
S�o Paulo – Os �ltimos seis meses foram de intenso trabalho para Mauro Correia, presidente da revendedora, importadora e fabricante de ve�culos Caoa. Desde que a Ford anunciou o fechamento da f�brica de S�o Bernardo do Campo, no ABC Paulista, em fevereiro passado, Correia esteve � frente de uma dif�cil negocia��o: a compra da planta da montadora americana.
Depois de muitas idas e vidas – e o risco real de a transa��o n�o sair – o projeto ser� finalmente anunciado na tarde de hoje, com a presen�a de executivos da Caoa e do governador de S�o Paulo, Jo�o Doria. Trata-se de uma data hist�rica: a Ford mant�m a unidade de S�o Bernardo do Campo desde 1967 e, nos �ltimos 50 anos, consolidou-se como uma das grandes montadoras do pa�s. Agora, por valores estimados em R$ 1 bilh�o, a planta ser� administrada pela Grupo Caoa.
Presidente da Caoa desde dezembro de 2016, Correia nunca liderou um projeto t�o complexo. Negociar a transfer�ncia do controle da unidade significou sentar na mesa com representantes do Sindicato dos Metal�rgicos do ABC, autoridades do governo paulista e executivos da Ford. Com seu perfil discreto e moderado, Correia foi um dos respons�veis pelo desfecho bem-sucedido da negocia��o.
Na entrevista a seguir, concedida antes do t�rmino das tratativas, o executivo faz um diagn�stico do mercado brasileiro, avalia o avan�o das reformas, destaca o papel delas para a retomada do crescimento e diz qual ser� o futuro da ind�stria automobil�stica em geral e de sua empresa em particular.
A ind�stria automobil�stica serve como um term�metro da pujan�a econ�mica de um pa�s. Considerando a import�ncia do setor, qual � a sua avalia��o sobre o momento do Brasil?
Sofremos uma crise muito forte nos �ltimos anos, e com a mudan�a de governo, o otimismo melhorou muito. J� estamos vendo a��es em todas as esferas que s�o importantes para o pa�s. Ainda n�o estamos em um crescimento substancial, mas a economia j� est� se movimentando, a roda est� come�ando a girar. Isso tamb�m � vis�vel na ind�stria automobil�stica.
H� algum ind�cio mais concreto da retomada?
A �rea de caminh�es, por exemplo, normalmente retrata o crescimento da economia. Voc� precisa gerar riquezas para poder transportar. E as vendas de caminh�es tiveram um crescimento substancial. Quando olhamos a parte de ve�culos, autom�veis e comerciais leves, o crescimento acumulado de janeiro a julho est� em torno de 11%. A estimativa para este ano, para uma ind�stria que, em 2018 produziu 2,5 milh�es de unidades, � de 2,9 milh�es. Ainda est� longe do que foi nosso pico, de 3,6 milh�es de unidades, em 2013, mas acho que j� mostra uma consist�ncia no crescimento, que vem desde 2017. O que � positivo nisso, quando voc� v� o crescimento da ind�stria automobil�stica, � que a base de suprimentos no Brasil tamb�m � muito grande. O setor no pa�s � muito robusto. A grande maioria dos fornecedores internacionais est� no Brasil. Temos empresas brasileiras que s�o multinacionais. Isso faz com que a economia gire em uma cadeia produtiva grande.
No geral, os resultados est�o dentro das expectativas ou as proje��es eram melhores?
Est�o dentro do estimado mesmo, de crescimento de 10% a 15%. Mas precisamos trabalhar para ter uma venda mais saud�vel, vender muito mais no varejo. Temos que colocar a ind�stria para fabricar, temos que fazer volume para reduzir custos.
"Ainda n�o estamos em um crescimento substancial, mas a economia j� est� se movimentando, a roda est� come�ando a girar. Isso tamb�m � vis�vel na ind�stria automobil�stica"
A expectativa no in�cio do ano estava muito relacionada � aprova��o da reforma da Previd�ncia. Que outros fatores influenciaram o cen�rio econ�mico?
Sobre a Previd�ncia, os empres�rios e analistas estavam mais otimistas quanto ao per�odo de aprova��o, mas ela j� est� quase l�, o que � muito positivo. Essa � uma reforma muito importante, porque ajuda na confian�a dos empres�rios e investidores com o Brasil. Outro ponto importante que vejo � que j� est� se discutindo uma reforma tribut�ria, que � fundamental para termos um sistema racional, que deixar� o pa�s mais competitivo.
Como a reforma tribut�ria vai melhorar a situa��o da ind�stria automobil�stica?
Primeiro, acredito que ela vai trazer uma condi��o melhor para o crescimento do pa�s. Isso ajudar� n�o s� a ind�stria automobil�stica, mas toda a base industrial brasileira. Voc� vai trazer novos investidores, vai colocar mais dinheiro dentro do pa�s, vai ter mais investimentos produtivos.
Com esse cen�rio, quanto tempo o setor vai precisar para retomar os n�veis pr�-crise?
Para voc� voltar a um per�odo pr�-crise, de 3,6 milh�es de unidades produzidas, ainda leva uns tr�s ou quatro anos. Mas o modelo de volume come�a a se modificar um pouco. Voc� come�a a ter um movimento maior de loca��o de ve�culos, de meios de mobilidade diferentes pelas cidades. Precisamos tamb�m come�ar uma reinven��o para chegar mais pr�ximo do consumidor, que passou a ter uma vis�o diferente de como fazer sua mobilidade nos grandes centros. N�o vai depender s� da economia, mas tamb�m de como a ind�stria automobil�stica se redesenha, se recria para se encaixar nesse novo momento.
A Caoa tem uma parceria com a fabricante chinesa Chery. Como voc� v� a guerra comercial entre Estados Unidos e China?
