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Estado de Minas

Deficientes visuais cobram melhorias no atendimento do com�rcio e de servi�os

O Brasil tem mais de meio milh�o de habitantes cegos e outros 6 milh�es com pouca vis�o. Apesar do alto n�mero de clientes, lojas e prestadores de servi�o ainda n�o sabem atend�-los


postado em 02/12/2018 06:00 / atualizado em 02/12/2018 09:46

 

Nos corredores apertados do supermercado, a bengala da pedagoga Eun�zia Ferreira vira risco para os produtos fr�geis da prateleira. O tatear para identificar os itens se torna em v�o. A maioria das embalagens n�o tem identifica��o em braile. “Sozinha � imposs�vel ir ao supermercado. A organiza��o n�o � pensando numa pessoa cega. Todo dia as prateleiras est�o diferentes e tem muita coisa que voc� pode quebrar”, desabafa a professora de 56 anos, cega desde a adolesc�ncia. “Ainda vou muito a lojas. E nunca encontrei nem uma etiqueta sequer em braile. Ent�o eu dependo do vendedor para tudo”, conta a deficiente visual. O despreparo do com�rcio e do setor de servi�os para a inclus�o desses consumidores – que segundo dados do �ltimo censo passam de meio milh�o no Brasil (582 mil), sendo outros 6 milh�es com baixa vis�o –, traz preju�zo econ�mico e descortina um mundo de necessidades b�sicas negadas a essa parcela da popula��o, da locomo��o ao consumo.


A estudante N�bia Pereira, de 31, ainda vive um momento de adapta��o � realidade das pessoas que n�o enxergam. V�tima de um descolamento de retina ap�s uma queda na inf�ncia, a estudante de psicologia passou a vivenciar os desafios da cegueira de forma mais aguda h� dois anos, quando perdeu completamente a vis�o. Para se locomover, adquiriu a independ�ncia com a ajuda da bengala, sua parceira insepar�vel quando sai de casa. Para as compras, por enquanto, precisa da companhia de um parente ou amigo. “Ainda n�o tenho uma mem�ria t�til muito boa. Ent�o, sempre vou com algu�m, porque n�o confio nos vendedores”, explica. Para a jovem, os maiores desafios no com�rcio s�o a falta de sensibilidade e de aten��o dos vendedores. “Quando entramos na loja, os atendentes n�o se direcionam para a pessoa cega, sempre conversam com o acompanhante. � como se n�o estiv�ssemos ali. Somos invis�veis para eles”, reclama.

A pedagoga Euzínia Ferreira e a estudante Núbia Pereira criticam falta de organização interna de lojas e a ausência de vendedores capacitados para atender clientes cegos em BH(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A press)
A pedagoga Euz�nia Ferreira e a estudante N�bia Pereira criticam falta de organiza��o interna de lojas e a aus�ncia de vendedores capacitados para atender clientes cegos em BH (foto: Ed�sio Ferreira/EM/D.A press)

DESAFIOS NAS RUAS A estudante destaca a import�ncia da capacita��o dos profissionais do com�rcio para atender as pessoas cegas. “N�o leio em braile ainda, assim como muitos cegos tamb�m n�o leem. Ent�o, a melhor forma de atendimento � a oral. E isso depende da dedica��o e paci�ncia do vendedor”, explica. Para Eun�zia, os desafios que os deficientes visuais encontram quando v�o �s compras se devem � falta de informa��o. “Voc� chega na loja e as pessoas n�o sabem como atend�-lo. � comum o vendedor puxar sua bengala ou o seu bra�o. Arrumar uma cadeira para a gente se sentar. Afastar-se sem avisar e deixar a gente falando sozinho. O despreparo � geral”, afirma. “O cego precisar tocar no objeto ou produto que vai comprar. N�o adianta ficar descrevendo a pe�a que est� na vitrine. A gente conhece as coisas pelo tato.”


O gerente do Supermercado Abadia, na Avenida Augusto de Lima, no Centro de Belo Horizonte, diz que ainda h� muito que se adequar tanto na acessibilidade como no atendimento aos deficientes visuais, mas explica que a empresa investe na capacita��o dos funcion�rios. “Confesso que n�o s�o todos os colaboradores que s�o preparados para atender o deficiente visual, mas sempre deixamos uma pessoa treinada para receber, conduzir e auxiliar o cego na loja”, diz Luan Dutra. Ainda de acordo com o gerente, o supermercado prioriza marcas que s�o inclusivas, mas a oferta de produtos ainda � escassa. “Ficamos ref�ns das empresas fornecedoras. No caso do deficiente visual, mais de 90% dos produtos n�o t�m identifica��o em braile. Somente as grandes marcas � que come�aram a ter essa preocupa��o”, afirma.

Capacita��o para capacitar

A principal entidade de representa��o do empreendedorismo de m�dio e pequeno portes no Brasil tamb�m ainda tenta se adequar � demanda quando o assunto � inclus�o. O Servi�o Brasileiro de Apoio �s Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) n�o tem dados sobre neg�cios destinados � popula��o cega e nem como essa parcela da popula��o tem investido na cria��o do pr�prio neg�cio. “Criar programas visando � inclus�o e equidade no empreendedorismo � absolutamente responsabilidade nossa. Ainda n�o temos um programa com esse recorte especial para os deficientes visuais. Temos materiais acess�veis a eles em braile, mas estamos nesse caminho de levar o tema da diversidade e pluralidade aos nossos clientes. O que � muito pouco”, diz o diretor t�cnico do Sebrae, Anderson Cabido.

