
Ao mesmo tempo em que a economia brasileira d� os primeiros passos para sair do buraco, um cen�rio bem diferente se desenha para o ano novo dos brasileiros mais pobres.
A falta de emprego e o fim do aux�lio emergencial comp�em a f�rmula que levar� mais brasileiros a ca�rem em situa��o de extrema pobreza no come�o de 2021, segundo especialistas em economia e transfer�ncia de renda.
A pobreza extrema deve atingir, em janeiro, uma taxa entre 10% e 15% da popula��o brasileira, de acordo com proje��o calculada pelo economista Daniel Duque, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Getulio Vargas), a pedido da BBC News Brasil.
Para a pobreza (quem vive com menos de US$ 5,50), Duque projeta que a taxa ficar� entre 25% e 30% no come�o do ano que vem. Em 2019, ela foi de 24,7%, ou mais de 51 milh�es de brasileiros.
"A taxa de pobreza extrema ser� muito alta devido a dois fatores: a popula��o mais pobre depende basicamente de programas sociais e do mercado de trabalho, que foi muito impactado negativamente para ocupa��es de menor escolaridade e rendimento", diz Duque.
O economista explica que a proje��o considera o fim do aux�lio emergencial e pressup�e um reajuste de 15% no Bolsa Fam�lia.
O governo do presidente Jair Bolsonaro chegou a considerar a cria��o de um novo programa, que ganhou at� nome: Renda Brasil.
A expectativa era de que ele fosse uma reformula��o de programas sociais e que substitu�sse o aux�lio emergencial, criado no contexto da pandemia de COVID-19 e considerado fundamental para a prote��o da popula��o mais vulner�vel nesse per�odo.
Embora batizado, esse programa n�o chegou a virar uma proposta de fato. E o governo tamb�m avisou que n�o vai prolongar o pagamento do aux�lio emergencial.
Bolsonaro afirmou, em entrevista � Band na ter�a-feira (15/12), que n�o haver� prorroga��o do aux�lio ou a cria��o de um novo programa e disse que quer "tentar aumentar um pouquinho" o Bolsa Fam�lia.
O presidente defendeu que n�o pode haver desequil�brio nas contas. "Eu tenho pena, tenho compaix�o da popula��o, dos mais humildes, mas se o Brasil se desequilibrar com nova prorroga��o do aux�lio emergencial, tudo pode ir embora."
"O legado que podemos deixar na economia para o povo � uma economia est�vel", disse Bolsonaro. "Quem d� emprego n�o sou eu. Eu s� dou emprego quando crio cargos ou fa�o concurso p�blico. Fora isso, � o empresariado."

