O processo de reestrutura��o global da ind�stria automobil�stica que fez da Ford do ABC paulista sua primeira v�tima no Brasil j� levou ou levar� em breve ao fechamento de pelo menos 20 f�bricas, a maior parte na Europa e nos EUA. Em busca de receitas para aplicar em tecnologias e produtos para atender a uma nova demanda de consumidores, as multinacionais est�o se desfazendo de opera��es deficit�rias ou de baixo retorno financeiro. Novas baixas v�o ocorrer nos pr�ximos anos.
O efeito sobre o emprego ser� "brutal", diz o presidente da Associa��o Europeia de Fabricantes de Ve�culos (Acea), Carlos Tavares, tamb�m presidente da francesa PSA Peugeot Citro�n.
Segundo ele, s� neste ano, foram anunciadas 30 mil demiss�es. Para Tavares, as mudan�as est�o sendo feitas r�pido demais para atender as novas legisla��es, principalmente, nos pa�ses europeus.
Paralelamente, as montadoras se preparam para acompanhar as mudan�as tecnol�gicas se juntando a empresas que dominam mais o tema. Na �ltima d�cada, adquiriram 443 startups em especial dos setores de manufatura 4.0, eletrifica��o, compartilhamento e conectividade.
Um exemplo � a General Motors, que vai fechar dez f�bricas na Am�rica do Norte, �sia e Austr�lia. Por outro lado, investiu em 44 startups, das quais 22 ligadas � eletrifica��o e manufatura digital, segundo estudo da consultoria KPMG.
No Brasil, ap�s concluir negocia��es com governos, funcion�rios, revendas e fornecedores para reduzir custos, a GM anunciou, semana passada, novo plano de investimento de R$ 10 bilh�es.
Em janeiro, a presidente mundial da empresa, Mary Barra, disse que n�o continuaria investindo na Am�rica do Sul "para perder dinheiro" e exigiu a volta da lucratividade este ano.
Para o economista e s�cio da MB Associados, Jos� Roberto Mendon�a de Barros, "a ind�stria automobil�stica mundial passa por um furac�o e trava uma luta pela sobreviv�ncia".
O que impressiona, diz ele, � que o setor enfrenta quatro amea�as simult�neas: a posse do carro j� n�o � desejo de muitos jovens; o modelo de neg�cios deixa de ser s� de produ��o e venda de carros e inclui presta��o de servi�os; a mudan�a do motor a combust�o para os el�tricos e, depois, aut�nomos; e o uso maior da tecnologia embarcada. "S�o quatro linhas de mudan�as globais definitivas que exigem desafio gigantesco".
Ociosidade
Al�m de atender a uma nova demanda voltada a utilit�rios-esportivos (SUVs) e picapes, e no m�dio e longo prazos � produ��o voltada a el�tricos e aut�nomos, o movimento de reestrutura��o tenta aliviar a alta ociosidade das f�bricas.
Dados da PricewaterhouseCoopers (PwC) mostram que, neste ano, 41,8 milh�es de ve�culos v�o "sobrar" nas f�bricas de todo o mundo (ver quadro). Desse total, 2 milh�es s�o no Brasil, onde a ind�stria tem capacidade para 5 milh�es de ve�culos.
No mundo, as montadoras t�m capacidade para 139,7 milh�es de autom�veis e comerciais leves, mas a produ��o prevista para este ano � de 98 milh�es. A ociosidade de 40% come�ar� a regredir at� chegar em 28% em 2025.
Ainda assim, haver� "sobra" de 32 milh�es de ve�culos, pois a capacidade produtiva continuar� crescendo, ainda que em ritmo menor. Segundo Mendon�a de Barros, mesmo sem o fen�meno dos el�tricos e aut�nomos, que exigir� profunda mudan�a no jeito de se produzir ve�culos, "teria de ocorrer uma concentra��o porque h� mais f�bricas do que demanda, no Brasil e no mundo".
