
S�o Paulo – Em 2018, a Estrela, a mais tradicional fabricante de brinquedos do Brasil, comemora 81 anos de exist�ncia. Em sua longa trajet�ria, a empresa superou guerras, instabilidades pol�ticas e intermin�veis crises econ�micas. Isso sem falar no ataque dos produtos chineses, que provocaram estragos na ind�stria brasileira em geral e na de brinquedos em particular.
Nada disso foi suficiente para interromper a trajet�ria de uma empresa que moldou os sonhos de diversas gera��es. Carlos Tilkian chegou � Estrela em 1993, depois de uma prof�cua carreira na Gessy Lever, hoje Unilever. Tr�s anos depois, Mario Arthur Adler, filho do fundador, fez uma proposta tentadora: ofereceu � Tilkian a op��o de comprar o controle da fabricante, propondo um financiamento para que o neg�cio fosse conclu�do.
Tilkian aceitou e, desde ent�o, conduziu um processo de moderniza��o que manteve a companhia entre as l�deres do setor no pa�s. Nesta entrevista, o executivo fala dos desafios de gerenciar a marca diante da nova era tecnol�gica e dos entraves que emperram a economia brasileira.
O que a Estrela tem feito para se adaptar �s mudan�as no mercado em que atua?
A Estrela completa 81 anos em 2018, o que mostra que ela tem uma grande capacidade para atravessar crises. Passamos por guerra mundial, golpes militares, hiperinfla��o. Acima de tudo, ela sempre conseguiu ler o anseio das crian�as e prover produtos que fizessem com que o brinquedo fosse desejado.
A revolu��o tecnol�gica interfere nos neg�cios da empresa?
Ao longo do tempo n�s sempre modernizamos a linha de produtos. Uma preocupa��o � agregar tecnologias desenvolvidas para outros segmentos. Com isso, voc� faz com que a sua cole��o esteja sempre atualizada. O mundo digital realmente tem impacto muito grande sobre as crian�as. O que procuramos fazer � incorporar a tecnologia digital dentro do mundo real.
O senhor poderia dar exemplos?
O Banco Imobili�rio, que � o jogo mais vendido no Brasil, est� h� mais de 50 anos no mercado. Em um determinado momento, lan�amos um Banco Imobili�rio com maquininha de cart�o de cr�dito e d�bito que substitui as c�dulas originais de dinheiro. Ent�o, � uma forma de voc� agregar tecnologia. Outro exemplo � o Detetive, um jogo cl�ssico de tabuleiro. Hoje, ele tem um aplicativo que voc� cadastra no celular. Durante a brincadeira, o celular toca e a crian�a que pegar o aparelho vai receber uma dica sobre a “cena do crime”.
A tecnologia tem mudado a forma como as crian�as brincam?
Pais, professores, educadores e psic�logos entenderam que n�o � saud�vel para a crian�a viver s� no mundo digital, que, afinal, � uma experi�ncia muito individual. As crian�as v�o continuar tendo tablets, v�o continuar interagindo nas redes sociais, mas � importante o contato com a fam�lia. � isso que procuramos fazer com nossos produtos no mundo digital. A ideia � que as crian�as tenham os instrumentos para sentar com a fam�lia, brincar e conversar.
� muito dif�cil para uma empresa com mais de 80 anos se manter atual?
Nossa preocupa��o � nunca abrir m�o do contato com o consumidor para entender quais s�o os anseios da nova gera��o. A crian�a quer sempre novidade. Todos os anos, a Estrela renova sua linha em torno de 30%, j� que o brinquedo que fez sucesso no ano passado certamente n�o far� neste ano. Al�m disso, em 2018 lan�amos dois projetos. Criamos uma editora, a Estrela Cultural, que traz nova proposta. Queremos que a crian�a tenha uma experi�ncia diferente. Ela l� e interage com algum pequeno brinquedo e equipamento que ajudam a enriquecer a experi�ncia de leitura. Em junho, abrimos a primeira loja de maquiagem infantil, no Morumbi Shopping, em S�o Paulo.
Loja de maquiagem para crian�as?
A Estrela sempre foi uma das maiores vendedoras de bonecas do Brasil. A partir dessa experi�ncia, detectamos que h� um brilho quando voc� fala em maquiagens para as meninas e percebemos que n�o existia nenhuma empresa que tivesse desenvolvido produtos espec�ficos para as crian�as. Ent�o, desenvolvemos produtos com empresas especializadas, mas com grande diferencial: n�o se trata de uma linha de produtos que incentiva a vaidade. Muito pelo contr�rio. O que queremos � que a menina, por meio das cores, perceba que n�o existe o certo e o errado e que ela pode brincar do jeito que quiser.
Qual � o tamanho do desafio de enfrentar a concorr�ncia chinesa?
