O aumento no desemprego por conta da crise provocada pela covid-19 levou uma legi�o de trabalhadores a buscar, em aplicativos de entrega, uma esp�cie de "plano B" para conseguir uma renda. Mas a procura intensa "entupiu" as empresas desses servi�os com pedidos de cadastro. O resultado � uma enorme fila de espera em v�rias cidades do Pa�s. S�o brasileiros que aguardam meses a fio para conseguir acesso �s plataformas e ganhar algum tost�o que lhes ajude a sobreviver.
A falta de vagas para entregadores � a face mais perversa da lei da oferta e da procura. Com estabelecimentos fechados (tempor�ria ou definitivamente) e consumidores gastando menos, � preciso calibrar o n�mero de motoboys ou ciclistas nas ruas para assegurar que haja trabalho para todos. Se um contingente grande de entregadores � aceito nas plataformas, muitos ganham pouco e ningu�m fica com o suficiente para pagar as pr�prias contas.
No iFood, a fila de espera de entregadores registrou seu pico nos �ltimos 60 dias. De mar�o a junho deste ano, a plataforma recebeu 480 mil novos cadastros e n�o deu conta de absorver todo mundo. O n�mero � mais de tr�s vezes a quantidade de entregadores que estavam habilitados em fevereiro (131 mil), antes da pandemia. Em mar�o, os entregadores passaram a 170 mil.
A Rappi n�o divulgou sua quantidade de entregadores. Disse apenas ter registrado em abril um aumento de 128% no n�mero ante igual m�s de 2019, mas informou que em julho os n�meros voltaram ao patamar anterior e que "neste momento n�o est� com tempo de espera para ingressar na plataforma". Procurado, o Uber n�o respondeu.
Nas redes sociais e em sites de atendimento ao consumidor, h� in�meros relatos de quem espera at� mais de seis meses para come�ar a trabalhar como entregador. Na �ltima semana de junho, o n�mero de desempregados no Brasil chegou a 12,4 milh�es, segundo o IBGE.
Longa espera
Jos� Maria Ramos Neto, de 33 anos, atuava como porteiro em um hospital em Fortaleza quando foi demitido no in�cio de mar�o, na esteira dos cortes de custos motivados pela crise. Ele fez o cadastro para trabalhar como entregador no iFood, teve a documenta��o aprovada, mas est� at� hoje na fila de espera do aplicativo.
Sem conseguir outra fonte de renda, Neto tamb�m se inscreveu no Rappi e, ap�s algumas semanas, conseguiu trabalho pelo aplicativo. "N�o liberou de imediato, mas liberou. O problema � que entrei como entregador de alta demanda, no in�cio era s� sexta, s�bado e domingo", conta. De segunda a quinta, ele ficava impedido de buscar entregas no aplicativo.
Em meio � batalha para fazer algum dinheiro, Neto decidiu se mudar para S�o Paulo - onde, segundo ele, h� mais chance de conseguir algum emprego ap�s a crise - e aluga um quarto numa pens�o por R$ 600 mensais. "Minha sorte � que a esposa tinha uma reserva financeira. S� que a reserva acabou", afirma. Apenas recentemente ele conseguiu avan�ar no Rappi e conquistar o direito de trabalhar todos os dias da semana. Por dia, Neto consegue ganhar, em m�dia, de R$ 35 a R$ 40.
As reclama��es em rela��o ao tempo de espera se avolumam em v�rias cidades do Brasil. No site Reclame Aqui, trabalhadores de capitais como Rio de Janeiro e Belo Horizonte pediam explica��es ao iFood para a demora. A empresa respondeu reconhecendo que em todas as regi�es do Pa�s h� "excesso de entregadores e poucas vagas em aberto".
"Para n�s � extremamente triste n�o poder dizer que todo mundo pode entrar. Todas as vezes que a gente n�o absorve 100% dos cadastros, eu sei que a pessoa n�o est� auferindo a renda que est� procurando. Mas a gente infelizmente tem um dilema. Temos a responsabilidade de manter um n�vel de renda. Caso contr�rio, se liberasse para todos entrarem, teria um pre�o muito mais baixo de entrega", disse ao Estad�o/Broadcast o vice-presidente de Estrat�gia e Finan�as do iFood, Diego Barreto.
Segundo Barreto, a empresa entende como ideal a possibilidade de um entregador obter uma renda pr�xima a dois sal�rios m�nimos (o equivalente a R$ 2.090 mensais) trabalhando de cinco a seis dias por semana, de oito a dez horas por dia. Se a oferta de trabalhadores aumenta, essa renda m�dia poderia cair, prejudicando os pr�prios trabalhadores.
Pico na crise
O presidente da Associa��o Brasileira Online to Offline (ABO2O), Vitor Magnani, diz que houve um pico de procura pelas plataformas durante a crise, com crescimento de mais de 100% em rela��o ao per�odo pr�-pandemia. "As plataformas t�m uma preocupa��o de n�o inflar a base sem a seguran�a de que vai conseguir um repasse m�dio ao entregador", afirma. Segundo ele, muitos consumidores perderam poder de compra, e restaurantes e estabelecimentos comerciais precisaram fechar as portas, o que exigiu das empresas maior cautela para equilibrar as rela��es entre os "elos" do neg�cio.
Para o economista Pedro Nery, colunista do Estad�o, que tem acompanhado as discuss�es sobre o trabalho nos aplicativos, as plataformas viraram fonte de renda na crise para muitas fam�lias que tiveram membros demitidos ou impossibilitados de trabalhar nas suas ocupa��es t�picas. "Muito embora parte da opini�o p�blica escolha chamar esse trabalhador de precarizado, a vulnerabilidade dele seria muito maior sem o aplicativo", diz.
Mesmo com a fila de espera, Nery diz que as plataformas t�m as vantagens e as desvantagens de serem muito din�micas. "Acho que ainda pode haver crescimento na retomada. Um motivo � a mudan�a de comportamento que deve persistir depois do pico da pandemia, mesmo quando atividades reabrirem", afirma.
Barreto, do iFood, tamb�m aposta na "digitaliza��o do ciclo de compra" dos brasileiros para que as plataformas continuem absorvendo trabalhadores durante a retomada da economia, reduzindo as filas.
ECONOMIA