A publicit�ria abriu uma creche para c�es, a assistente social voltou a ser cabeleireira e a analista financeira agora � caixa de supermercado. A crise, cujos efeitos ainda s�o profundos no mercado de trabalho, fez crescer o n�mero de brasileiros que conclu�ram a faculdade, mas que hoje ocupam fun��es que n�o exigem forma��o superior. Eles at� est�o trabalhando, mas o diploma foi parar na gaveta.
N�o � pouca gente. Dados do segundo trimestre da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad) Cont�nua, do IBGE, mostram que 30%, pouco menos de um ter�o, dos trabalhadores com ensino superior estavam ocupando fun��es que n�o demandam uma forma��o universit�ria.
Outra pesquisa, divulgada em agosto pela ag�ncia de recrutamento de executivos Robert Half, indica que 92% dos desempregados com gradua��o aceitariam retornar ao mercado por sal�rio e posi��o inferiores. A propor��o � a mais alta da hist�ria do levantamento, que est� em sua oitava edi��o.
Quando a publicit�ria Lorena Costa, de 30 anos, perdeu o emprego, h� dois anos, n�o teve d�vida: transformou o trabalho espor�dico, de tomar conta de cachorros em casa com an�ncios em aplicativos especializados, em sua principal fonte de renda. Ela fez cursos de especializa��o em adestramento, para se destacar entre os cuidadores e hoje, chega a receber dez c�es por vez em seu apartamento.
"A demiss�o foi a oportunidade de empreender. Deu para transformar voca��o em uma forma de ganhar dinheiro. Antes de ser demitida, n�o cheguei a ganhar R$ 5 mil de sal�rio. Hoje, faturo at� R$ 8 mil por m�s. Por outro lado, s� consigo folgar dois dias por m�s e mal tenho vida social", diz.
Realidade distorcida
Segundo an�lise da consultoria iDados, dos 17,6 milh�es de trabalhadores formais ou informais graduados, 5,2 milh�es estavam nessa situa��o no trimestre encerrado em junho. Antes da recess�o, em 2014, eram 3,2 milh�es de graduados, ou 25%. Com a crise e o baque no mercado de trabalho, esse grupo tem crescido um ponto porcentual a cada ano.
Os dados mostram que o mercado de trabalho do Pa�s, durante os anos de crise, tem acumulado ainda mais distor��es. No caso da assistente social Aline Morais, de 29 anos, at� havia vagas, mas o excesso de pessoas procurando emprego fez o sal�rio oferecido ser menor do que aquele que ela ganhava antes de se formar, trabalhando como cabeleireira.
"Terminei a faculdade e fiz mais dois cursos de p�s-gradua��o em seguida. S� apareceram vagas pagando a metade do que eu ganhava antes. N�o me arrependo de ter feito o curso, mas n�o penso em exercer a profiss�o por enquanto", afirma. Ela tamb�m usa aplicativos e vai at� a casa dos clientes.
Para Fernando Mantovani, diretor geral da empresa de recrutamento Robert Half no Brasil, com a incerteza na economia, as empresas est�o esticando processos seletivos. Al�m da falta de oportunidades, o trabalhador encara um per�odo mais longo de entrevistas. "Isso faz os candidatos olharem postos menores, para solucionarem o problema da falta de dinheiro. Mesmo que a solu��o seja tempor�ria."
O exemplo da administradora de empresas Kelly Nascimento, de 43 anos, � radical. Ela foi demitida do cargo de analista s�nior de sistemas de um banco, ap�s 15 anos no mercado financeiro. Tentou montar um neg�cio de bolos com as irm�s, que n�o foi adiante. No come�o do ano, com d�vidas e o marido tamb�m desempregado, aceitou trabalhar como caixa de um hipermercado em S�o Paulo. Ganhava R$ 12 mil. Hoje seu sal�rio � de R$ 1,2 mil.