Primeiro precisamos pontuar: de onde vem a competitividade da China? Vem de fatores macroecon�micos. N�o est� no ch�o de f�brica, n�o est� numa m�quina que eles eventualmente possam ter, n�o est� no processo de cria��o. O que proporciona competitividade aos produtos chineses � o c�mbio. A moeda chinesa � altamente desvalorizada frente ao d�lar. Ent�o, quando voc� vai para um mercado de exporta��o, o produto � relativamente barato.
A quest�o tribut�ria tamb�m faz diferen�a...
Sim. Essas empresas exportadoras n�o t�m permiss�o para vender o mesmo produto na China. Se elas quiserem vender internamente, precisam arcar com uma s�rie de tributos, o que torna o brinquedo dentro da China muito mais caro do que o exportado. Ent�o, � algo que d� aos chineses um poder de competitividade, pois praticamente eles n�o t�m impostos na cadeia produtiva e v�o ter s� um imposto de renda final no processo. O terceiro ponto � o custo financeiro. Para financiar uma produ��o na China, o custo financeiro � absurdamente baixo. Estamos falando de 2% a 3% ao ano, enquanto no Brasil, historicamente, pagamos isso por m�s. Ent�o, a somat�ria desses fatores d� ao produto chin�s um custo absurdamente baixo.
O que � preciso fazer para enfrentar esse cen�rio?
Como n�o podemos mexer nas vari�veis macroecon�micas, que dependem do governo, temos procurado ser mais eficientes. No Brasil, temos tr�s unidades industriais, uma no interior de S�o Paulo, outra no interior de Minas Gerais e a terceira em Sergipe. O que fazemos � produzir no pa�s aqueles brinquedos que, mesmo com esse cen�rio, ainda permitam um bom n�vel de competitividade em termos de custo para o consumidor. Al�m disso, complementamos a cole��o importando brinquedos que, por caracter�sticas t�cnicas, volume ou sazonalidade, n�o justificariam a produ��o no Brasil.
Na d�cada de 1980, a Estrela chegou a ter quase 13 mil funcion�rios na f�brica em S�o Paulo. Depois, na d�cada de 1990, sofreu com a abertura do mercado. Como a empresa est� posicionada hoje em dia?
A Estrela e o setor de brinquedo n�o t�m nenhuma cr�tica ao processo de abertura de mercado. Nossa cr�tica foi a forma como feita na �poca do Plano Collor, que levou 30% das ind�strias de m�os de obra intensivas, n�o s� de brinquedos, a fechar no Brasil. Foi aquela enxurrada de produtos chineses sem nenhum controle de qualidade, sem controle de pre�os. Ao longo do tempo, fomos nos organizando, ganhando competitividade. A Estrela era altamente verticalizada, com 13 mil funcion�rios, mas chegou a ter apenas 500, praticamente com redu��o total da produ��o. Na verdade, a empresa viraria um grande importador.
O que aconteceu?
Com o apoio da nossa associa��o, a Abrinq, do governo, Receita e Pol�cia Federal, o pa�s conseguiu minimamente organizar a importa��o para evitar o subfaturamento e exigir que os produtos importados tivessem o selo de garantia do Inmetro, j� que o Brasil sempre teve uma norma de qualidade de seguran�a do brinquedo bastante rigorosa. Com isso conseguimos voltar a ter competitividade na produ��o nacional.
O que esperar do pr�ximo presidente?
Acho que ele deve estar comprometido com as reformas, em reduzir o tamanho do Estado e que tenha os instrumentos necess�rios para fazer a reforma pol�tica. N�o h� pa�s que consiga sobreviver com este n�mero de partidos que n�s temos. Tamb�m � preciso reduzir a carga tribut�ria. � claro que a gente sabe que o governo j� est� com o or�amento estourado e que ser� dif�cil reduzir a carga tribut�ria. Para isso, ser� preciso reduzir o custo da m�quina.
At� que ponto as incertezas eleitorais est�o afetando os neg�cios da Estrela?
As incertezas afetam o humor do mercado. Ind�stria n�o � mercado. Quando a gente fala de mercado, falamos mais das institui��es financeiras. Uma ind�stria tem que sobreviver. As crian�as v�o continuar nascendo e sempre vamos ter que fabricar brinquedos, com cen�rios melhores ou piores. Ent�o, o que digo, e isso � um mote na Estrela, � que a gente n�o pode ser pautado pela agenda econ�mica. Somos pautados pelo nosso consumidor. Se h� uma perda de poder aquisitivo, precisamos ter a capacidade de lan�ar produtos de qualidade a um pre�o mais baixo. Se a economia est� expandindo, precisamos ser mais agressivos, ampliar a nossa cole��o, trazer produtos mais sofisticados.