S�o Paulo, 31 - Embora o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) tenha apurado um crescimento da economia nos �ltimos trimestres e detectado uma defla��o de 4,6% no pre�o dos alimentos entre janeiro e outubro deste ano, esses ind�cios de melhora econ�mica n�o foram percebidos pelas classes C e D, segundo pesquisa realizada pelo instituto Plano CDE, especializado no comportamento de consumo das fam�lias de baixa renda.
Ap�s tr�s anos seguidos de intensa recess�o, os t�nues sinais de alento recentes n�o chegaram ao radar desse contingente da popula��o, diz Maur�cio de Almeida Prado, diretor do Plano CDE. A avalia��o dessas fam�lias sobre a pr�pria situa��o financeira na pesquisa feita em novembro � t�o ruim quanto no levantamento de 2015, auge da crise, ano em que o Produto Interno Bruto (PIB) teve retra��o de quase 4%.
O cen�rio de apreens�o � em parte explicado pela composi��o de renda dessa popula��o, que costuma ter forte componente informal. Dessa forma, a posi��o de um consumidor na classe C est� longe de ser s�lida. Caso um s� morador perca o emprego, uma mesma resid�ncia pode cair para a classe D ou at� mesmo E de um m�s para outro.
A defla��o dos alimentos - item de forte peso na cesta de gastos da baixa renda - n�o foi suficiente para compensar o efeito nefasto da alta do desemprego nas periferias. Quando perguntados se os pre�os pararam de subir, s� 6% disseram concordar totalmente, enquanto 68% afirmaram discordar completamente dessa afirma��o. Ao mesmo tempo, a maior parte das pessoas tamb�m revelou ter medo do desemprego e relatou dificuldade para fazer reservas de emerg�ncia e pagar d�vidas.
Aperto
Entre as fam�lias que viram a renda cair nos �ltimos anos est� a das irm�s Lislei e Dione Silva, de 55 anos e 45 anos, respectivamente. Elas dividem o mesmo quintal, em um bairro da zona norte de S�o Paulo, mas vivem em casas separadas (o im�vel � da fam�lia e nenhuma das duas paga aluguel). No caso de Lislei, a queda da renda foi brusca. O ex-marido perdeu o emprego de seguran�a que lhe rendia R$ 2 mil por m�s. Com isso, a pens�o que ele paga �s duas filhas hoje se resume a contribui��es eventuais.
Para sustentar as meninas, de 16 e 17 anos, Lislei conta com a renda do sal�o que montou em frente de casa e com o dinheiro que a filha mais velha ganha como menor aprendiz. O total de renda da fam�lia n�o chega a R$ 1 mil - de acordo com os crit�rios da Funda��o Getulio Vargas, isso levou a fam�lia de Lislei a cair dois degraus na escala de renda em dois anos. Com a renda de R$ 3 mil que tinha em 2015, a casa estava na classe C; agora, recebendo menos de R$ 1,2 mil, foi rebaixada � classe E.
Trabalhando como aut�noma, a cabeleireira e pod�loga v� a renda flutuar bastante de um m�s para o outro. O sal�o, que chegou a render mais de R$ 1 mil por m�s, hoje arrecada, em m�dia, R$ 300. O servi�o de podologia tamb�m n�o vem conquistando muitos clientes: no m�s passado, foi chamada para um �nico atendimento de emerg�ncia, de R$ 70. E nem sempre o trabalho feito hoje garante receita imediata: �Aqui, se a gente n�o fizer o servi�o fiado, a� que n�o faz mais nada mesmo.�
Como a maior parte dos entrevistados pelo estudo do Plano CDE, Lislei diz que s� viu seus gastos aumentarem e as d�vidas se acumularem. Est� com as contas de casa atrasadas - que s�o pagas s� quando h� amea�a de corte - e j� desistiu de tentar pagar a fatura de v�rios cart�es de cr�dito. �Estou com o nome sujo�, admite. Ainda mant�m um cart�o com limite dispon�vel, caso precise us�-lo para alguma emerg�ncia, como uma despesa m�dica.
Cortes
A pesquisa mostrou ainda que, desde 2015, o processo de cortes de gastos nos lares das classes C e D s� foi intensificado. Todos os gastos sup�rfluos, em especial os realizados fora de casa, est�o sendo limados. Em 2017, os principais itens cortados, segundo o levantamento, foram comida fora de casa, lazer e servi�os de beleza. �Uma das estrat�gias das pessoas para economizar � trocar o lazer no shopping pela divers�o dentro de casa, que pode ser cotizada entre todos os membros da fam�lia�, diz Almeida Prado, do Plano CDE.
Na l�gica das fam�lias de baixa renda, somente o custo do �nibus para que pai, m�e e tr�s filhos cheguem ao shopping - mesmo que n�o gastem nada - � suficiente para o pagamento de um plano b�sico de internet ou de uma assinatura de servi�o de streaming, como o Netflix, por um m�s inteiro. �� uma troca que faz todo sentido para esse p�blico. Ele prefere o lazer virtual ao real, n�o s� pela quest�o do custo, mas tamb�m pelo fator seguran�a.�
Irm� mais nova de Lislei, Dione Silva � uma esp�cie de rela��es p�blicas de institutos de pesquisa na periferia de S�o Paulo. Chegou a comandar oito levantamentos sobre a classe C por ano - em 2017, participou s� de tr�s. O servi�o eventual de guia tur�stico no centro de S�o Paulo tamb�m minguou. A renda de Dione s� caiu menos do que a de Lislei porque o pai de sua filha come�ou a pagar pens�o para a menina.
Enquanto Lislei diz que hoje gasta apenas com comida - o plano pr�-pago de TV via sat�lite n�o recebe cr�ditos h� v�rios meses -, Dione ainda consegue manter o pacote da Net, de R$ 36 por m�s. �Eu tamb�m tenho Netflix, porque sempre uso o m�s de acesso gr�tis, vou trocando o nome de acesso conforme o tempo passa�, diz a pesquisadora. No que se refere a passeios, cortou teatros e museus totalmente. �Hoje, vou ao parque e, �s vezes, ao cinema.� As informa��es s�o do jornal
O Estado de S. Paulo.
(Fernando Scheller)