Em menos de um m�s, duas das maiores livrarias do Pa�s entraram em recupera��o judicial, com d�vidas que, somadas, chegam perto de R$ 1 bilh�o. A Cultura recorreu � medida no fim de outubro. Na sexta-feira foi a vez da l�der Saraiva seguir o mesmo caminho. Ainda que editoras e outros varejistas do setor insistam que n�o se trata de uma crise de demanda por livros - que est� em discreta expans�o -, os problemas das duas varejistas obrigam o mercado editorial a desarmar uma bomba a poucas semanas do Natal: a miss�o agora � convencer o cliente acostumado a comprar livros nessas duas empresas a procurar o produto em sites, clubes de assinatura ou outras redes.
N�o se trata de um volume pequeno: Saraiva e Cultura respondem por cerca de 35% das vendas do setor. Diante da necessidade, redes regionais, grandes sites de varejo eletr�nico - do Brasil e dos EUA - e at� as pr�prias editoras est�o virando op��es para ajudar os livros a chegar �s m�os do consumidor. "Vivemos um paradoxo, pois n�o se trata de falta de leitores - esse � um problema cr�nico, mas que n�o se agravou", diz Cassiano Elek Machado, diretor editorial da Planeta. "Mas vamos passar por essa travessia do deserto, porque existe demanda pelo livro."
Embora a estrat�gia da Planeta seja evitar concorrer a sua rede de distribui��o, h� grandes editoras que pensam diferente. Um dos grupos mais tradicionais do Pa�s, a Record vai estrear um e-commerce pr�prio antes do Natal. A ideia era estrear a novidade na Black Friday, mas a vice-presidente da companhia, S�nia Machado Jardim, diz que a op��o foi resolver falhas t�cnicas, para evitar problemas em dezembro.
Al�m do novo site, a Record - que concentra 15 selos, em diferentes segmentos - tamb�m est� lan�ando um clube de assinaturas, com curadoria de escritores. Nesse sentido, a empresa segue o caminho da Intr�nseca, que lan�ou em outubro o Intr�nsecos, em que assinantes t�m acesso a edi��es especiais, em capa dura, de obras que s� ser�o lan�adas posteriormente. "� mais uma op��o de receita", disse Jorge Oakim, fundador da Intr�nseca, que insiste que a crise � das varejistas, e n�o dos livros. De janeiro a outubro, a Intr�nseca acumulou alta de 23% em vendas, na compara��o com o mesmo per�odo de 2017.
Na web
Al�m dos testes de venda direta pelas editoras, os grandes sites de e-commerce tamb�m devem abocanhar parte das vendas da Saraiva e da Cultura, segundo fontes do setor. Para algumas grandes editoras, a americana Amazon j� representa cerca de 15% do faturamento - e oferece a vantagem de comprar livros, em vez de peg�-los em consigna��o. Neste fim de ano, gigantes brasileiras, como Americanas.com e Submarino, tamb�m refor�aram aquisi��es de t�tulos. Procurada, a B2W n�o quis comentar.
Embora a Amazon n�o revele sua participa��o de mercado, o diretor da �rea de livros da gigante americana no Brasil, M�rio Meirelles, diz que a receita com o segmento foi recorde na Black Friday 2018. "O crescimento est� relacionado ao aumento do n�mero de t�tulos oferecidos e tamb�m ao atendimento", diz. "A Black Friday � a nossa data de maior volume em vendas. Come�amos o planejamento no in�cio do ano, para garantir que a disponibilidade de produtos e a experi�ncia de atendimento fossem as mesmas de um dia comum."
Rivais. Embora a venda direta e a busca pelos canais online sejam op��o �s redes tradicionais, h� empresas que no varejo f�sico tamb�m conseguem obter bons resultados. Uma das companhias vistas pelo mercado editorial como candidata a assumir parte do espa�o da Saraiva � a Leitura, hoje vice-l�der do setor, com 70 lojas. Em entrevista ao Estado na semana passada, o presidente da Leitura, Marcus Teles, disse j� ter iniciado negocia��es com shopping centers para assumir at� cinco lojas que a Saraiva encerrou.
Outra rede de m�dio porte, a Livrarias Curitiba, atualmente com 29 lojas, a maior parte delas no Paran� e em Santa Catarina, come�a a ocupar espa�os em S�o Paulo sem medo da concorr�ncia j� estabelecida.
"Buscamos espa�o ainda n�o ocupado, com aluguel mais barato do que o cobrado nos shoppings de primeira linha", explica Marcos Pedri, diretor comercial da Livrarias Curitiba e membro da fam�lia que fundou o neg�cio h� 55 anos. A Curitiba chegou em solo paulista pelos shopping Aricanduva e Tucuruvi, na capital, e por Tabo�o da Serra. A empresa tamb�m abriu uma unidade em Diadema.
Todas essas �reas tinham um ponto em comum: eram "territ�rio virgem" para livrarias. Pedri diz que o fato de o pre�o do livro ter ca�do nos �ltimos anos acabou abrindo uma oportunidade para o produto cair no gosto da classe C. "Seremos beneficiados pelos problemas enfrentados pela concorr�ncia."
Para garantir um discreto crescimento - de 5% a 10% -, tanto a Leitura quanto a Curitiba v�m apostando em lojas simples, de porte m�dio e longe dos endere�os "classe A". O modelo das chiques megastores virou coisa do passado, segundo Teles. O nome do jogo, na atual situa��o, � a austeridade.