 

Segundo ele, a entidade tem se mobilizado para estimular a casa a pensar quest�es ligadas � diversidade. “Criamos em 2017 o Sebrae de Plurais, que ainda concentra as iniciativas no �mbito interno. Estamos nos adequando para preparar tamb�m nossos clientes, que s�o potenciais empregadores desse p�blico”, detalha. E acrescenta: “Vamos sensibilizar os pequenos neg�cios convencionais, mas tamb�m ter aqui programas voltados para que pessoas com defici�ncia visual possam desenvolver essa capacidade empreendedora”.

No �mbito municipal, pol�ticas inclusivas para o com�rcio tamb�m n�o t�m sido colocadas em pauta. A C�mara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) informou que n�o tem projetos de inclus�o para pessoas com defici�ncia e n�o h� previs�o de trabalhos com foco no tema.

 

 

Iniciativas ampliam participa��o

Na contram�o da maioria das marcas brasileiras, que ainda ignoram a popula��o cega como p�blico consumidor, h� algumas que j� nasceram inclusivas e apostam em produtos acess�veis. � o caso da belo-horizontina Costuras do Imagin�rio, criada pela publicit�ria C�ntia Caroline. Na linha de produ��o est�o blusas, bolsas, almofadas, standards e cachep�s. Tudo com descri��es em braile e estampas em relevo. “A Costura do Imagin�rio nasceu em 2016, fruto de uma experi�ncia do meu trabalho de conclus�o de curso, quando passei a conhecer a realidade do cego. Foi a� que pensei que poderia criar uma marca inclusiva”, conta.

A �ltima cole��o da empreendedora, lan�ada em setembro, foi desenvolvida em parceria com mulheres deficientes visuais do Lar das Cegas, institui��o beneficente de Belo Horizonte que abriga mulheres vindas do interior do estado. As pe�as da cole��o levam um bot�o de cer�mica produzido pelas artes�s. “� uma forma de renda e visibilidade para elas, que n�o t�m um trabalho fixo”, explica C�ntia. At� agora j� foram mais de 500 bot�es. O investimento em cada pe�a � de R$ 6.
Al�m da satisfa��o de oferecer produtos que promovem a inclus�o, a empreendedora destaca que investir na pluralidade tamb�m � lucrativo e tem apoio social. “As vendas t�m sidos �timas. Tive outras cole��es antes desta, que n�o tinha participa��o de uma pessoa cega ou com defici�ncia visual, era s� a quest�o do braile mesmo. Esta comoveu mais as pessoas”, comenta.

(foto: Quinho/Arte EM)
(foto: Quinho/Arte EM)

Foi pensando nos deficientes visuais que o m�sico e professor Marcos Dupr�, de Guarulhos (SP), resolveu criar um curso de viol�o exclusivo para cegos e pessoas com baixa vis�o. O que ele n�o imaginava � que entrar em um mercado t�o segmentado traria tantos desafios. O primeiro foi entender quais eram as necessidades do seu p�blico-alvo. “N�o encontrei em lugar algum um �nico estudo de mercado, pesquisa, ou marketing voltado exclusivamente para esse p�blico. O que me fez pensar: o deficiente visual n�o � consumidor?”, questionou.

INSPIRA��O NO EXTERIOR Ele, ent�o, come�ou o modelo de neg�cio com base em estudos que buscou fora do pa�s e baseado em pesquisa de campo por conta pr�pria. A cria��o do modelo did�tico tamb�m foi desafiador. “Montei o curso como se fosse um cego. simplesmente cortava toda a parte visual. Tocava como cego, ou seja, sem vis�o alguma para entender essa coisa do tato e quais eram as reais dificuldades”, explica.


No caso do professor, o produto criado n�o decolou como ele planejava. Disponibilizado on-line em 2015, o m�sico vendeu cerca de 40 cursos at� este �ltimo m�s. Segundo Dupr�, o mais importante foi a experi�ncia e a satisfa��o de desenvolver aulas t�o direcionadas com a qualidade aprovada pelo p�blico consumidor. “As pessoas que compraram gostaram muito mesmo. Nem imaginavam que seria t�o detalhado como foi”, conta. O curso de viol�o para cegos est� dispon�vel na loja virtual do professor, primeirosacordes.com.br.

MIGRA��O O consumo de produtos e servi�os na internet foi o caminho que o advogado Rodrigo Parreiras, de 31 anos, decidiu tomar para fugir dos desafios nas compras em lojas f�sicas. Em decorr�ncia de um glaucoma, ele perdeu a vis�o na inf�ncia. A cegueira nunca foi entrave na busca dos sonhos de cursar universidade, se estabelecer no mercado de trabalho e se locomover pela cidade. Mas quando o assunto � compras, ele acumula frustra��es. Tanto que decidiu migrar para as lojas on-line. “Na internet a gente tem acesso a uma gama de produtos muito maior. Temos autonomia para escolher o que queremos, sem pressa ou interfer�ncia do gosto da pessoa que enxerga”, pontua.

O advogado Rodrigo Parreiras, que perdeu a visão na infância, prefere compras on-line devido à maior autonomia na escolha dos produtos(foto: Edésio Ferreira/E.M/D.A Press)
O advogado Rodrigo Parreiras, que perdeu a vis�o na inf�ncia, prefere compras on-line devido � maior autonomia na escolha dos produtos (foto: Ed�sio Ferreira/E.M/D.A Press)
 

O defensor p�blico lamenta a falta de iniciativas inclusivas aos cegos por grandes marcas e destaca o potencial de consumo dessa parcela da popula��o. “Acho que somos um p�blico invis�vel. Inclusive, formamos um grande mercado consumidor, porque a gente trabalha e consome. Seria interessante que as marcas tivessem outras posturas”, observa. 

 

 


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