Os 100 primeiros dias do governo Jair Bolsonaro (PSL) serviram para ajustar expectativas em rela��o � economia, expuseram as dificuldades de articula��o pol�tica entre Executivo e Legislativo para tirar propostas e reformas do papel e revelaram contradi��es internas em torno da agenda liberal capitaneada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. As conclus�es sa�ram do semin�rio "100 dias do Governo Bolsonaro", promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo e pelo Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Getulio Vargas (Ibre/FGV) nesta sexta-feira, 12, no Rio de Janeiro.
Criticada, a decis�o do governo de impedir a Petrobras de aplicar reajuste no pre�o do diesel, tomada na noite de quinta-feira, 11, foi citada como exemplo das contradi��es em torno da agenda liberal. "Essa decis�o foi uma surpresa, foi totalmente contra a pol�tica liberal do governo", afirmou, num dos pain�is do semin�rio, o pesquisador do Ibre/FGV Fernando Veloso, doutor em economia pela Universidade de Chicago.
Para o pesquisador, o ministro da Economia "surpreendeu positivamente" ao montar uma equipe "muito mais coesa do que se esperava", mas a��es como o reajuste do diesel exp�em as contradi��es. Veloso citou tamb�m o perd�o de d�vidas com o Funrural - o governo lan�ou um programa de parcelamento de d�bitos com a contribui��o previdenci�ria do setor, que deu um desconto de R$ 15 bilh�es, e um projeto de lei capitaneado pela bancada ruralista no Congresso Nacional pretende perdoar toda a d�vida, de R$ 17 bilh�es.
Na vis�o de Veloso, as medidas podem ser uma rea��o a grupos da sociedade que apoiaram Bolsonaro na campanha, linha de an�lise tamb�m seguida por outro participante do semin�rio, o pesquisador Samuel Pess�a, tamb�m do Ibre/FGV.
Pess�a v� nos interesses corporativos de grupos organizados, como no caso dos caminhoneiros que pedem por controle nos pre�os do diesel e dos produtores rurais, o maior obst�culo � agenda liberal no Pa�s. "A agenda liberal no Brasil � a agenda de enfrentamento dos interesses corporativos e particulares", disse o pesquisador.
Em seus coment�rios no painel, Pess�a desenhou um cen�rio "sombrio sem ruptura" para a economia brasileira, em que, ap�s a aprova��o tardia de uma reforma da Previd�ncia com impacto fiscal desidratado, a atividade econ�mica ficaria estagnada com crescimento de 1% a 2% ao ano.
"A minha impress�o � que a gente vai para uma estagna��o nos pr�ximos anos. N�o sei se � 1% ou 2% (de crescimento econ�mico ao ano). A pergunta � se com uma (reforma da) Previd�ncia med�ocre teremos uma ruptura", disse o pesquisador, respondendo, em seguida, que n�o v� ruptura na economia, ou seja, uma volta da recess�o, por causa de uma s�rie de "amortecedores" de uma eventual crise mais profunda.
Amortecedores
Entre os "amortecedores", Pess�a citou o fato de ser feita "alguma reforma" na Previd�ncia, o elevado n�vel de reservas cambiais, a regra do teto de gastos p�blicos, que impediria uma eleva��o exagerada dos gastos, e a infla��o baixa, tanto corrente quanto nas expectativas.
Infla��o baixa deixaria as taxas de juros nas m�nimas hist�ricas, o que, ao lado de devolu��es antecipadas da d�vida do Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES) com a Uni�o, seguram o ritmo de expans�o da rela��o entre d�vida p�blica e Produto Interno Bruto (PIB).
A expectativa de que a proposta de reforma da Previd�ncia enviada pelo governo federal ao Congresso ser� aprovada foi consensual entre os palestrantes do semin�rio. Muitos previram, por�m, que o formato final ap�s a aprova��o ter� impacto fiscal inferior ao R$ 1,1 trilh�o em dez anos proposto e que a tramita��o ser� longa.
