
A pr�xima gera��o de energia � a habilitadora, ou seja, aquela que permite a voc� acessar outros produtos ou servi�os, sem fio, buraco na parede e tomada – pode, por exemplo, alimentar a quinta gera��o da telecomunica��o m�vel (5G) e conectar dispositivos por meio da internet das coisas (internet of things, ou apenas a sigla IoT). Isso, com custo pr�ximo de zero e de forma sustent�vel. Se voc� j� n�o paga mais uma conta de telefone fixo para a sua resid�ncia, talvez num breve futuro tamb�m deixe de receber o boleto da conta de luz. Como � poss�vel? Por meio de filmes fotovoltaicos org�nicos (OPV – do ingl�s organic photovoltaic), combinado com outras tecnologias.A iniciativa � daqui, a tecnologia desenvolvida � brasileira, temos de ter muito orgulho disso%u2019
“� a alternativa mais limpa para produ��o de energia solar e oferece como diferencial a flexibilidade para aplica��o em superf�cies de qualquer tamanho, formato e �ngulo”, disse Tiago Alves, CEO da mineira Sunew. O pernambucano j� passou pela empresa de tecnologia da informa��o IBM, operadora de telefonia Claro e uma das maiores companhias de propriedade intelectual do mundo, a ARM. Depois de um curso em administra��o de neg�cios (MBA) em Cambridge, no Reino Unido, em 2008, voltou ao Brasil, mais precisamente para Belo Horizonte, que, segundo ele, vivia um interessante momento de fomento � ind�stria.
Na gestora de investimentos Fir Capital, desbravou no pa�s o universo do chamado “venture building”– organiza��es que criam neg�cios usando as suas pr�prias ideias e recursos, rompendo com outros modelos de investimento de risco, como o de incubadoras e aceleradoras de startups. Um dos primeiros passos desse projeto foi a cria��o, no Centro de Inova��o e Tecnologia (CIT) da Federa��o das Ind�strias de Minas Gerais (Fiemg), em BH, e um centro de pesquisa aplicada privado, independente e sem fins lucrativos, o Csem Brasil, parte do ecossistema do Centro Su��o de Eletr�nica e Microtecnologia (Csem).
“Foi uma parceria que inspirou o nosso modelo de neg�cio, que nos abriu mercado. N�o tem a ver, portanto, com o desenvolvimento de tecnologia su��a. A iniciativa � daqui, a tecnologia desenvolvida � brasileira, temos de ter muito orgulho disso”, faz quest�o de frisar. O resultado dessa trajet�ria � a cria��o, em 2015, da Sunew, empresa que nasceu com o objetivo de reduzir o impacto ambiental provocado pela emiss�o de gases de efeito estufa e de revolucionar o modo como se consome energia, sendo hoje l�der global na produ��o desses filmes solares org�nicos. Nesta entrevista, conhe�a detalhes sobre essa energia do futuro e o futuro da energia.
Como surgiu a ideia da Sunew?
Na Fir Capital, quando iniciamos a estrutura��o da frente de Venture Building. O primeiro passo foi o grupo definir no que acreditava: investir em algo que pudesse mudar a vida dos filhos – que tivesse relev�ncia desenvolvimentista, econ�mica e de impacto social; em escala global, reunindo os melhores do mundo; que fosse compat�vel com a nossa capacidade de investimento. Estabelecidas as cren�as, definimos o qu� e como far�amos energia renov�vel. Naquela �poca, por volta de 2008, o Brasil tinha zero de penetra��o de energia solar, hoje s�o 2%. H� muito a desbravar. Come�amos pelo Csem, um laborat�rio de pesquisa antes mesmo de construir a empresa, onde reunimos profissionais de 18 nacionalidades. A Sunew nasceu ali, como uma spinoff (jarg�o da economia digital que se refere a uma empresa que deriva de outra). Deixamos de ser pesquisa e passamos a ser ind�stria, com a miss�o de levar a pr�xima gera��o de tecnologia em energia para o mundo.
Quais s�o as gera��es de energia e por que a pr�xima � um recado do Brasil para o mundo?
