Vinte e cinco anos depois do genoc�dio que exterminou pelo menos 800 mil dos seus 7 milh�es de habitantes e na sequ�ncia mandou para o ex�lio parcela consider�vel de sua for�a de trabalho, Ruanda vive hoje em ritmo de crescimento acelerado - 8,9% de 2017 para 2018. Por motivos �bvios, tem 60% da popula��o abaixo dos 30 anos e um dos parlamentos mais femininos do mundo (64% de mulheres na C�mara e 40% no Senado). � ainda considerado um dos lugares mais seguros da �frica e tamb�m um dos mais est�veis politicamente.
Reeleito em 2017, o presidente, Paul Kagame, ex-l�der rebelde da Frente Patri�tica de Ruanda (FPR), est� no terceiro mandato e � alvo de cr�ticas de analistas internacionais ap�s um referendo de 2015 tornar poss�vel sua reelei��o por mais duas vezes. Com isso, ele pode tentar garantir a perman�ncia no poder at� 2034.
"O renascimento de Ruanda ap�s a trag�dia do genoc�dio espanta o mundo", afirma a escritora Scholastique Mukasonga, que perdeu praticamente toda a fam�lia durante os massacres. "Ruanda se tornou modelo para os pa�ses africanos. O visitante constata o desenvolvimento econ�mico, a luta implac�vel contra a corrup��o, o lugar que as mulheres t�m. A seguran�a que reina em Kigali (capital) leva as grandes empresas a estabelecerem l� suas sedes. Ruanda sonha ser a pequena Cingapura africana."
Plano
A transi��o de um pa�s arrasado para uma pot�ncia local, por�m, ainda est� em curso. Em 6 de abril de 1994, com a derrubada do avi�o do presidente hutu, Juv�nal Habyarimana, o plano de exterm�nio dos tutsis, etnia minorit�ria que havia governado o pa�s desde pelo menos o s�culo 18 at� 1959, foi colocado em pr�tica. Grupos de assassinos armados com fac�es e machetes tomaram as ruas, incitados pelo novo governo. Estima-se que tr�s em cada quatro tutsis, entre homens, mulheres e crian�as, foram massacrados em cem dias, al�m de 30 mil hutus moderados.
Relatos e fotos de corpos amontoados em igrejas, escolas e hospitais - ou simplesmente deixados nas ruas - chocaram o mundo, mas n�o foram suficientes para mover a comunidade internacional. Em vez de intervir, a ONU retirou 90% dos seus 2,5 mil homens do pa�s logo ap�s o in�cio das matan�as.
O massacre s� acabou em julho de 1994, quando o ex�rcito rebelde tutsi comandado por Paul Kagame tomou Ruanda e instituiu novo governo. "Ignorou-se o objetivo pol�tico da manuten��o do poder pelos hutus, naturalizando o conflito, ao defini-lo como tribal, com ra�zes de �dios ancestrais e, por isso, quase imposs�vel de ser resolvido", afirma Leila Leite Hernandez, professora de Hist�ria da �frica e Diretora do Centro de Estudos Africanos da USP.
Reconstru��o. Pol�ticas de reconcilia��o, em um esfor�o de reconstru��o do pa�s, vigoram at� hoje. Desde 1994, � vetada a diferencia��o entre hutus e tutsis - carimbada nas c�dulas de identidade a partir de 1926 pelos colonizadores belgas - e a Constitui��o de 2003 pro�be a apologia e a nega��o do genoc�dio. Grupos de apoio a assassinos e sobreviventes promoviam, at� pouco tempo atr�s, sess�es p�blicas de perd�o.
Nas escolas, cursos sobre genoc�dio foram incorporados ao curr�culo nacional, do ensino secund�rio � universidade, apesar de n�o haver uma s� fam�lia que n�o tenha vivido os horrores de 1994, de um ou outro lado.
"Pensei muitas e muitas vezes que morreria", lembra a escritora Immacul�e Ilibagiza, que passou mais de 90 dias escondida com outras sete mulheres em um banheiro de 1,20 metro por 1 metro. Com exce��o de um irm�o, perdeu toda a fam�lia.
Levar justi�a �s v�timas tamb�m n�o foi tarefa f�cil. Ao fim do genoc�dio, restavam vivos 5 ju�zes e cerca de 50 advogados em todo o pa�s. O Poder Judici�rio teve de ser reconstru�do. Em 2002, o governo reabilitou as cortes "gacaca", instrumento de resolu��o de conflitos anterior ao colonialismo. De acordo com Jean Damascene Bizimana, secret�rio executivo da Comiss�o Nacional de Luta contra o Genoc�dio, 1,9 milh�o de casos foram analisados dessa forma em 10 anos, resultando em 500 mil presos - 10% ainda cumprem pena. "Os tribunais lan�aram as bases para a paz, a reconcilia��o e a unidade de Ruanda", diz.
Os mandantes dos crimes ficaram com o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (ICTR, na sigla em ingl�s), criado pela ONU em novembro de 1994. Em 2015, quando encerrou os trabalhos, havia julgado 93 pessoas e condenado 64. Foi a primeira Corte internacional, desde Nuremberg, a condenar um chefe de Estado por genoc�dio (o primeiro-ministro Jean Kambanda, sentenciado � pris�o perp�tua em 1998), o primeiro tribunal a considerar estupro e viol�ncia sexual como formas de perpetra��o de genoc�dio e tamb�m o primeiro a julgar o papel da m�dia na incita��o das matan�as.
"O tribunal trouxe justi�a �s v�timas e aos sobreviventes, acusando indiv�duos e ouvindo os poderosos relatos de mais de 3.500 testemunhas que asseguraram que a comunidade internacional nunca esquecer� o que aconteceu em Ruanda", diz o juiz Vagn Joensen, presidente da Corte internacional de 2007 a 2015 e hoje juiz do Tribunal Residual da ONU.
Todo esse esfor�o por reconcilia��o chega renovado �s novas gera��es. Ruandesa que mora no Brasil desde os 3 anos, Axana Uwimana, de 25, resume: "As pessoas simplesmente s�o o que s�o, hutus, tutsis, n�o tem diferen�a. Para o ruand�s, ele � apenas isso: ruand�s".
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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ECONOMIA
Ruanda, da barb�rie a modelo africano
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