
S�o Paulo – O agroneg�cio brasileiro � um dos setores econ�micos – se n�o for o maior deles – mais protegidos e subsidiados no Brasil. As taxas de juros, os prazos de financiamento e as condi��es de cr�dito para o produtor do campo foram as mais generosas entre os principais ramos de atividade no pa�s. Mas a perspectiva de uma redu��o da presen�a do Estado na economia sinaliza novos tempos para esse mercado, o que ser� bom para o setor, segundo Marcello Brito, presidente da Associa��o Brasileira do Agroneg�cio (Abag). Confira a seguir os principais trechos de sua entrevista:
Depois de viver um 2018 de recordes, qual � a perspectiva para este ano?
A perspectiva continua muito boa, apesar de j� sabermos que teremos pequenos problemas de clima em algumas regi�es. Estamos aguardando a entrada de um novo El Ni�o a partir do primeiro semestre, mas que deve ser leve, nada parecido com o que tivemos em 2015. Isso talvez possa impactar a produ��o do Norte e Nordeste do pa�s. Ou seja, n�o estar� na produ��o de cereais, mas pega a regi�o de culturas perenes e outras culturas da regi�o Norte e Nordeste.
O agroneg�cio est� pronto para enfrentar uma estiagem mais forte na regi�o Norte e Nordeste, e chuvas mais intensas no Sul e Sudeste?
Na verdade, nunca estamos prontos para enfrentar as mudan�as da natureza. Mas, psicologicamente, estamos conscientes de que haver� efeitos do El Ni�o. A gente precisa aguardar para saber qual ser� o impacto sobre a produ��o nacional. Al�m disso, ainda existe uma certa d�vida sobre o plano safra que vai ser divulgado por esse governo atual. Sabemos que teremos de enfrentar um processo de reconstru��o do modelo de financiamento do agroneg�cio nos pr�ximos anos. N�o temos a menor d�vida disso. Existe uma expectativa em rela��o a essa divulga��o. Mas s�o ansiedades que fazem parte da estrutura do dia a dia do agro. Somos uma atividade de risco, todo mundo j� sabe. De qualquer forma, o agro brasileiro continua forte, continua crescendo, em v�rias regi�es. Muitas tecnologias est�o sendo aplicadas. Ent�o, a expectativa � muito boa.
O que esperar dessa reconstru��o do modelo de financiamento?
A melhor das expectativas � que no decorrer dos pr�ximos anos a gente possa definitivamente desenvolver um modelo de seguro rural no Brasil. N�o � poss�vel que um pa�s que est� entre os maiores produtores agr�colas do mundo ainda n�o possua um seguro rural apropriado. N�o falta dinheiro tanto no mercado nacional quanto de capital internacional para o financiamento e investimento na produ��o. O que falta no Brasil � seguran�a na produ��o. Quando n�s nos comparamos com pa�ses livres no mercado agr�cola, como Estados Unidos, � uma covardia. L�, quando h� um problema clim�tico s�rio, o produtor n�o ganha dinheiro, mas ele tamb�m n�o quebra. O seguro cobre o investimento que ele fez. Aqui no Brasil, n�o. Quando temos um problema clim�tico, praga ou doen�as, o produtor rural rigorosamente vai � fal�ncia. Isso cria um c�rculo vicioso de perd�o de d�vida, de refinanciamento de d�vida, que cria um setor endividado. Ou seja, se a gente conseguir desenvolver, nesses anos seguintes, um modelo de seguro rural, haver� uma estrutura de financiamento e investimento no agroneg�cio muito mais ativo e muito mais respons�vel com toda a popula��o que paga os impostos no pa�s.
Por que o Brasil n�o tem ainda um modelo eficiente de seguro, condizente com o potencial agr�cola do pa�s?
A aus�ncia de cultura de seguro pode ser um dos pontos. Nunca houve, por parte dos participantes ativos nesse setor, um alinhamento nesse sentido. Mas agora h� quase que unanimidade dos meios. Chegou a hora de, se realmente estamos partindo pra um governo liberal na economia, acabar com as distor��es. O governo precisa extinguir as pol�ticas de juros subsidiados para financiar quem n�o precisa. Os juros subsidiados devem ser mantidos para os pequenos, para quem realmente necessita para manter sua pequena produ��o, mas n�o para grandes produtores. Eles t�m condi��o de pagar juros de mercado e competir igualmente desde que sua produ��o seja devidamente protegida por um seguro.
Essa quest�o de se criar um modelo seguro e eficiente para o agroneg�cio depende mais da iniciativa privada ou isso � uma responsabilidade do governo federal?
Depende de todos. O desenvolvimento pode ser feito por v�rias m�os. A regula��o, como sempre, dever� ser feita pelo governo.
A expectativa de se ter um governo mais liberal abre perspectiva positiva para o agroneg�cio, um setor historicamente dependente de subs�dios e de incentivos?