A gera��o 1.0 da energia se refere ao carv�o; a 2.0, f�ssil, como petr�leo e g�s; a 3.0 s�o os renov�veis, como vento e outros recursos naturais que n�o s�o limitados na natureza. J� a 4.0 � a face habilitadora da energia, sem fio nem tomada, a da internet das coisas (IoT), das smart cities (cidades inteligentes). A Sunew, empresa 100% brasileira, fabrica filmes fotovoltaicos com material org�nico e lidera mundialmente a capacidade produtiva dessa gera��o de energia solar. Tem capacidade de gerar 1 milh�o de metros quadrados por ano de filme fotovoltaico org�nico, o OPV. A Sunew tem a maior f�brica do mundo de OPV e 80% de marketshare (participa��o do mercado global). Al�m de n�s, h� uma empresa na Fran�a e outra na Alemanha. Havia uma no Jap�o, mas que fez associa��o com a gente. � um segredo industrial �nico, altamente valioso, n�o adquir�vel, que pode escalar a n�vel global.
O que s�o filmes fotovoltaicos org�nicos?
O OPV (do ingl�s organic photovoltaics) � a alternativa mais verde de gera��o de energia. � produzido com pol�meros org�nicos semicondutores, com uma combina��o de cinco camadas de tintas impressas em um filme flex�vel e recicl�vel. Os insumos utilizados s�o abundantes na natureza e de f�cil produ��o em laborat�rio. Difere das tecnologias anteriores devido � sua versatilidade: permite a aplica��o em qualquer superf�cie, de fachadas de vidro de edif�cios inteligentes at� mobili�rio urbano e ve�culos. Devido � sua leveza, flexibilidade, transpar�ncia com bloqueio de luz UV e infravermelha, e adaptabilidade a condi��es de ilumina��o adversas, o OPV integra projetos de arquitetura inovadores, sustent�veis e de alta qualidade.
Por que o OPV � transformador?
A alta tecnologia tem tr�s grandes pilares econ�micos que fazem com que ela seja transformadora frente �s tecnologias tradicionais: o material, o processo de produ��o e a versatilidade no uso. Pela primeira vez na hist�ria da humanidade, materiais conseguem transformar diretamente a energia mais limpa, abundante e barata, que � a do Sol, diretamente em eletricidade, com materiais que s�o 100% fabricados pelo homem, n�o t�xicos, recicl�veis e sem res�duos. At� ent�o, o efeito que transformava luz em energia el�trica, chamado efeito fotoel�trico, precisava de uma categoria de materiais semicondutores, que ocorrem na natureza, como o sil�cio, germano, c�dmio, e, portanto, precisam ser minerados, transportados, purificados. Agora, mol�culas e suas rotas de s�ntese s�o simuladas em computador e, assim, podem ser fabricadas em qualquer laborat�rio de qu�mica fina do mundo. At� a luz artificial � capaz de gerar energia.
Qual � o papel no contexto das tecnologias exponenciais?
Est� na alma da descentraliza��o da intelig�ncia, do sensoriamento, da comunica��o, da internet das coisas. A gente est� desenvolvendo, por exemplo, produtos para uma multinacional, presente em mais de 150 pa�ses, para levar a energia 4.0 para dispositivos dom�sticos e inteligentes. A sociedade come�a a pensar energia como servi�o: o interesse n�o seria comprar o filme fotovoltaico pelo custo mais baixo, mas sim pelo que a energia habilita. Afinal de contas, teremos incont�veis sensores espalhados em nossas casas. Como alimento todos eles? Teremos fios? Seriam incont�veis baterias? O OPV � capaz de gerar energia fora do buraco da parede, nos liberta das tomadas.
Haveria uma desmonetiza��o?
Hoje, j� tem tecnologia solar que custa R$ 0,07 o quilowatt/hora. Com o OPV s�o R$ 0,02, um custo perto de zero. O ponto principal n�o ser� o pre�o do quilowatt/hora, mas sim ter a disponibilidade de energia para novas demandas. A monetiza��o ser� de outra forma. Atualmente, se voc� est� perdido em uma cidade e precisa saber do hotel, a informa��o se d� por meio de poucos bytes, mas paga-se caro pela informa��o – o custo do seu plano de dados de internet, por exemplo. Do ponto de vista do or�amento dom�stico, praticamente n�o se paga mais uma conta de telefone fixo. S�o muitas transforma��es. A energia ser� cada vez mais barata e o importante ser� o que ela habilita, como um 5G onde n�o se tem cobertura.
