Abrir o pr�prio neg�cio est� entre os principais sonhos do brasileiro. Segundo o �ltimo relat�rio anual do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), divulgado em 2020 com dados de 2019 e realizado no Brasil pelo Sebrae e pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP), empreender ocupa o quarto lugar na lista de desejos, atr�s apenas de comprar um carro, viajar pelo Brasil e ter a casa pr�pria. Os efeitos da pandemia do novo coronav�rus, no entanto, que atingiram em cheio os pequenos neg�cios e j� tiraram o trabalho de milhares de brasileiros, prometem deixar um legado complicado para a nova gera��o de empreendedores no Pa�s.
De 2008 a 2019, o n�mero de brasileiros de 18 a 64 anos que tinham um neg�cio ou estavam envolvidos na cria��o de um pulou de 14,6 milh�es para 53,4 milh�es. Entre empreendedores em est�gio inicial - incluindo as startups, lado mais efervescente desse fen�meno, que ganhou tra��o nos �ltimos tempos com pol�ticas de incentivo e cria��o de disciplinas de empreendedorismo em cursos de gradua��o e p�s-gradua��o -, o relat�rio aponta que 26,2% resolveram abrir um neg�cio para "ganhar a vida porque os empregos s�o escassos", enquanto 1,6% tomou a decis�o para "fazer a diferen�a no mundo".
Para especialistas, o primeiro efeito da crise, dado o aumento do desemprego e a perspectiva de uma retra��o severa da economia brasileira, se d� na motiva��o do empreendedorismo. Dados do GEM apontam que, dos 55 pa�ses analisados, o Brasil est� entre os dez primeiros onde a falta de emprego � mais levada em conta para abrir um neg�cio.
Ser� que o sonho de empreender se tornar� um pesadelo? A inexist�ncia de fluxo de caixa, a dist�ncia do cliente e as proje��es nada animadoras de retomada da economia, que podem levar esta a ser a pior d�cada na hist�ria do Pa�s, colocam em xeque o ecossistema empreendedor.
"Empreender � relevante tanto na euforia quanto na depress�o econ�mica. Na euforia, muitos empreendem em fun��o de novas oportunidades. Na recess�o, por necessidade. Veremos nos pr�ximos meses muitas pessoas que perderam seus empregos sendo obrigados a abrir um neg�cio. O desafio � encontrar oportunidades nas necessidades", diz o professor de empreendedorismo do Insper Marcelo Nakagawa.
Em mar�o e abril, foram fechadas 1,1 milh�o de vagas com carteira assinada no Pa�s. Nos dados gerais, que incluem os informais, a taxa de desemprego chegou a 12,6%, e s� n�o foi maior porque o desalento (pessoas que desistiram de buscar ocupa��o) foi recorde. Dentre as vagas, cerca de 54% das posi��es formais no mercado s�o originadas pelas PMEs (pequenas e m�dias empresas), segundo o Sebrae.
"Olhando para o pr�ximo semestre, muita gente vai optar pelo empreendedorismo porque o mercado de trabalho n�o vai voltar completamente. Empreender vai ser uma sa�da para 2021 e 2022", afirma Gilberto Sarfati, professor da FGV EAESP.
Segundo o superintendente do Sebrae-SP, Wilson Poit, esse cen�rio deve provocar um aumento significativo no n�mero de microempreendedores individuais no mundo p�s-pandemia, com muitos profissionais aut�nomos, como personal trainers e arquitetos, tornando-se donos de suas pr�prias empresas. No �ltimo m�s, os MEIs chegaram a 10 milh�es no Pa�s.
Quem j� tem o pr�prio neg�cio em muitos casos tenta sobreviver. J� nas primeiras semanas da crise, 12% das pequenas empresas tinham demitido funcion�rios e 44% paralisaram atividades por conta da crise, segundo pesquisa do Sebrae realizada entre 7 de abril e 5 de maio.
Digitaliza��o 'a f�rceps'
Aplicativos para praticar exerc�cios, pedir comida, fazer compras de alimentos, de plantas ou roupas. Lives, aulas a dist�ncia, eventos 100% online, de festas de casamento a consultas m�dicas e terapia. Quem investiu na digitaliza��o da empresa ou se digitalizou a tempo, tem conseguido fazer parte do novo mundo criado p�s-pandemia.
"A crise do novo coronav�rus obrigou as empresas a serem mais �geis e inovadoras para buscarem novas formas de venda, presta��o de servi�o, intera��es com colaboradores, fornecedores e clientes. A pandemia fez com que elas tornassem suas opera��es mais digitais �a f�rceps�", diz o professor do Insper Marcelo Nakagawa.
