A guerra entre a�reas, lawtechs e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) envolvendo startups que auxiliam passageiros com problemas em voos tem um grande perdedor: o consumidor, avalia o diretor jur�dico global da AirHelp, Christian Nielsen.
Segundo ele, o brasileiro tem sido afastado dos mecanismos de defesa dispon�veis hoje no mercado por causa da disputa e de uma legisla��o considerada defasada. "Voc� pode at� pagar pelo seu caf� usando um aplicativo. Se o Pa�s est� pronto para isso, porque temos essas leis antigas impedido que consumidores tenham acesso � Justi�a?", disse, em entrevista exclusiva ao Broadcast, sistema de not�cias em tempo real do Grupo Estado. A AirHelp chegou at� a planejar uma sede no Brasil, segundo Nielsen. As movimenta��es da OAB, assim como a pandemia, levaram o grupo a mudar os planos. Nielsen participa, nesta ter�a-feira, de painel durante o II Annual Meeting, promovido pelo Instituto New Law.
A AirHelp, fundada em 2013, � uma das pioneiras entre as lawtechs que hoje travam uma verdadeira batalha com as companhias a�reas em todo mundo. O grupo n�o d� detalhes sobre seus neg�cios no Brasil, que se iniciaram em 2018, mas afirma j� ter ajudado mais de 16 milh�es de pessoas em mais de 30 pa�ses.
Em 2018, as companhias a�reas foram alvo de 64 mil processos em meio a um universo de 100 milh�es de passageiros no Brasil. Os dados mais recentes mostram que apenas o primeiro semestre de 2019 foram registrados 109 mil processos contra as a�reas no Pa�s, segundo a Associa��o Brasileira das Empresas A�reas (Abear). J� a Associa��o Internacional de Transportes A�reos (IATA) aponta que no Brasil s�o 8 processos a cada 100 voos. Nos Estados Unidos, ocorre 0,01 processo - mesmo diante de servi�os considerados praticamente equivalentes no quesito pontualidade, por exemplo.
Aqui, a AirHelp tem um oponente a mais: a OAB, que acusa as startups de concorr�ncia desleal com advogados, publicidade ilegal e exerc�cio irregular da advocacia. A ordem, que j� notificou mais de 95 empresas e profissionais, elevou o tom e pressiona o Congresso para por atr�s das grades quem exercer de forma ilegal a advocacia. Hoje, o pr�tica � tratada como contraven��o penal.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Christian Nielsen:
Qual o conceito sobre Justi�a como Servi�o. Como funciona?
H� uma lacuna muito grande na Justi�a no mundo. Muitos precisam, mas n�o t�m acesso, seja porque � muito caro ou porque eles n�o sabem como fazer. Esse conceito � como uma ferramenta que voc� pode usar para fechar essa lacuna. Entregar um bom servi�o com um pre�o barato � uma tarefa dif�cil. � preciso automatizar uma boa parte do servi�o por meio de Intelig�ncia Artificial e uso de dados.
J� que o foco ent�o � tecnologia, quais colabora��es startups podem trazer para esse futuro?
Podemos entrar em uma �rea onde advogados normalmente n�o entram. � a um espa�o que tem muitas pessoas, com reclama��es de baixo valor. E isso � dif�cil para advogados, porque a hora de servi�o deles � maior. Ao se construir uma intelig�ncia, h� partes dela que podem ser reutilizadas para outros prop�sitos, outros tipos de casos, como companhias telef�nicas.
voc� v� uma janela de oportunidade para servi�os nesta linha em pa�ses com renda baixa como o Brasil?
Casos de menor valor existem em todo o mundo. � algo interessante para todos os n�veis de renda. O que eu vejo de forma extraordin�ria no Brasil � que as pessoas, ao contr�rio do que vemos na Europa e Estados Unidos, elas est�o ansiosas por justi�a e est�o mais abertos a terem casos nos tribunais.
Como � a opera��o de voc�s no Brasil hoje?