Acordo
Depois de sofrer com atrasos no pagamento tanto da Cultura quanto da Saraiva - que, apesar da dilata��o de prazos dos fornecedores, tiveram de recorrer � recupera��o judicial -, as editoras bateram o martelo: agora s� aceitam enviar livros para as duas redes se tiverem algum tipo de garantia de recebimento.
Foi o que aconteceu no acordo fechado com a Saraiva na �ltima quinta-feira: ao apoiarem a recupera��o judicial da l�der em vendas no Pa�s, as editoras aceitaram adiar o recebimento de d�bitos antigos, mas exigiram garantias claras daqui para frente. Pelo acordo, todos os livros enviados � Saraiva dever�o ser pagos � vista. � assim que funcionar� para as encomendas para o Natal, por exemplo.
Segundo apurou o Estado, um contrato parecido, com garantias claras de recebimento, � esperado tamb�m da Cultura. As negocia��es com a rede se estenderam pela sexta-feira, segundo uma fonte ligada � empresa. No entanto, um ponto dificultaria a constru��o de um entendimento: a situa��o de caixa da rede da fam�lia Herz, que n�o permitiria pagamentos imediatos de grande porte.
Outra quest�o que pesaria contra a companhia seria o pr�prio acordo com a Saraiva. Embora resolva apenas o problema de curto prazo relacionado �s vendas de fim de ano, ele tira das editoras uma press�o muito maior do que a exercida pela Cultura. Apesar de ter fechado quase 20 pontos de venda nas �ltimas semanas, a Saraiva tem uma presen�a espalhada pelo Pa�s, com 85 unidades em funcionamento, enquanto a Cultura est� restrita a algumas capitais, com 15 lojas.
D�bitos
Embora a Saraiva tenha chegado � recupera��o judicial com uma d�vida de R$ 674 milh�es, seus d�bitos s�o proporcionalmente menores em rela��o � capacidade de faturamento da empresa. A Cultura, em seu plano de recupera��o judicial, informou um endividamento de R$ 285 milh�es. O resultado equivale a 42% do valor total da d�vida da Saraiva.
Apesar de afirmarem que as editoras t�m todo o interesse em negociar, fontes do mercado j� se questionam se a Cultura teria lastro financeiro para garantir o fornecimento de livros nas pr�ximas semanas.Procurada, a assessoria de imprensa da Cultura n�o retornou os contatos da reportagem at� o fechamento desta edi��o.
Estrat�gias
O trabalho de startups brasileiras mostra que existe espa�o para abordagens criativas na hora de vender livros - e que pensar fora da caixa pode gerar lucros. Entre os modelos j� consagrados est� o da Tag Livros, clube de livros criado em Porto Alegre, em 2014, e que prev� faturar R$ 26 milh�es em 2018 - valor equivalente a cerca de um d�cimo da receita estimada pelo mercado para a Livraria Cultura (a empresa deixou de divulgar dados em 2016).
Gustavo Lembert, s�cio-fundador da Tag, engrossa o coro dos que defendem que a crise que as livrarias � de canal de venda, e n�o de falta de leitores. "Ainda vemos grande demanda por livros", diz o empreendedor. Ele defende a aproxima��o direta com os leitores: "O contato com nossos leitores rompe a l�gica historicamente praticada pelas editoras, que viam as livrarias, e n�o o leitor, como seus clientes. As dificuldades da Saraiva e da Cultura v�o obrigar as editoras a mudarem de pensamento."
A Ubook � outro exemplo de empresa que detectou uma demanda que os grupos estabelecidos do mercado editorial jamais conseguiram desenvolver no Brasil: os livros em �udio. O presidente da Ubook, Fl�vio Osso, diz que resolveu investir no neg�cio depois de detectar que as pessoas gostariam de ler mais, mas n�o faziam isso por falta de tempo. Dispon�vel por meio de um aplicativo, o Ubook mant�m parceria com grandes editoras e tamb�m produz conte�dos exclusivos, encomendados conforme a demanda percebidas entre os clientes.
Entre as editoras parcerias da Ubook est� a Todavia. Criada em 2017, a Todavia j� nasceu antenada com as novas formas de comercializa��o: mant�m um site de vendas diretas de seus t�tulos e se associou � startup por acreditar que o livro pode chegar ao consumidor em diferentes formatos. "O varejo passa por uma transforma��o muito importante, e acreditamos que o audiobook � um formato vi�vel, uma nova forma de as narrativas chegarem �s pessoa", diz Marcelo Levy, diretor comercial da editora.
Criada em 2014, a Ubook tem hoje 6 milh�es de usu�rios ativos e aproximadamente 25 mil livros dispon�veis em ingl�s, espanhol e portugu�s. "O nosso modelo de audiolivro � complementar a outras formas de literatura. N�o acreditamos que iremos substituir outros formatos. At� porque, em alguns momentos, como em frente a uma lareira, em um momento de descanso, � dif�cil substituir o livro tradicional."
Crian�as. A Storymax, fundada em 2013 por Samira Almeida, dedica-se � cria��o do h�bito da leitura em crian�as. A empreendedora Samira Almeida trabalhou em uma editora de livros infantis por 12 anos - e percebia constante queda nas vendas. Por isso, decidiu criar uma solu��o para trazer os livros para os celulares e tablets, cada vez mais usados pelas crian�as.
Logo no in�cio das atividades da Storymax, alguns aplicativos foram vendidos para escolas americanas. A empresa j� fez parte do Google Campus (programa que seleciona startups com potencial para receber apoio do Google por um semestre) e acumula v�rios pr�mios, incluindo dois Jabutis. A companhia n�o revela faturamento, mas estima ter alcan�ado 120 mil leitores. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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