S�o Paulo – Nos �ltimos dias, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez uma s�rie de declara��es que sinalizaram que o d�lar caro veio para ficar. Guedes disse que n�o est� preocupado com a alta da moeda americana, destacou que o Brasil vive um “novo modelo de c�mbio” e afirmou que a valoriza��o do d�lar � boa para todo mundo. O ministro n�o deixou espa�o para d�vidas: o real depreciado � uma realidade que, por um bom tempo, n�o ir� mudar.
Ontem, a moeda americana fechou cotada a R$ 4,32, abaixo do recorde registrado na quarta-feira (12), de R$ 4,35, mas muito acima das proje��es feitas no in�cio do ano por diversas institui��es financeiras. Segundo especialistas, alguns fatores conjunturais explicam a escalada do d�lar. Em tempos de incertezas (epidemia de coronav�rus, guerra comercial entre Estados Unidos e China, risco de recess�o global), os investidores buscam ref�gio em moedas mais l�quidas, como � o caso do d�lar.
Outro aspecto que tem sido decisivo para a deprecia��o da moeda brasileira � a queda dos pre�os das commodities. No ano passado, os tr�s produtos mais exportados pelo Brasil foram soja, min�rio de ferro e petr�leo. Historicamente, as commodities respondem por 70% das exporta��es brasileiras, percentual que tem variado pouco nos �ltimos anos. Se os pre�os das commodities caem, os produtos nacionais acabam valendo menos e o real naturalmente se deprecia.
A valoriza��o do d�lar afeta, para o bem e para o mal, todos os setores da economia. Alguns se beneficiam. “O real desvalorizado tem um efeito positivo para o pa�s, porque torna os produtos nacionais mais competitivos para exporta��o”, diz Jos� Ricardo Roriz, presidente da Associa��o Brasileira da Ind�stria do Pl�stico (Abiplast). “Assim gira a roda da economia: a empresas produzem mais, a ociosidade diminui, novos empregos s�o gerados.”
O real desvalorizado tem um efeito positivo para o pa�s, porque torna os produtos nacionais mais competitivos para exporta��o
Jos� Ricardo Roriz,
presidente da Abiplast
Os exportadores s�o os maiores beneficiados. No setor de suco de laranja, 95% do que � produzido tem como destino o mercado internacional. “Logo, o c�mbio � uma vari�vel muito importante para o nosso neg�cio”, diz Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR. “Em linhas gerais, como apontou o ministro Paulo Guedes, um real mais fraco em rela��o ao d�lar � importante para o setor exportador. No nosso caso, por�m, a cadeia de valor � muito longa e vai da produ��o de parte da fruta at� o processamento, passando pela log�stica de exporta��o para diversos destinos no mundo. Significa, portanto, que boa parte dos custos est� em d�lar, o que em parte absorve os poss�veis efeitos de alta da moeda americana.”
Fernando Pimentel, presidente da Associa��o Brasileira da Ind�stria T�xtil e de Confec��o (Abit), diz que o d�lar apreciado tem um impacto duplo.“De um lado, aumenta a competitividade da ind�stria no seu vi�s exportador”, afirma. “De outro, encarece os investimentos e as compras de insumos.”
Os custos da ind�stria t�xtil, lembra o executivo, s�o bastante dolarizados (algod�o, produtos qu�micos), o que pode repercutir no pre�o final dos produtos. “J� no lado da confec��o, o impacto direto do d�lar � menor, porque a maior parte da sua agrega��o de valor se d� atrav�s de custos vinculados ao real”, diz Pimentel.
Duas faces
O presidente da Abit amplia a sua an�lise. “Do ponto de vista de m�dio e longo prazo, o d�lar de hoje reflete as condi��es de competitividade do pa�s”, afirma. “A moeda tem sempre duas faces. De um lado, voc� ganha. De outro, perde. O c�mbio atual, apesar de nos empobrecer, traz mais possibilidade de o Brasil superar, neste momento, as suas dificuldades sist�micas e trazer uma competitividade maior para a economia.”