"N�o podia esperar. No in�cio fiquei muito triste. Sem desmerecer ningu�m e nenhum trabalho, mas eu havia atuado em grandes institui��es, tenho gradua��o e duas p�s, coordenava projetos e pessoas. Foi dif�cil me ver atr�s de um caixa", afirma Kelly, que faz bolos para completar o or�amento.
O trabalhador superqualificado para a fun��o � algo t�pico de crises estruturais, como esta, diz Clemente Ganz L�cio, do Departamento Intersindical de Estat�sticas e Estudos Socioecon�micos (Dieese). "A economia n�o sair� do buraco com a precariza��o do emprego."
Para o Brasil conseguir gerar empregos que demandem n�vel superior, s� com a reindustrializa��o, afirma o economista da Universidade de Bras�lia (UnB) Jos� Luiz Oreiro. "Uma economia baseada em servi�os de baixa produtividade s� vai gerar motoristas de Uber."
"� fundamental que o governo retome as obras de infraestrutura, que aumentariam a demanda por profissionais mais qualificados. Enquanto isso n�o acontecer, a procura por esses trabalhadores vai continuar deprimida", diz Oreiro.
Diploma na gaveta
� verdade que o desemprego de quem tem forma��o universit�ria, de 7% no segundo trimestre, � mais baixo do que o da m�dia da popula��o (12%), mas a situa��o dos brasileiros com maior qualifica��o s� piorou nos �ltimos cinco anos. E quanto mais jovem, mais dif�cil de conseguir uma coloca��o de n�vel superior.
� o que apontam os n�meros da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad) Cont�nua, do IBGE.
A crise acabou matando as melhores vagas, de qualifica��o mais alta, afirma a pesquisadora da iDAdos, Ana Tereza Pires. "A oferta de trabalho bem remunerado e de maior qualidade caiu e o trabalhador, que tinha acabado de se formar e estava tentando entrar no mercado depois da crise, foi obrigado a competir com os mais experientes que perderam o emprego."
Ela diz que, apesar de a oferta de brasileiros com n�vel universit�rio ter aumentado antes da crise, sobretudo pelos programas de financiamento e de bolsas de estudo, � a baixa demanda por esses profissionais que explica essa situa��o.
A desocupa��o de quem tem n�vel superior aumentou quase quatro pontos porcentuais desde 2014, antes da recess�o.
Os dados da Pnad Cont�nua, compilados pela consultoria tamb�m apontam que os trabalhadores mais jovens, que costumam ser os mais fr�geis nas rela��es de trabalho, s�o tamb�m os que mais sofrem neste caso.
Entre os trabalhadores com forma��o superior e idades entre 25 e 34 anos, 34% estavam em fun��es, formais ou informais, que exigiam qualifica��o mais baixa. Para os que s�o mais velhos, esse porcentual varia entre 26% e 28%.
A contadora Mariana da Silva Gomes, de 28 anos, aprendeu a ser manicure ainda durante a faculdade. O of�cio ajudava a se manter enquanto estudava, mas ao tentar procurar um emprego na �rea cont�bil, ela percebeu que as poucas vagas que apareciam pagavam menos.
"Fui procurar emprego na �rea e eles ofereciam R$ 1.000 para quem j� estava formado. No sal�o, eu ganhava o dobro. Gostei de ter feito o curso e fazer faculdade era um sonho, mas n�o pretendo voltar para a �rea. Com o que ganho hoje, consegui reformar a casa. Trabalho tr�s semanas seguidas por m�s, sem registro, mas estou feliz por estar trabalhando."
Com a crise, tamb�m cresceu a propor��o de rec�m-formados no ensino superior que n�o conseguiu um trabalho, aponta o Departamento Intersindical de Estat�stica e Estudos Socioecon�micos (Dieese).
Em 2014, 8% deles estavam desocupados ap�s a conclus�o dos cursos e outros 13% nem tentavam procurar trabalho. Cinco anos depois, eram 14% e 15%, respectivamente. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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