As desigualdades sociais do Rio inspiraram o economista americano Glen Weyl, pesquisador da Microsoft e da Universidade Princeton, a desenvolver parte das ideias do livro Mercados radicais, em coautoria com Eric Posner, professor da Escola de Direito da Universidade de Chicago. No livro, cuja tradu��o brasileira acaba de chegar �s livrarias pela Companhia das Letras, os autores defendem um aprofundamento radical da economia de livre mercado, por meio da cria��o de um sistema de "leil�o perp�tuo" que, no extremo, mudaria completamente a concep��o de propriedade privada.
No sistema, cada bem (edif�cios, f�bricas, lojas, lotes de terra, etc.) teria seu pre�o corrente declarado. Quem desse um pre�o maior por eles poderia tomar sua posse. Os leil�es seriam conduzidos por meio de aplicativos para celulares baseados em configura��es-padr�o. Leis definiriam regras b�sicas. O sistema tornaria a propriedade privada, em larga medida, p�blica, j� que os bens � volta de cada um se tornariam, parcialmente, de todos.
O economista, que morou no Rio por tr�s meses em 2007, est� no Pa�s para lan�ar o livro. Confira a entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo:
O livro prop�e o "radicalismo de mercado" para contrapor o "fundamentalismo de mercado", como chama a vis�o tradicional de que os mercados devem ser fortalecidos, com menos interven��o estatal. Quais os problemas do fundamentalismo de mercado?
O fundamentalismo de mercado destruiu os mercados. Criamos a internet, todos pensavam que isso iria abrir tudo para muita competi��o e, agora, temos o Facebook e o Google, que provavelmente t�m mais poder do que qualquer outra organiza��o na hist�ria humana. Eles controlam de duas a tr�s horas, na m�dia, do tempo de cada pessoa mundo afora. Isso � a vers�o mais extrema de planejamento central (modelo econ�mico do Bloco Sovi�tico) que j� vimos e foi criada pelo "livre mercado".
O fundamentalismo de mercado leva ao monop�lio?
A ideia de que podemos simplesmente deixar o sistema de propriedade privada com o qual estamos acostumados funcionar e que isso levar� a competi��o e produtividade no benef�cio dos mercados � completamente ing�nua.
Como o Rio inspirou as ideias do livro?
O Rio � uma cidade t�o impressionante. � a cidade mais bonita do mundo, na minha opini�o. E, ao mesmo tempo, tem algumas das mais extremas e vis�veis desigualdades do mundo. Voc� vira a cabe�a em um lado do Leblon e v� a Rocinha em cima do morro. Ao mesmo tempo, voc� v� no Leblon poucas casas para as pessoas pobres que trabalham na �rea. Tudo � alocado para o prop�sito errado. Isso me fez pensar que tem de haver uma forma melhor de alocar a terra, que poderia ser tanto mais igualit�ria quanto tamb�m permitir que se fa�a melhor uso de todos os recursos em volta.
� vi�vel colocar em pr�tica o sistema de leil�es proposto no livro?
Queremos desenvolver as ideias gradualmente, num processo de experimenta��o, por meio de startups, de experimentos em pequena escala. E isso j� est� acontecendo. Em todos os lugares h� gente experimentando com essas ideias. No Chile, tem gente pensando em fazer isso com recursos naturais. Nos EUA, com o espectro (de ondas de r�dio, concedido pelos governos). Isso n�o vai come�ar com as casas das pessoas no Rio ou nas favelas, mas vai come�ar em espa�os de coworking, onde se pode alugar espa�os de trabalho nesse modelo. Poderia come�ar em desenvolvimentos imobili�rios comerciais, em trabalhos de arte, em endere�os de internet.
Como funciona o sistema?
Qualquer um pode pagar o pre�o que a pessoa que det�m o bem no momento publicou, mas a pessoa tem de pagar um imposto sobre o pre�o publicado. Ent�o, isso impede que a pessoa publique um valor muito alto. Esse sistema foi originalmente proposto para o Chile, por Arnold Harberger, um economista famoso de Chicago.
J� que voc� citou o Chile e Harberger, as reformas liberais que o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, prop�e n�o s�o baseadas no "fundamentalismo de mercado"?
Os "Chicago boys" foram originalmente para o Chile porque Arnold Harberger era casado com uma chilena. A proposta original dele n�o era privatiza��o, era essa ideia de leil�o cont�nuo para a propriedade privada. Ele prop�s isso em 1962, dez anos antes da ditadura (o regime liderado por Augusto Pinochet assumiu em 1973). Foi s� mais tarde que (o economista liberal da Universidade de Chicago) Milton Friedman veio, quando j� havia a ditadura, quando os neg�cios estavam no poder. Eles (os "Chicago boys") foram para essa vers�o (das reformas), que teve alguns benef�cios para o Chile, mas foi muito desigual e deu muito poder para um n�mero pequeno de pessoas. A vers�o original e correta da ideia de Chicago, na verdade, distribui o poder, faz as coisas mais livres no mercado e levanta o dinheiro necess�rio para distribuir o valor igualmente entre os cidad�os.
E quais as consequ�ncias de se aplicar, no Brasil de hoje, reformas como as que o Chile de fato fez?
Se n�o se controlar a competi��o, n�o se garantir que as coisas sejam constantemente realocadas para novos usos, chega-se a grandes monop�lios. E provavelmente esses monop�lios ser�o controlados pelo n�mero pequeno de fam�lias que tradicionalmente tiveram o poder no Brasil. Isso � muito perigoso, porque reduz a inova��o e o potencial empreendedor. Foi o que aconteceu na R�ssia.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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ECONOMIA
'Economia de mercado pode criar monop�lios'
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