Os dois pa�ses precisam achar uma solu��o, entrar em acordo para minimizar o ambiente de avers�o ao risco dos investidores.
H� ainda um preconceito do consumidor brasileiro em rela��o aos ve�culos chineses?
Acho que tinha. Se voc� olhar o desempenho da Caoa Chery do ano passado para c� estamos crescendo mais de 250%. J� estamos superando marcas que est�o h� 18 anos no mercado brasileiro. Isso mostra que essa avers�o ao carro chin�s vem desaparecendo.
Como?
Por um trabalho muito �rduo e consistente que estamos fazendo, como a presta��o de servi�os ao consumidor. Dedicamos uma aten��o muito forte ao relacionamento com o consumidor e temos um acompanhamento do p�s-venda muito r�gido. Quando o consumidor faz uma reclama��o, ele n�o fica sem resposta, sem solu��o. E era isso que prejudicava as marcas chinesas. Porque n�o tinha p�s-venda, n�o tinha pe�a de reposi��o.
Qual o impacto da guerra comercial para os neg�cios da Caoa?
� ruim, porque boa parte de toda a mat�ria-prima que se utiliza � cotada em d�lar. Mesmo com componentes produzidos no Brasil, ainda tem uma porcentagem disso que � em d�lar, que voc� precisa acertar, tem que reajustar. E isso faz com que os produtos aumentem de custo.
A situa��o pol�tica na Argentina, que � uma grande parceira do setor automobil�stico brasileiro, preocupa?
Impacta na retomada da produ��o. A Caoa, especificamente, n�o exporta para a Argentina, mas a crise no pa�s impacta na produ��o nacional. Acredito que a Argentina vai achar seu caminho, sempre foi um parceiro muito forte do Brasil. Mas, ao mesmo tempo, o Brasil vem buscando outros parceiros e j� vem fazendo outros acordos bilaterais, como com M�xico e Col�mbia, e tem a discuss�o com a Uni�o Europeia indo para frente. O que precisamos, al�m desses acordos, � fazer as reformas necess�rias para tornar o pa�s mais competitivo.
"Desde o ano passado, a Caoa Chery est� crescendo mais de 250%. Superamos marcas que est�o h� 18 anos no mercado brasileiro. Isso mostra que a avers�o ao carro chin�s vem desaparecendo"
Voc� falou em necessidade de renova��o do setor. A economia compartilhada � uma amea�a para a ind�stria automobil�stica?
Existem sempre os ciclos de renova��o tecnol�gica. Hoje, o pr�prio ve�culo est� sofrendo mudan�as, seja na forma de conduzir, na disponibilidade de conforto que voc� d� para o consumidor, seja no seu sistema de propuls�o. Tamb�m fala-se muito de carro aut�nomo, da eletrifica��o do ve�culo, a forma de conectividade para trazer a informa��o adequada para o usu�rio. Isso � importante, porque voc� insere no setor outros participantes que n�o existiam antes, que s�o as empresas de tecnologia. Dito isso, acredito que o compartilhamento vai se tornar uma realidade. O sistema de aluguel de ve�culos est� cada vez mais forte. Voc� v� os jovens tirando carteira de motorista cada vez mais tarde. E o jovem pensando mais na mobilidade do que no produto em si, na posse dele.
Como conversar com esse consumidor que n�o tem mais o sonho do carro pr�prio?
Pelo meio mais adequado que eles se comunicam, que � o eletr�nico. Voc� tem que oferecer a esse consumidor aquilo que atende � necessidade dele de movimenta��o. Voc� j� v� consumidores que querem um tipo de ve�culo durante a semana e outro no fim de semana. Mas o que se discute muito � que isso � v�lido at� o momento em que esse jovem se casa e tem o primeiro filho. Porque a� o ve�culo passa a ser uma necessidade para ele. Ent�o, voc� come�a a criar necessidades diferentes, em momentos da vida diferentes. Mas uma coisa � fato: a mobilidade vai continuar existindo. � uma necessidade e o ve�culo sempre vai fazer parte dela. Voc� vai ter, talvez, uma forma diferente de comercializa��o, mas esse carro vai continuar tendo a necessidade de acompanhamento de servi�o, de reserva, entre outros.
Sobre carros el�tricos, quais os planos da empresa para o mercado brasileiro?
J� estamos preparando o nosso primeiro lan�amento no pa�s, que deve entrar em comercializa��o agora em setembro. E estamos trabalhando no desenvolvimento de outros produtos eletrificados. N�o necessariamente puro el�trico.
"O compartilhamento vai se tornar uma realidade. O sistema de aluguel de ve�culos est� cada vez mais forte. Voc� v� o jovem pensando mais na mobilidade do que na posse do produto em si"
Quando esses ve�culos v�o ter um pre�o mais acess�vel?
Quando aumentar o volume de produ��o. Com o desenvolvimento da tecnologia, que tem como principal foco a redu��o do custo da bateria. Isso j� vem ocorrendo. A tend�ncia � que os eletrificados fiquem com pre�os cada vez mais competitivos.
Existe alguma estimativa de tempo?
� dif�cil, porque a tecnologia hoje gira muito r�pido. Mas podemos apontar que, nos pr�ximos tr�s ou quatro anos, isso estar� muito mais competitivo. Hoje, o desenvolvimento tecnol�gico tem uma velocidade muito maior do que no s�culo passado. Mas o que vejo para o Brasil � que ainda vamos passar por uma fase que � a eletrifica��o por meio de ve�culos h�bridos e flex. O pa�s tem um combust�vel limpo, que � o �lcool, e acho que temos uma oportunidade muito grande de associar a eletrifica��o de ve�culos com motor a combust�o.