"Presidente da Terra Telecomm, em 2011: 180 meses na pris�o; presidente da Ports Engineering, em 2009: 87 meses na pris�o". A lista � apresentada por Emir Calluf Filho aos executivos do grupo em um slide. � o come�o de um tratamento de choque. Ali est�o os nomes de dirigentes de empresas americanas e as penas que cada um recebeu nos Estados Unidos. Todos eram acusados de corrup��o. Calluf Filho fala de corda em casa de enforcado: ele � desde dezembro de 2017 o diretor de compliance da J&F;, a holding de Joesley Batista e de sua fam�lia. Em um ranking brasileiro de tempo atr�s das grades de grandes executivos, Joesley ocuparia o sexto lugar, com seis meses preso.
Na plateia, alguns anotam as informa��es. Calluf Filho justifica o tratamento. "Ningu�m mais quer acordar com a Pol�cia Federal na sua porta", diz. O executivo chefia uma departamento com 40 pessoas e administra um or�amento de R$ 50 milh�es, que gastou em 2018 outros R$ 100 milh�es em sete investiga��es internas no grupo.
Em 2014, a JBS gastava menos de R$ 1 milh�o por ano em compliance e empregava 3 pessoas na �rea. "N�o havia compliance corporativo estruturado coordenando todas as a��es das empresas do grupo", afirma. A partir do acordo de leni�ncia da empresa com o Minist�rio P�blico Federal (MPF), com multa de R$ 10,3 bilh�es a ser paga em 25 anos, Calluf Filho diz que "a J&F; passou por uma revolu��o".
"Foi s� em decorr�ncia dos feitos da Opera��o Lava Jato que n�s come�amos a ver as empresas verdadeiramente se assustando. E a� tivemos essa onda de compliance se iniciando", afirma o advogado Otavio Yazbeck, monitor aprovado pelo MPF e pelo Departamento de Justi�a Americano (DoJ) do acordo de leni�ncia da Odebrecht.
O investimento em �tica nas empresas s� aconteceu depois da porta arrombada pela Pol�cia Federal (PF) e das perdas bilion�rias com a queda do valor de suas a��es, rupturas de contratos, multas e acordos de leni�ncia e degola de diretores. Ao todo, as empresas j� fecharam acordos na Justi�a e com os governos no Brasil e no exterior para pagar multas e indeniza��es que somam R$ 37 bilh�es.
B�nus
Cinco anos ap�s o come�o da Lava Jato, algumas das principais empresas atingidas passaram n�o s� a gastar milh�es com compliance e empregar centenas de pessoas para garantir a �tica nos neg�cios, mas at� a condicionar o pagamento de b�nus dos executivos ao cumprimento de metas de integridade. Estas passaram a responder por at� 50% das gratifica��es pagas no caso da J&F;, 30% na Odebrecht. A BRF tamb�m adotou o sistema, com um peso no bolso dos executivos semelhante.
"N�s olhamos sempre as dela��es de nossos executivos de forma muito fria para saber o que podemos fazer para garantir que o passado n�o volte a acontecer", conta Olga Pontes, chefe do compliance da Odebrecht. Todo executivo da empresa, do diretor ao estagi�rio, tem um programa de a��o, com "metas tang�veis". As metas de integridade respondem por 5% a 30%, dependendo da grau hier�rquico do funcion�rio - quanto mais alto, maior o corte. Uma falha de seguran�a, sa�de ou meio ambiente em um setor espec�fico, dependendo da gravidade, pode afetar o b�nus da empresa toda.
Assim tamb�m � na BRF. Ela viu suas a��es ca�rem 20% ap�s a Opera��o Carne Fraca, perdendo quase R$ 5 bilh�es em valor de mercado. A BRF contratou em julho de 2018 o engenheiro mecatr�nico Reynaldo Goto, que deixou a dire��o do compliance da Siemens. "As falhas de compliance primeiro afetam a �rea onde ocorreu. Mas podem afetar toda a empresa, caso a imagem dela seja atingida", afirma.
A Petrobr�s prev� o b�nus de compliance s� para os funcion�rios do setor. A estatal criou sua Diretoria de Governan�a e Conformidade em 2015, com 257 funcion�rios no setor. Quatro anos depois, o or�amento dele cresceu 55% e o n�mero de empregos chegou a 443. Mas n�o � s� or�amento e dinheiro que mostram o boom do compliance.
