conversas. A prec�ria estrada de ch�o que surgiu no lugar dos trilhos tamb�m.
Os caminh�es que levam mercadorias �s vendas do lugarejo passam por pontilh�es de ferro que um dia foram cruzados pela maria-fuma�a. As estruturas, constru�das na Inglaterra, d�o um charme � regi�o, tanto quanto os mandacarus e os estreitos cursos d’�gua que cortam aquele peda�o do Vale.
p� e lama Mas as pontes de ferro e a vegeta��o t�pica do semi�rido n�o escondem a dificuldade de motoristas e passageiros ao longo do caminho. Na temporada de chuva, usu�rios sofrem com a lama. Na �poca do calor, o problema � a poeira. Para aliviar o sofrimento, caminh�es-pipa gerenciados pelo poder p�blico derramam �gua, diariamente, na LMG-678.
“H� tr�s no trecho (de Ara�ua� ao distrito de Alfredo Gra�a). Nesse ve�culo, a capacidade � para oito mil litros. Jogo �gua de duas a tr�s vezes por dia. Levo meia hora para ench�-lo no ribeir�o”, conta um dos motoristas.
Curiosamente, um dos caminh�es trafega sem a placa dianteira. A infra��o se agrava em raz�o de o ve�culo prestar servi�o ao Departamento de Estrada de Rodagem (DER-MG), �rg�o que tem entre uma das fun��es fiscalizar o transporte irregular nas estradas.
Em nota, o DER informou que entrou em contato com a prestadora de servi�o, que se prontificou a regularizar o caminh�o. Embora questionado, o �rg�o n�o informou se o ve�culo foi multado.
DE UMA PONTA A OUTRA
A vida nos trilhos
Novo Cruzeiro – A Baiminas tem cap�tulos especiais na vida de Geralda Aparecida Lages, de 55 anos. A m�e dela viajou no trem para que Geralda nascesse no hospital de Ara�ua�. “Foi a primeira vez que andei na Baiminas: na barriga de mam�e”. Naquela �poca, a fam�lia morava em Queixada. Quando a ferrovia foi extinta, ela e os pais se mudaram para Novo Cruzeiro. Mais uma vez, a Baiminas esteve presente na vida dela: “Trouxemos a mudan�a de Queixada para Novo Cruzeiro no �ltimo trem”. Hoje, Geralda � funcion�ria da prefeitura, que transformou a antiga esta��o numa biblioteca.
Leia nesta segunda-feira:
Como foi o in�cio do caminho de ferro em Minas