Segundo o superintendente do Sebrae-SP, Wilson Poit, o tema digitaliza��o dos neg�cios � o segundo mais buscado pelos empreendedores nesses dois meses de crise, atr�s apenas de "como conseguir cr�dito". A entidade registra recordes de p�blico em lives (m�dia di�ria de 220 mil pessoas conectadas nas transmiss�es), consultorias agendadas (450 por dia) e atendimentos di�rios na central telef�nica (2.875), al�m de 230% de aumento no n�mero de pessoas que conclu�ram os cursos oferecidos.
Poit assegura que muitos dos empreendedores atendidos abriram seus neg�cios recentemente ou pensam em abrir a empresa no meio da pandemia. "Tem gente que tinha vontade de empreender e descobriu um nicho agora", completa.
Para Nakagawa, a pandemia marcar� o surgimento de novas necessidades de consumo e o retorno de antigas demandas. "Entre as novas, destaco a preocupa��o com a sa�de, com o auto-desenvolvimento e novos aprendizados. Entre as antigas, e encontrando-se uma solu��o eficaz para o combate ao novo coronav�rus, haver� maior demanda relacionada a indulg�ncias pessoais (viagens, alimenta��o, moda) e tamb�m a intera��o presencial com outras pessoas (eventos, happy hours, servi�os presenciais)."
De acordo com a quarta edi��o do estudo Monitor OIT: Covid-19 e o mundo do trabalho, realizado pela Organiza��o Internacional do Trabalho (OIT), mais de um em cada seis jovens deixou de trabalhar desde o in�cio da pandemia. Sobre a constru��o de carreira em um cen�rio pr�-pandemia, o relat�rio do GEM apontou que 'fazer carreira' est� na oitava posi��o na lista de desejos do brasileiro.
Para a coordenadora do FAAP Business Hub, Alessandra Andrade, os jovens universit�rios s�o os mais afetados pelas mudan�as nas rela��es de trabalho e, por isso, veem no empreendedorismo uma forma de aliar a forma��o universit�ria com prop�sito.
"O emprego, como os nossos pais conheceram, n�o vai existir mais. Um estudo da Foundation for Young Australians mostra que 70% dos empregos de entrada para os jovens v�o ser afetados pela automa��o. 60% dos estudantes est�o sendo treinados para empregos que ser�o mudados radicalmente", conta ela. "Os jovens v�o ter uma percep��o diferente da carreira. E a� entra o empreendedorismo, n�o s� para abrir um neg�cio, mas no comportamento, no protagonismo, na autorresponsabilidade. Vai ser uma hist�ria de carreira diferente para eles", finaliza.
Empreendedorismo desde a idade escolar
Para dar conta do desejo do empreendedorismo, carregado por muitos jovens desde cedo, universidades de todo o Pa�s inclu�ram nos �ltimos anos disciplinas de empreendedorismo em cursos de gradua��o e p�s-gradua��o. Em 2019, a Universidade Federal de S�o Carlos (Ufscar) adicionou m�dulos ao curso de bacharelado em Ci�ncia da Computa��o diante do desejo de alunos de criar as pr�prias startups.
Incubadoras e aceleradoras de neg�cios tamb�m fazem parte das instala��es de universidades pelo Pa�s, fomentando e suportando alunos empreendedores. Faculdades de Tecnologia (Fatecs) e Escolas T�cnicas Estaduais (Etecs) inclu�ram disciplinas de empreendedorismo para guiar os alunos. Atualmente, 185 cursos t�cnicos das Etecs trabalham compet�ncias empreendedoras, seja por meio de projetos, seja pela oferta de disciplinas espec�ficas. Nas Fatecs, 40 dos 80 cursos oferecidos trabalham o tema.
Com os holofotes na tecnologia, as startups tamb�m ganham proje��o nesse cen�rio. Em 2015, o Brasil tinha 4.151 startups. Atualmente, s�o 13.115, de acordo com a Associa��o Brasileira de Startups (ABStartups). Os especialistas ouvidos pelo Estad�o concordam que esse ambiente est� seguro, inclusive no campo da capta��o de investimento, exceto para as startups unic�rnio (empresas que valem mais de US$ 1 bilh�o), que pulam de rodadas em rodadas de investimento antes de apresentarem resultados efetivos de receita.
"Devemos dar aten��o para as empresas que vendem e entregam a solu��o para o cliente. Isso � o que se tornar� o novo padr�o", diz Sarfati, da FGV. Segundo Nakagawa, do Insper, esse � o momento em que investidores est�o prontos para investir com recursos j� captados, apenas esperando "uma l�gica que indique como a atual crise evoluir�". "Os investidores tender�o a ser mais l�gicos optando por startups com modelos de neg�cios mais s�lidos no que diz respeito � capacidade de gera��o de caixa."
O Brasil tem 11 startups unic�rnios (PagSeguro, Loft, 99, Stone, Gympass, Ebanx, Arcoeduca��o, Quinto Andar, Loggi, Nubank, iFood). Dessas, tr�s tiveram que demitir funcion�rios devido aos efeitos da pandemia. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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