A depend�ncia do agroneg�cio foi criada por esse ciclo vicioso do governo. Mas na hora que se abre o mercado, a necessidade de ferramentas de financiamento � suprida pelo setor privado. Acho que esse � o momento de liberalidade econ�mica e o momento de responsabilidade na utiliza��o dos parcos recursos brasileiros naquilo que realmente importa, naquilo que realmente interessa, de tudo que o Brasil precisa. Temos a convic��o de que o agro nacional pode ser muito bem financiado dentro de um plano de convers�o, com financiamento privado para a grande produ��o nacional.
Mas em todo o mundo o agroneg�cio � protegido e financiado por governos e bancos estatais.
S�o coisas diferentes. Os Estados Unidos t�m um modelo agroindustrial muito bem sustentado em cima de uma proje��o daquilo que precisa ser produzido para abastecimento e para exporta��o. N�o se planeja grandes super�vits. Al�m disso, h� um modelo de seguro rural extremamente eficiente. Ent�o, por isso eles s�o os maiores produtores mundiais de alimentos. Quando olhamos para o lado Europeu, � diferente. L�, os produtores rurais s�o extremamente subsidiados. Mas eles n�o s�o grandes produtores. As pol�ticas de defesa da produ��o agr�cola est�o baseadas em quest�es de seguran�a nacional e abastecimento interno. No Jap�o, por exemplo, o pa�s mais subsidiado na agricultura no mundo, a agricultura representa quase nada no PIB. O mesmo acontece com a agricultura na Alemanha. Ent�o, n�o podemos comparar esses pa�ses com o Brasil. S�o contextos e an�lises totalmente diferentes.
Uma eventual abertura da economia vai impactar como no agroneg�cio?
Vemos isso como algo positivo. A compet�ncia se estabelece na concorr�ncia. � s� lembrarmos das experi�ncias extremamente negativas que tivemos com prote��o de mercado d�cadas atr�s. Quando o Brasil n�o se desenvolveu dentro daqueles setores, como no setor de eletr�nica, ficamos para tr�s. At� hoje n�s pagamos o custo de ficarmos tantos anos protegidos. Ent�o, num primeiro momento, mesmo que se tenha uma concorr�ncia bastante acirrada, a concorr�ncia internacional estabelece compet�ncia. Est� na hora de o Brasil estabelecer essa compet�ncia. Se n�s quisermos aumentar as nossas exporta��es, obrigatoriamente n�s temos que aumentar as importa��es. Esse � o jogo bruto do mercado internacional. N�o podemos dar uma m�o sem receber p ela outra. Caso contr�rio, a coisa n�o funcionar� e n�s continuaremos a ser esse participante quase que insignificante dentro do com�rcio mundial. Apesar de ter crescido muito as exporta��es do agro, se a gente somar as exporta��es brasileiras como um todo, somos um representante completamente irrelevante, e fora do grande jogo mundial do com�rcio.
Uma das grandes cr�ticas que se faz �s exporta��es brasileiras � que o pa�s aumentou muito as vendas de commodities, mas n�o agregou valor �s exporta��es. Como resolver isso?
N�o concordo com o tom pejorativo que se d� � exporta��o de commodities. O mundo se alimenta de commodities e ainda vai se alimentar por muitos e muitos anos. Ent�o, dizer que um produto � dispens�vel ou de baixo valor, eu n�o concordo com essa afirma��o. � afirma��o de quem n�o conhece o mercado. A quest�o de agregar valor internamente, e n�o exportar a mat�ria-prima, � decorrente de acordos internacionais e da abertura do seu mercado. Um exemplo � o caf�. Enquanto somos os maiores produtores de caf� do mundo, � a Alemanha que ocupa a primeira posi��o no ranking dos maiores exportadores de caf�, sem plantar um �nico p� de caf�. Os alem�es importam caf� do mundo inteiro, fazem os blend adequados e reexpor tam. J� o Brasil n�o pode fazer isso porque, pela lei, somos proibidos de importar caf�. Assim, n�o conseguimos fazer um caf� sol�vel de alta qualidade, que requer um blend com muitos tipos de caf�. E a� os produtores de c�psulas, que fazem caf�s ‘blendados’ no mundo inteiro, v�o estabelecer as suas ind�strias em outros pa�ses e n�o aqui no Brasil.
Ent�o a sa�da seria rever essa pol�tica de veto � importa��o?
Todo o modelo de crescimento de exporta��o, de internacionaliza��o do pa�s e de eleva��o do grau de qualidade da produ��o nacional, depende da competi��o. Essa competi��o vem do mercado externo. Ou seja, vamos ter que nos abrir para o mercado industrial, no mercado de registros principalmente, e se abrir para a competi��o. De uma forma geral, de todos os setores da economia brasileira, o que mais abriu nos �ltimos anos foi o setor agr�cola, mas ainda tem muito que abrir. Existem bilh�es e bilh�es de d�lares l� fora esperando o momento certo para ser investidos no Brasil. A gente precisa melhorar esses entraves de prote��o e tamb�m discutir, de forma mais moderna, a quest�o de investimento estrangeiro no Brasil. Proibir estrangeiros de investir em terras no Brasil � um contrassenso monstruoso. Cabe a n�s fazer regula��o adequada do nosso espa�o territorial e n�o proibir que venha capital para investir no desenvolvimento do nosso pa�s.