Na madrugada fria da periferia de S�o Paulo, um grupo de pessoas enfrenta pacientemente uma prova de resist�ncia que, para alguns deles, vai durar at� 16 horas. Em frente a uma ag�ncia da Caixa Econ�mica Federal, o sacrif�cio � pelo aux�lio emergencial de R$ 600 a R$ 1.200, concedido a brasileiros de baixa renda que ficaram sem sustento ap�s a crise desencadeada pelo novo coronav�rus.
A dona de casa Alexandra da Rocha, de 43 anos, virou lenda ali. Ao tentar ser atendida pela Caixa no dia anterior e ouvir do funcion�rio que ela tinha chegado tarde demais, n�o pensou duas vezes: voltou �s 18h, improvisou uma cama apoiada nas portas de vidro do pr�dio e decidiu que s� sairia dali no dia seguinte com seu dinheiro.
"A gente evita se queixar, mas n�o d� para entender o tamanho dessa fila. Se eles t�m os dados de todo mundo, se as pessoas j� sabem o nosso CPF e a gente j� foi aprovado para receber o aux�lio, como � que eles n�o conseguem pagar? O que n�s fizemos de errado?"
A fila da ag�ncia da Caixa no Graja�, zona sul de S�o Paulo, se repetiu por todo o Brasil nos �ltimos dias. Com o in�cio do pagamento do benef�cio, as portas das ag�ncias da Caixa viraram local de peregrina��o de um ex�rcito de brasileiros que viu a pouca renda que tinha sumir com a pandemia.
O objetivo, em geral, � conseguir driblar as burocracias que foram impostas para receber o benef�cio. A noite de sono de muitos deles tem sido trocada pela ida � ag�ncia para conseguir, por exemplo, um c�digo que serve para gerir a poupan�a virtual social aberta pela Caixa para o recebimento do benef�cio e, assim, poder sacar e movimentar os R$ 600.
"Isto aqui � uma humilha��o. At� as pessoas que passam de �nibus aqui em frente, na avenida, se espantam ao ver tanta gente aglomerada, quando todo mundo diz que n�o � para ficar desse jeito. Elas n�o acreditam que a gente possa ter de passar a noite aqui, se expor a todo tipo de risco, para ganhar o m�nimo para sobreviver", se emociona o desempregado Lucimar Costa, de 51 anos.
Os dez primeiros da fila, todos com mais de 40 anos e paci�ncia de sobra para virar a noite ali, de repente abandonam seus lugares e se juntam em um c�rculo, come�am a comparar quantas vezes tentaram usar o aplicativo da Caixa. "Parece que fizeram de um jeito para irritar quem precisa do dinheiro, at� a pessoa desistir. Voc� acha que algu�m iria dormir nesta cal�ada fria, por R$ 600, caso n�o precisasse muito?", questiona Costa.
Volte amanh�
Quando soube que a ag�ncia sempre distribui 200 senhas por dia para atendimento geral e 50 para preferencial, Luciana Dias, 19 anos, foi incumbida pela m�e de contar o n�mero de pessoas que j� estavam esperando na frente delas. "149, 150. Acho que vai dar. Parece pouco, mas para quem n�o est� ganhando nada os R$ 600 significam tudo."
Ao lado delas na fila, um grupo de jovens entregadores ouve funk para se distrair. As crian�as, que foram para acompanhar as m�es e que se conheceram ali, agora brincam como se fossem amigas de inf�ncia. "Quando a gente come�ou a brincar, a fila ainda estava pequena", conta uma delas.
Vitalina Santos, de 62 anos, ri quando algu�m pergunta se ela faz parte do grupo de risco da covid-19. "Fa�o parte de dois: o grupo dos idosos e o grupo dos que passam fome. Eu n�o tenho op��o. Voc� acha que o governo se importa com as pessoas que est�o dormindo nas filas? Eles nunca devem ter entrado numa fila."
Na ter�a-feira, o Brasil ultrapassou a China no n�mero de mortes por causa do novo coronav�rus. Ao ser instado a comentar o assunto por uma jornalista, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) respondeu: "E da�? Lamento. Quer que eu fa�a o qu�?"
"A gente quer � que eles deem um jeito de diminuir o sofrimento das pessoas. Ningu�m quer se expor sem necessidade ao v�rus, mas eles precisam fazer chegar o dinheiro nas nossas m�os", conta a vendedora Milena dos Santos, que deixou a filha na casa de amigos, para buscar atendimento.
Quando j� passa das 9h, faltando menos de uma hora para o in�cio do atendimento, o fim da fila j� se perde no horizonte, s�o pelo menos 400 pessoas. Ningu�m se espanta mais com ela dobrando a esquina - j� ocupa cinco quarteir�es da ladeira ao lado e metade n�o deve ser atendida at� o fim do dia. "Daqui a pouco, vai ficar mais barato vir morar de vez na frente da ag�ncia", diz a primeira da fila.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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