Novo neg�cio
"H� uma necessidade das grandes fabricantes de se reposicionarem para um ambiente de neg�cios muito diferente do atual", afirma Ricardo Bacellar, diretor da KPMG. "Elas precisam buscar novos neg�cios para oferecer servi�os de mobilidade e, para crescer numa �rea precisa tirar de outra."
No caso da Ford, a decis�o da matriz foi abandonar a produ��o de sed�s e focar em SUVs e picapes, modelos mais atraentes ao consumidores e mais lucrativos. Tamb�m desistiu dos caminh�es, o que levar� ao fechamento da f�brica do ABC.
"Infelizmente estamos vendo a ind�stria automotiva mundial num processo de reestrutura��o, com fechamento de unidades, o que � muito preocupante", diz Valter Sanches, secret�rio-geral do IndustriALL, entidade que re�ne 608 sindicatos de 140 pa�ses. "O impacto vai muito al�m dos trabalhadores e suas fam�lias, pois impostos deixam de ser arrecadados, o que � ruim para os pa�ses."
Al�m do Brasil, a Ford fechar� f�bricas em v�rios pa�ses. Em 2018, o grupo fez uma alian�a global com a Volkswagen para o desenvolvimento de picapes, vans e novas tecnologias.
Trabalho de pai para filho
Tomas Ormundo tinha um ano quando o pai, migrante rec�m-chegado da Bahia, conseguiu emprego na Ford como supervisor de manuten��o e l� trabalhou por 30 anos at� se aposentar. Ele sempre admirou o trabalho do pai e, aos 20 anos, seguiu seu caminho e ingressou na montadora como mec�nico de manuten��o.
Hoje, aos 51 anos, � analista de processos e teme a demiss�o. � com seu sal�rio e o da mulher, Alessandra, que consegue manter o sustento da fam�lia, da casa e da escola dos quatro filhos: Rafaela, de 9 anos, os g�meos Pedro e Maria J�lia, de 10, e Isabela, de 19.
Toda a fam�lia, quando pode, acompanha Ormundo nas manifesta��es contra o fechamento da f�brica e pela manuten��o dos empregos dos cerca de 3 mil funcion�rios diretos e 1,5 mil terceirizados. "Conversamos abertamente com as crian�as sobre a situa��o e elas sabem dos problemas que podemos ter."
Segundo o Sindicato dos Metal�rgicos do ABC, o sal�rio m�dio dos funcion�rios � de R$ 6 mil, similar ao de outras montadoras da regi�o.
Quem tamb�m seguiu o exemplo do pai - oper�rio da Ford por 18 anos - e do tio - na empresa h� 28 anos - � o montador Ramon Voga, de 38 anos. Formado em Farm�cia, trabalhou por sete anos na �rea, mas sonhava em produzir carros. Em 2008, conseguiu a vaga e, desde ent�o, vinha crescendo profissionalmente. "Eu amo o que fa�o", diz. "A not�cia do fechamento chocou a todos, pois muitos sonhos ser�o interrompidos." Pai de g�meas de 3 anos, Voga teme pela perda de renda e diz que a dire��o da empresa � desrespeitosa com os trabalhadores da forma como est� agindo.
Jailson dos Santos, de 48 anos, trabalhou em tr�s f�bricas da Ford nos �ltimos 24 anos. Come�ou em 1995 na unidade de fundi��o em Osasco (SP), que fechou as portas tr�s anos depois. Foi transferido para a de caminh�es no bairro do Ipiranga, onde ficou at� 2001, quando a Ford vendeu a �rea e concentrou a produ��o em S�o Bernardo. Hoje, teme pelo que vem pela frente, pois n�o h� mais chance de transfer�ncia. "Se perder esse emprego dificilmente consigo outro igual", diz.
Ele mora em Carapicu�ba (SP) com a m�e e tr�s irm�os, um deles especial. "Me preocupo muito, pois pago caro por um conv�nio bom para ele e, sem trabalho, o impacto nas despesas ser� grande." As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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