Melhorar a competitividade da economia brasileira est� no centro das preocupa��es de l�deres de diversos setores. “Mais importante do que o d�lar a R$ 4 ou R$ 4,30 � a ind�stria brasileira ter condi��es ison�micas de competi��o no mercado internacional”, diz Milton Rego, presidente-executivo da Associa��o Brasileira do Alum�nio (Abal). “A alta cambial, na verdade, traz falta de previsibilidade, o que sempre se traduz em custo: ou a empresa adota uma atitude conservadora em rela��o ao caixa, ou tem de fazer contratos para tentar se proteger da valoriza��o da moeda americana.”
Empresas que t�m boa parte de seus custos diretos atrelados ao d�lar tendem a enfrentar maiores dificuldades. No setor farmac�utico, 95% da mat�ria-prima usada para a fabrica��o de medicamentos vem de fora. Segundo o Sindicato da Ind�stria de Produtos Farmac�uticos (Sindusfarma), o setor est� se preparando para absorver os aumentos, mas ser� dif�cil evit�-los se o d�lar subir demais.
'Mais importante do que o d�lar a R$ 4 ou R$ 4,30 � a ind�stria brasileira ter condi��es ison�micas de competi��o no mercado internacional'
Milton Rego,
presidente-executivo da Abal
Algumas empresas j� admitem inclusive que, se a moeda continuar acelerando, um reajuste de pre�os ser� inevit�vel. Em entrevista recente ao jornal O Estado de S.Paulo, Carlos Zarlenga, presidente da General Motors, disse que a alta do d�lar provavelmente obrigar� a empresa a reajustar o pre�o dos autom�veis. Segundo Zarlenga, 40% das pe�as de um carro de passeio s�o fabricadas no exterior.
As companhias a�reas tamb�m sofrem com a valoriza��o do d�lar. Na Gol, metade de seus custos est�o atrelados � moeda americana e mais de 40% de seu endividamento est� exposto a varia��es cambiais. Ou seja, se o c�mbio oscila demais, a empresa tem maiores dificuldades para controlar suas finan�as.
Viagens
Nenhum setor dever� sofrer mais com a alta do d�lar do que o turismo. Com a moeda americana valorizada, os destinos internacionais obviamente ficam mais caros. Segundo a Associa��o Brasileira de Ag�ncias de Viagens, por�m, o cen�rio atual � o mesmo dos �ltimos anos, com os destinos nacionais respondendo por 60% da procura e os internacionais por 40%.
Dados da Ag�ncia Nacional de Avia��o Civil (Anac), no entanto, indicam que os brasileiros est�o viajando menos para o exterior. Em 2019, as empresas a�reas transportaram 9,1 milh�es de passageiros para fora do pa�s, o que representa uma queda de 2,6% em rela��o a 2018.
Em dezembro, j� com o d�lar nas alturas, o cen�rio piorou. Foram embarcados 757,9 mil passageiros, 13,4% a menos do que no mesmo m�s de 2018.
Em 2002, d�lar era mais caro
Nos �ltimos dias, o d�lar quebrou seguidos recordes de valoriza��o. Na quarta-feira (12), fechou cotado a R$ 4,35, o maior valor da hist�ria. Trata-se, por�m, de um recorde apenas nominal – ou seja, n�o considera a corre��o pela infla��o.
Segundo um estudo realizado consultoria Econom�tica, especializada no mercado financeiro, um recorde real, levando em considera��o a infla��o do per�odo, s� seria batido caso a moeda americana atingisse o valor de R$ 10,81. Essa seria a cota��o correspondente ao valor do d�lar em 22 de outubro de 2002 (R$ 3,954), corrigido pela infla��o acumulada no Brasil e nos Estados Unidos desde ent�o.
Na �poca, o real se desvalorizou no embalo da elei��o de Lula � Presid�ncia, quando o mercado ainda n�o sabia qual seria a pol�tica econ�mica do petista e temia as a��es que pudessem ser tomadas pelo l�der petista. Al�m disso, o Brasil tinha menos reservas externas – ou seja, menos d�lares para cobrir as suas d�vidas.