Na J&F;, Calluf Filho se orgulha de seu canal de den�ncias aberto para os funcion�rios poderem relatar irregularidades de forma an�nima. S�o 200 a 250 den�ncias por m�s. Cerca de 3% delas geram puni��es propostas por seu setor que v�o da advert�ncia � demiss�o. Na Petrobr�s, houve 15 demiss�es, 83 suspens�es e 184 advert�ncias. As empresas investem ainda em treinamento. No �ltimo da Petrobr�s, 47 mil empregados fizeram. A J&F; informa ter treinando seus 240 mil funcion�rios.
H�, no entanto, riscos de retrocesso. Para Goto, as empresas est�o mudando. "Mas o outro lado (o corrupto) continua pedindo. Basta ver as estat�sticas da Controladoria Geral da Uni�o de demiss�es de funcion�rios", diz. Mesmo com isso, Calluf Filho afirma que o processo n�o tem volta. "Em cinco anos, quem n�o for �tico estar� fora do mercado. N�o vai sobreviver."
Odebrecht estende o monitoramento
A Odebrecht e o Minist�rio P�blico Federal decidiram estender por um ano o monitoramento do acordo de leni�ncia da empresa no Brasil. Previsto para durar 2 anos, ele podia ser prorrogado por um ano. Em comum acordo, a empresa decidiu usar essa possibilidade - nos EUA, o acordo dela com o Departamento de Justi�a tem prazo de tr�s anos.
No primeiro � feito o diagn�stico da situa��o, no segundo, os testes e no terceiro a certifica��o dos processos de controle. Um dos principais problemas enfrentados pelo monitoramento na empresa foi a perman�ncia de integrantes da dire��o comprometidos com o passado. O afastamento deles est� sendo conclu�do.
Para especialistas, risco � programa �para ingl�s ver�
Um dos principais problemas do setor de compliance no Brasil � quando o trabalho � feito para "ingl�s ver". Essa � a opini�o de especialistas, como o respons�vel pelo monitoramento do acordo de leni�ncia da Odebrecht, Ot�vio Yazbeck, e o ex-chefe global de compliance da AB Inbev, Martim Della Valle, hoje fundador da Zenith Source, empresa de tecnologia para compliance.
Para Yazbeck, n�o basta gastar dinheiro com funcion�rios, prever est�mulos e treinamentos se o conselho da empresa n�o fiscalizar e participar ativamente do processo. "O problema � o conselho achar que pagou e est� resolvido, que eu comprei o mais caro e o que tinha de melhor e n�o vou ter problema."
Para Della Valle, h� planos de compliance que n�o captam todos os riscos operacionais de cada empresa, o que os torna, em parte, apenas para "ingl�s ver". Na AB Inbev, ele desenvolveu programas contra pr�ticas anticoncorrenciais a fim de detectar a a��o de distribuidores que desrespeitassem as normas. Sua empresa atual desenvolve de jogo para treinamento a programas para detectar falhas de fornecedores e de funcion�rios.
Para o coordenador da for�a-tarefa da Lava Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, a Lava Jato e a Lei Anticorrup��o obrigaram as empresas a mudar. Ele acredita que esse processo vai se aprofundar por meio da participa��o de entidades de cada setor da economia.
A��o provoca efeito cascata em fornecedor
A onda do compliance nas empresas criou um efeito cascata que atingiu tamb�m os fornecedores. A J&F;, por exemplo, chegou a barrar 30% deles em raz�o de riscos corporativos detectados. "Eu quero saber se quem est� envolvido com nenhum tipo dela��o ou esc�ndalo est� negociando conosco. E isso tem um impacto enorme no Pa�s inteiro, pois n�s temos uma lista de fornecedores de mais de um milh�o de parceiros e eles minimamente t�m de aceitar nossas regras de �tica.", diz Emir Calluf Filho.
A J&F; mudou ainda o funcionamento de sua tesouraria. "No passado tinha muita coisa que era feita para gerar caixa com pagamento em dinheiro de clientes. A gente eliminou pagamento em dinheiro aqui."
Para Reynaldo Goto, diretor da BRF, para analisar fornecedores � preciso investir em tecnologia. "Meu tempo de an�lise de um parceiro de neg�cios era de 2 semanas. Hoje, no melhor dos casos, consigo analisar o parceiro em duas horas", afirma. Mais de 10% dos fornecedores s�o barrados na BRF pelo compliance.
J� a Petrobr�s decidiu que nenhum executivo da empresa faz contrata��es sozinho. As decis�es s�o colegiadas. Segundo Rog�ria Gieremek, da comiss�o anticorrup��o e compliance, da Ordem dos Advogados do Brasil, e chefe global de compliance da Latam, decis�es colegiadas s�o uma forma de atuar nas empresas para evitar que problemas aconte�am. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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