Reforma da Previd�ncia
Para os pesquisadores S�lvia Matos e Bruno Ottoni, tamb�m do Ibre/FGV, o governo deveria ter se empenhado em aprovar uma vers�o mais simples da reforma da Previd�ncia, como a proposta pelo governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). A ideia seria destravar as demais reformas ainda necess�rias para recuperar a confian�a e fazer deslanchar a economia.
"Ser� que n�o seria mais f�cil ser menos ambicioso e votar a reforma do governo Temer e virar a p�gina e dar prosseguimento �s outras reformas?", ponderou Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre.
Para Ottoni, a prorroga��o dos debates sobre o tema pode fazer com que a reforma proposta pelo governo Bolsonaro n�o apenas se estenda mais tempo do que o desejado, como ainda chegue ao fim do ano "desidratada".
Na vis�o de Manoel Pires, pesquisador do Ibre/FGV e integrante da equipe do Minist�rio da Fazenda no segundo governo Dilma Rousseff, o governo Bolsonaro erra ao focar no impacto fiscal de em torno de R$ 1 trilh�o em dez anos.
Em vez disso, seria melhor abordar a necessidade de uma reformula��o da Previd�ncia para manter a sustentabilidade do bem-estar da popula��o. O pesquisador criticou a forma como o governo Bolsonaro enviou a proposta para as mudan�as na previd�ncia dos militares. "Foi um tiro no peito da reforma da Previd�ncia", disse Pires.
Ajuste de expectativas
O coordenador da Economia Aplicada do Ibre/FGV, Armando Castelar, lembrou que o principal movimento de "ajuste de expectativas" nos primeiros 100 anos de governo se deu nas proje��es de crescimento do PIB. O pesquisador destacou que a mediana das proje��es saiu de 2,5% na virada do ano para 2,0% ap�s as trocas de farpas p�blicas entre Bolsonaro e o presidente da C�mara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
"Quando come�a um governo, temos uma ideia parca do que vai acontecer. Os 100 primeiros dias servem para afinar as expectativas", afirmou Castelar.
No campo da pol�tica, a op��o do governo Bolsonaro por rejeitar as articula��es tradicionais do sistema presidencialista de coaliz�o poder� tornar ainda mais dif�cil a aprova��o de mat�rias no Congresso ou, num cen�rio extremo, levar � queda do governo, na avalia��o do cientista pol�tico Carlos Pereira, professor da Escola Brasileira de Administra��o P�blica e de Empresas (Ebape/FGV).
Segundo Pereira, o sistema pol�tico brasileiro "j� deu provas" de que � capaz de "dar cabo" de presidentes que n�o atendem � expectativa de seguir as regras tradicionais do sistema, citando os impeachments dos ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Outra possibilidade, segundo o cientista pol�tico, � a falta de articula��o com o Legislativo "encarecer" o custo da negocia��o pela aprova��o de mat�rias de interesse do governo. Isso porque, explicou Pereira, o sistema presidencialista de coaliz�o tem como regras tradicionais o uso de "moedas de troca", leg�timas e legais, em nome de obter apoio, como a libera��o de emendas parlamentares no Or�amento e a divis�o de poder na burocracia com a nomea��o para cargos estrat�gicos.
A aprova��o, na C�mara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tornou obrigat�ria a execu��o das emendas parlamentares ao Or�amento, segundo Pereira, � uma rea��o do Legislativo � falta de negocia��o por parte do governo. Com a medida, a "moeda de troca" da libera��o das emendas fica prejudicado.
"O governo est� contrariando a natureza do sistema. Ou esse sistema vai inflacionar o pre�o do apoio, incorporando as moedas tradicionais como dadas, ou o pr�prio sistema vai dar um jeito de se livrar desse corpo estranho", afirmou Pereira.
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ECONOMIA
100 dias de governo exp�em dificuldades de articula��o, avaliam economistas
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