A taxa b�sica de juros da economia est�, j� h� algum tempo, no seu patamar mais baixo da hist�ria. Mesmo assim, os bancos brasileiros continuam no topo quando o assunto � spread banc�rio, a diferen�a entre o que as institui��es pagam para captar dinheiro e o que cobram quando o emprestam. E uma das explica��es para isso, segundo especialistas, pode estar numa �rea em que o Brasil � um dos piores do mundo: a recupera��o de cr�dito.
Uma compara��o internacional feita em artigo assinado pelos economistas Vitor Vidal, da LCA Consultores, e Marcel Balassiano, do Ibre/FGV, mostra que, ao mesmo tempo em que tem o segundo maior spread banc�rio do mundo (atr�s apenas de Madag�scar), o Brasil est� entre os piores pa�ses em termos de recupera��o judicial de cr�dito. Segundo dados do Banco Mundial, por aqui, apenas US$ 0,13 s�o recuperados de cada US$ 1 emprestado - a metodologia do banco considera o valor recuperado quando h� execu��o de d�vidas. A m�dia mundial est� em US$ 0,34 por US$ 1. Essa baixa recupera��o de cr�dito impacta diretamente os custos administrativos dos bancos, um dos componentes do spread.
O pr�prio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, j� demonstrou preocupa��o com o tema, relacionando os juros altos ao consumidor com a dificuldade de se recuperar o dinheiro emprestado.
Segundo economistas e advogados ouvidos pelo Estado, os custos administrativos dos bancos sobem quando h� dificuldades em reaver recursos emprestados, seja no cr�dito a empresas, no cr�dito pessoal ou no financiamento � compra de bens, como im�veis, carros e eletrodom�sticos. Ao gastar mais com isso, as institui��es financeiras repassam o custo em forma de juros mais elevados ao cliente final.
Quando se compara o ranking de recupera��o de cr�dito com o de spread banc�rio, tamb�m com dados do Banco Mundial, � poss�vel verificar que os pa�ses com a menor taxa de recupera��o s�o tamb�m aqueles com os maiores spreads. No Jap�o, pa�s com o menor spread do mundo, s�o recuperados US$ 0,92 a cada US$ 1. Assim como o Brasil, Madag�scar, que registra o maior spread, est� entre os piores na recupera��o de cr�dito (US$ 0,11 a cada US$ 1).
Para Vidal e Balassiano, autores do artigo, a correla��o entre baixa recupera��o judicial de cr�dito e spread elevado "mostra como a seguran�a jur�dica em caso de calote afeta diretamente os custos administrativos para emprestar".
Prote��o
Ricardo Gama, s�cio da �rea de insolv�ncia e reestrutura��o do escrit�rio Veirano Advogados, v� uma dificuldade geral para executar d�vidas na Justi�a brasileira, que se deve tanto a problemas na legisla��o quanto no Judici�rio. Nas leis, por exemplo, h� prote��o � penhora das contas sal�rio e ao im�vel que seja o �nico da fam�lia. "Nos Estados Unidos e na Europa, quando um im�vel est� hipotecado e o devedor deixa de pagar, perde o bem em semanas ou poucos meses. No Brasil, � sempre demorado", disse.
No Judici�rio, para o advogado, o problema estaria numa cultura de julgar com olhos na "justi�a social", protegendo o devedor, mas deixando de lado os efeitos econ�micos das decis�es. No caso da execu��o de d�vidas atrasadas, o efeito � o encarecimento dos juros para todos.
Procurada, a assessoria de imprensa do BC informou que tem atuado para reduzir os juros ao cliente final por meio da Agenda BC+. A agenda j� tem 41 a��es conclu�das, desde seu lan�amento, em 2016. O BC lista 13 a��es para baratear o cr�dito - 11 foram conclu�das, como a simplifica��o das "regras dos recolhimentos compuls�rios" e a "revis�o do sistema de cart�o de cr�dito".
Para Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban, entidade que representa os bancos, al�m da baixa taxa de recupera��o de cr�dito em atraso e da dificuldade para executar garantias, o spread elevado � resultado de "uma s�rie de coisas", incluindo a tributa��o elevada.
'Paguei quase o dobro do que pedi emprestado'
A cuidadora de idosos e camareira de hot�is Cleide Cristina Pereira dos Santos, de 45 anos, pegou um empr�stimo de R$ 8 mil em 2013 para investir na serralheria que tinha com o ex-marido, ap�s fazer um registro de microempreendedor individual (MEI) para administrar o neg�cio. O cr�dito seria dividido em 36 presta��es de R$ 500.
Ap�s pagar seis parcelas, Cleide ficou sem condi��es de quitar a d�vida, por causa de uma trag�dia familiar. O ent�o marido (hoje falecido), tinha problemas com �lcool e passou a n�o dar conta do servi�o, ap�s o neg�cio ter dado certo por 15 anos.
Com o registro de MEI em seu nome, Cleide foi ao banco e tentou renegociar a d�vida. Segundo seu relato, ofereceu R$ 3 mil para quitar o d�bito, mas o banco n�o aceitou.
A sa�da foi dar calote. At� que, em 2015, ela foi procurada por uma empresa de cobran�a oferecendo a quita��o da d�vida por R$ 380. Cleide aceitou e diz que guardou toda a documenta��o da negocia��o.
No ano passado, Cleide foi procurada por outra empresa de cobran�a, que alega que a d�vida n�o foi quitada e hoje est� em R$ 9 mil.
Com o nome negativado, Cleide entrou com a��o judicial contra as empresas e o banco em agosto passado. O caso se arrasta e est� na fase de recursos. "N�o tive a oportunidade de renegociar. N�o tinha como pagar", conta ela.
A cuidadora de idosos, atualmente desempregada, acha que n�o consegue emprego em parte porque est� com o nome sujo. Ela reclama do Judici�rio alegando que j� sofreu do outro lado: a serralheria perdeu uma a��o trabalhista movida pela �nica funcion�ria registrada no MEI, segundo Cleide de forma injusta, e teve de pagar R$ 8 mil de indeniza��o.
Arrependido
O engraxate Odair Jos� Monteiro dos Reis, de 43 anos, quitou no m�s passado a d�cima e �ltima parcela de um financiamento de R$ 958 que fez no ano passado e do qual se arrependeu - o empr�stimo seria para pagar um tratamento m�dico do filho, mas no fim das contas n�o foi necess�rio.
Para o engraxate, que trabalha com carteira assinada numa loja no Centro do Rio, os juros s�o muito altos. Reis afirma que pagou as dez presta��es de R$ 188 em dia, ou com poucos dias de atraso, mas s� n�o deu calote porque a religi�o evang�lica n�o permite. "� feio isso, mas vontade deu", diz Reis, que pagou quase o dobro do que pediu emprestado. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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