
A semelhan�a com o bom velhinho favorece Jos� Lu�s Santos, que estica a renda de aposentado, dando vida ao personagem. A empregada dom�stica Maria Silva Santos, de 53 anos, tamb�m aproveita a chegada do Natal para complementar o or�amento.
Depois que a filha adoeceu, ela se matriculou num curso para aprender a fazer bolos. Aprendeu a receita de um bolo ingl�s que os moradores de Nova Lima, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, passaram a degustar gra�as aos trabalhadores da extinta mina de Morro Velho. Com as encomendas, Maria conseguiu pagar o tratamento. Batizado de “queca” (tradu��o aportuguesada da palavra inglesa cake), o quitute feito com frutas cristalizadas e regado com conhaque � apreciado nas ceias de Natal e ano-novo.
A procura dos clientes deu frutos e fez Maria manter a produ��o caseira, agora para aumentar os rendimentos. Hoje, s�o 150 clientes fixos na agenda da dom�stica. “Com o dinheiro das quecas j� troquei o piso da minha casa tamb�m. Neste ano, quero aumentar a cozinha e fazer o reboco das paredes”, diz. O desejo � de que as encomendas n�o fiquem restritas a dezembro. “Penso em fazer quecas o ano todo, mas precisaria de um freezer para comportar as encomendas. Quem sabe n�o uso o dinheiro para isso?”, afirma.
A alta da infla��o neste ano contribuiu para que os trabalhadores n�o conseguissem fechar acordos salariais com ganho real. A consequ�ncia direta � a queda nos rendimentos reais. Em agosto do ano passado, o rendimento real m�dio do brasileiro era de R$ 2.289,79; neste ano, caiu para R$ 2.189,69. O �ndice Nacional de Pre�os ao Consumidor (IPCA) medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) subiu 8,52% de janeiro a outubro, percentual mais alto desde 1996.
O professor Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que, apesar de n�o haver medi��o rigorosa sobre os trabalhos eventuais no Brasil, � “bastante prov�vel” que o bico tenha perdido import�ncia na �ltima d�cada com o bom desempenho do emprego e dos rendimentos. Nos �ltimos seis anos at� 2014, o pa�s apresentou as menores taxas de desemprego da hist�ria da economia.
A taxa de desemprego saiu de 5,3% da Popula��o Economicamente Ativa (a PEA � o conjunto de pessoas que est�o trabalhando e de quem procura emprego) em dezembro de 2010 para 4,3% em dezembro de 2014. O resultado tem como base a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, referente �s seis maiores regi�es metropolitanas do pa�s – de S�o Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Salvador.
Com a invers�o da curva neste ano – o desemprego foi de 7,6% na m�dia do pa�s em setembro �ltimo –, associada � turbul�ncia na economia e aos efeitos da baixa cria��o de postos de trabalho, � poss�vel perceber “a volta de um fen�meno conhecido dos brasileiros”, diz Pochmann. Segundo ele, � poss�vel identificar dois tipos de ‘bicos’: “Algu�m ocupado que busca uma atividade adicional ou o desempregado sem fonte de renda que busca estrat�gia de sobreviv�ncia”, afirma o professor. Em abril deste ano, pesquisa divulgada pelo Instituto Data Popular indicou que as pessoas da chamada Classe C, que ascendeu ao consumo nos �ltimos anos, voltaram a fazer bicos, diante da crise econ�mica. O levantamento mostrou que 42% das fam�lias dessa faixa de renda desempenham atividades eventuais para esticar a renda.
Festas multiplicam os ganhos
Com a proximidade do Natal, centenas de aposentados s�o procurados para se fantasiar de Papai Noel em festas de fim de ano. O bico garante bom rendimento para os contratados, inclusive bem superior ao teto da aposentadoria. Isso porque, segundo o propriet�rio da empresa de eventos Abracadabra, An�sio J�nior, � dif�cil encontrar pessoas que se encaixam no perfil do bom velhinho.
“Papai Noel � um personagem caracter�stico. N�o h� um n�mero grande de pessoas com esse perfil. Muitas vezes as empresas querem contratar, mas j� n�o h� mais profissionais dispon�veis”, afirma o empres�rio, ressaltando que o contrato pelo dia de trabalho pode chegar a R$ 1,5 mil, enquanto o valor mensal � negociado.
Aos 70 anos, Jos� Lu�s Santos aproveita a semelhan�a da densa barba branca e do sorriso com a figura lend�ria, al�m do estere�tipo da personagem. Ele tem mais de 1,80 metro, pesa 85 quilos e mant�m barba e cabelos brancos. Em novembro e dezembro, consegue mais que dobrar o valor da renda proveniente da aposentadoria. Contratado pela Abracadabra, ele faz entre 20 e 30 apresenta��es no per�odo em eventos corporativos, shoppings centers e outros espa�os.
“Fa�o a alegria da crian�ada”, brinca. “As crian�as n�o d�o trabalho. �s vezes, o problema s�o os pais, que querem que o filho fa�a pose para tirar foto mesmo sem que ele queira”, diz. Mas n�o s�o apenas os pequenos os interessados em conhecer o bom velhinho e ganhar presente das m�os de Jos� Lu�s. Ele conta que mulheres tamb�m fazem fila para bater fotos com o Papai Noel, e faz quest�o de que elas passem no sal�o de beleza antes da sess�o de fotografias.
Sob o efeito do corte nos ganhos salariais, a faturista Paula Melo Santos passou a fazer bicos nos fins de semana em buf�s. A cada festa ela recebe entre R$ 100 e R$ 130 para trabalhar como gar�onete. “� uma forma de complementar a renda. Sem esses biquinhos, muitas vezes a conta fecha no vermelho. Eles ajudam muito”, afirma Paula.
Ela seguiu os passos do marido, que, desde o ano passado, faz trabalhos eventuais para aumentar os rendimentos. Mesmo com a crise, a expectativa dos dois � de que aumentem as contrata��es at� o fim do ano para festas de formatura, eventos corporativos e as datas comemorativas. Em outubro, de acordo com Paula, a demanda foi maior do que meses atr�s. “Se conseguir muitos eventos, d� at� para programar uma viagem. Coisa que s� com o sal�rio n�o daria para fazer”, afirma.
Para facilitar o contato entre empregado e contratante, interessados movimentam at� mesmo as redes sociais. No Facebook, s�o muitos os grupos em que s�o anunciadas vagas para gar�ons, m�gicos, promotores de vendas, seguran�as e fot�grafos, entre outras ocupa��es oferecidas em eventos.
COMO VIVEM
V�nculos de trabalho dos brasileiros
49,9%
trabalham com carteira assinada no setor privado
8,4%
trabalham sem registro nosetor privado
19,5%
trabalham por conta pr�pria
4,1%
s�o empregados
Fonte: IBGE