Podemos come�ar dizendo como � na Europa. L� cuidamos de todo o processo. Primeiro fazemos a valida��o do caso, esse � um bom espa�o para a Intelig�ncia Artificial. O segundo passo � procurar �s a�reas e tentar encontrar uma solu��o. Depois disso, ajudamos os clientes conectando eles a um advogado, que pode ser funcion�rio da AirHelp. O caso � levado aos tribunais sem nenhum custo para o consumidor, que s� vai pagar um porcentual se ele tiver sucesso. No Brasil, meu trabalho termina quando a a�rea diz n�o para a negocia��o. H� uma lei que diz que apenas advogados podem fornecer servi�os jur�dicos. O que fazemos � apontar alguns advogados que conhecemos. Caso o consumidor aceite a indica��o, custeamos o processo.
Lawtechs t�m travado uma batalha com a OAB por causa disso. � uma particularidade do Brasil?
Vemos isso apenas no Brasil e em Portugal, que � um pouco menos restritivo. Essa legisla��o pode ter feito sentido h� centenas de anos, mas eu acho que hoje ela s� afasta os consumidores dos mecanismos de defesa. O consumidor pode sempre procurar um advogado quando quiser. Eu n�o consigo ver tamb�m o que est� errado em promover o direito aos consumidores. Tudo isso, no fim, vai se converter em mais trabalho para os advogados.
O passo mais recente da OAB � tentar criminalizar a oferta de servi�os jur�dicos por n�o advogados. Desta forma, donos de empresas como a AirHelp poderiam ser presos. Isso seria um passo para tr�s para esse "novo modelo de Justi�a"?
H� alguns advogados que est�o... Assustados, talvez? Seja com mudan�as ou com medo do desconhecido. A argumenta��o costuma ser de que � preciso garantir uma assessoria correta e que s� um advogado pode fazer isso. Mas eu gostaria de conhecer um advogado que conhece mais os direitos de passageiros do que a AirHelp. Sabemos que as startups no Brasil t�m sido processadas pela OAB. Isso � triste, mas tenho certeza que vamos encontrar uma sa�da. O brasileiro se adaptou muito bem aos smartphones. O WhatsApp (aplicativo) � um dos mais usados meios de comunica��o no Pa�s. Voc� pode at� pagar pelo seu caf� usando um aplicativo. Se o Pa�s est� pronto para isso, porque temos essas leis antigas impedido que consumidores tenham acesso � Justi�a?
Companhias a�reas apontam crescimento significativo nos seus custos legais depois do surgimento das lawtechs. Seria o modelo de Justi�a como Servi�o algo ruim para elas?
Primeiro: quando eles falam em grande crescimento � em compara��o com o que? Antes, ningu�m entendia os seus direitos, porque as pessoas n�o sabiam que tinham direitos. Segundo: por que considerar isso como custo legal? N�o �. Isso � custo de atendimento ao cliente. Por que n�o tentar automatizar certos procedimentos? Se a empresa sabe que o passageiro tem direito a uma indeniza��o, garanta isso.
A AirHelp tem crescido no Brasil?
Estamos crescendo rapidamente. O problema ainda � que n�s oferecemos a media��o, que infelizmente n�o � bem sucedida, especialmente porque no Brasil as �reas n�o querem negociar. Est�vamos prestes a mudar parte de nossas opera��es para o Brasil, mas ent�o ouvimos sobre os processos contra alguns de nossos competidores pela OAB. Decidimos esperar. Mudar um time, contratar uma grande equipe, isso tem um risco de neg�cio elevado. Tamb�m veio a pandemia, que fez tudo desacelerar.
Recentemente, lawtechs brasileiras criaram a Associa��o de Defesa dos Direitos dos Passageiros A�reos (ADDPA). O grupo se baseou na Association of Passenger Rights Advocates (Apra), que tem a AirHelp como membro. Voc�s pensam em se juntar a eles?
N�s conhecemos muitas empresas no Brasil e conversamos com elas. Eu acho que � definitivamente algo que a gente gostaria de participar, mas nas circunst�ncias corretas. N�o acho que estamos em um bom momento.
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