Onde est� sendo aplicado?
Em tr�s grandes mercados: smart buildings (os chamados edif�cios inteligentes), como em fachadas e claraboias de shoppings; smart cities (cidades inteligentes), como em mobili�rio urbano; e mobilidade, que � a integra��o em ve�culos, a exemplo de �nibus, caminh�es e carros, n�o para alimentar o sistema de locomo��o, mas para automa��o, aumentando a autonomia dos sistemas eletr�nicos. Tudo isso � energia 4.0, a energia onde n�o existia. Os projetos de gera��o de energia solar executados por n�s nos shoppings Iguatemi e Morumbi, ou na Natura, ningu�m no mundo teria condi��es de fazer.
O que foi feito na Natura?
Instalamos 1.800 metros quadrados de OPV em um dos pr�dios da sede da empresa, em Cajamar, Regi�o Metropolitana de S�o Paulo. A instala��o, que utiliza o total de 1.580 pain�is, � a maior do mundo no momento. A tecnologia da Sunew foi escolhida por sua efici�ncia e o menor impacto no meio ambiente, al�m de design inovador das pel�culas, que possuem 1,5 mil�metros de espessura. Em um ano, o projeto chegar� a 73,4MWh de energia gerada – o que corresponde a uma produ��o energ�tica at� 40% superior ao esperado em instala��es de mesma pot�ncia composta por pain�is solares tradicionais. Essa energia � o suficiente para abastecer o dobro de toda a ilumina��o do pr�dio e das 160 posi��es de trabalho. A estimativa � que a energia gerada pelos pain�is contribua para evitar a emiss�o anual de 37 toneladas de CO2 – o equivalente ao consumo de 459 resid�ncias no Brasil em um m�s.
Como foi 2019 e quais as expectativas para 2020?
Multiplicamos por 15 o resultado do ano anterior, em faturamento. Vivemos um crescimento exponencial, onde o foco de crescimento est� no Brasil, Estados Unidos, Oriente M�dio e Jap�o. Mais do que isso, fechamos o ano podendo falar que temos reconhecidamente a solu��o para a pr�xima gera��o de energia, 80% de marketshare do mercado global, e a maior f�brica do mundo de OPV. Em 2020, o objetivo � continuar nossa expans�o geogr�fica, especialmente na Ar�bia Saudita. Estamos em negocia��o com a SaudiAranco, uma das maiores empresas do mundo (seu valor de mercado � de quase US$ 2 trilh�es), que em dezembro passado realizou o maior IPO (Oferta P�blica Inicial de A��es) da hist�ria (US$ 50 bilh�es), mas n�o podemos falar nada mais para al�m disso.
As atuais empresas de energia podem ser concorrentes?
A hist�ria se repete: n�o foi ningu�m grande de telecom que criou a internet, n�o tem nenhuma montadora de ve�culos que fez o que a Tesla faz. N�o significa que as empresas do setor de energia n�o est�o enxergando esse cen�rio, mas n�o t�m agilidade corporativa suficiente para inovar nesse sentido.
A solu��o vai ao encontro de quem busca ser mais sustent�vel?
Sustentabilidade n�o � mais marketing, � uma demanda da sociedade e dos acionistas, passou a ser exig�ncia do investidor. Em 2020, mais empresas perceber�o esse recado e, de fato, mudar�o seus processos. Algumas come�aram a entender que precisam fazer o certo no curto prazo, mesmo que tenham que abrir m�o de resultados – e est� tudo bem para todos os stakeholders.
O que falta para deslanchar o OPV?
Um desafio � a resist�ncia das empresas ao novo, ao pioneirismo, algumas preferem ser seguidoras. O desafio � quebrar o status quo, a in�rcia. O que existe hoje est� a� h� d�cadas. O OPV � vi�vel – diante das vantagens econ�micas, o investimento � marginal. Mas, como � uma nova categoria de produto, as pessoas acabam avaliando com os paradigmas das outras categorias que se conhece, que seriam os pain�is. Existe a necessidade de colocar tudo em uma caixinha e essa caixinha est� sendo criada s� agora. � mesmo complicado enxergar, nosso c�rebro � programado para n�o mudar paradigmas.