Sem emprego e sem movimento
Se houvesse perspectiva de um mercado de trabalho aquecido, que pudesse absorver a m�o de obra dos trabalhadores mais afetados pela pandemia, o cen�rio n�o seria t�o ruim. Mas n�o � o que se espera, como aponta Duque.
"Um dos impactos bastante previs�veis � que muitas pessoas que tinham deixado de procurar emprego devido � pandemia v�o acabar voltando. Com isso, a taxa de desemprego vai aumentar, porque nem todo mundo vai encontrar emprego."
Al�m de o fim de 2020 n�o prometer as antes t�o comuns contrata��es de fim de ano, Duque lembra que o come�o de ano � tradicionalmente pior para o emprego. "A taxa de desemprego no primeiro trimestre geralmente � a mais alta do ano, o que vai se somar a esses fatores negativos", diz.
E mesmo quem ganha a vida com alguma atividade informal depende de uma economia aquecida e de trabalhadores circulando.
Antes da pandemia, Vanda Sousa, de 44 anos, trabalhou por tr�s anos, de segunda a s�bado, vendendo lanches (caf�, tapioca, ch�, suco, bolo) no bairro Couto Fernandes, em Fortaleza.
M�e de dois filhos que dependem dela, Vanda passou a contar com a ajuda do aux�lio emergencial durante a pandemia. Conseguiu comprar comida, pagar g�s e luz, al�m do rem�dio para diabetes, que "sempre est� em falta no posto de sa�de".
Agora, sem perspectiva de receber o aux�lio, est� preocupada com o come�o do ano porque os clientes dela s�o exatamente as pessoas que trabalham na regi�o, que n�o � mais t�o movimentada quanto antes.
"Eu estou pensando como vai ser, porque janeiro vai come�ar e nada de emprego. Como vendo merenda na beira de uma pista que tem sucata (oficinas e lojas de autope�as), quando fecha, eu j� n�o vendo. E se eu cozinhar para n�o ter pra quem vender, a� que perco totalmente", diz. "At� ent�o a pandemia continua aqui. E ainda tem muita coisa fechada, t� muito dif�cil mesmo."
'Baque muito grande'
O problema n�o � apenas o aux�lio emergencial chegar ao fim, mas tamb�m o fato de o corte ser considerado brusco. Quem estuda programas de transfer�ncia de renda aponta que o mais indicado seria ter feito uma redu��o gradual no valor para facilitar a adapta��o das fam�lias e incorpor�-las a outro programa social.
A soci�loga Let�cia Bartholo, especialista em programas de transfer�ncia de renda, aponta que o aux�lio, para muitas pessoas, "� uma quest�o de sobreviv�ncia".
"Idealmente, haveria um processo de sa�da paulatina do aux�lio — ou seja, com redu��o desses R$ 300 ao longo dos meses, at� pra avaliar em qual tempo ser� a retomada econ�mica — e essas pessoas, conforme a renda, seriam incorporadas ao Bolsa Fam�lia ou a alguma iniciativa de transfer�ncia de renda n�o contributiva", diz ela.
No entanto, da forma como est�, Bartholo define a situa��o dos brasileiros mais pobres no ano novo como "um buraco".
"O cen�rio para janeiro de 2021 para as pessoas mais vulner�veis � um buraco. Eu sinto muito que assim seja, mas infelizmente o Estado brasileiro n�o foi capaz de coordenar alguma solu��o."

Duque tamb�m aponta que deveria ter sido criado, durante o segundo semestre deste ano, uma expans�o permanente nos programas sociais.
"Foi desperdi�ado um tempo importante em que a gente poderia ter feito com que a partir de janeiro as fam�lias que tivessem algo que fosse minimamente compensar o fim do aux�lio. Vai ser um baque muito grande. Al�m da quest�o do aux�lio acabar, a transi��o � muito repentina", diz o economista.
"O ideal teria sido uma transi��o mais suave, com benef�cio se reduzindo ao longo do tempo. Acabou que essa n�o foi a op��o do governo."
As primeiras parcelas do benef�cio foram de R$ 600. Inicialmente, o governo prop�s pagar R$ 200 mensais, mas o Congresso ampliou o benef�cio a ser pago a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), aut�nomos e desempregados que cumprem determinados requisitos, como renda familiar per capita de at� meio sal�rio m�nimo (R$ 522,50) ou com renda total de at� tr�s sal�rios m�nimos (R$ 3.135).
Em setembro, foi anunciada uma prorroga��o do benef�cio, mas com redu��o do valor para R$ 300.
Infla��o mais alta

A alta nos pre�os j� vem sendo sentida pelas fam�lias pobres e deve continuar no in�cio do pr�ximo ano.
"O poder de compra de quem est� recebendo aux�lio caiu muito, porque ele n�o � reajustado e a infla��o est� mais forte para alimentos e bens e servi�os que s�o mais consumidos pela classe baixa", explica Duque.
De janeiro a novembro de 2020, a infla��o para as fam�lias de renda mais baixa foi de 4,56%, segundo o Indicador Ipea de Infla��o por Faixa de Renda. No mesmo per�odo, a alta inflacion�ria para as fam�lias mais ricas foi de 1,68%.
O principal motivo para esta diferen�a est� no forte aumento dos pre�os dos alimentos em domic�lio. At� setembro, a infla��o para as fam�lias mais pobreza chegava a ser dez vezes maior que para as mais ricas.
Recupera��o econ�mica
Ao mesmo tempo em que se desenha esse cen�rio para as fam�lias mais vulner�veis, h� outros indicadores que apontam para o Brasil, de forma geral, come�ando a sair da crise econ�mica.
O IBC-Br, �ndice do Banco Central que � considerado uma esp�cie de "pr�via" informal do Produto Interno Bruto (PIB), teve em outubro a sexta alta consecutiva, de 0,86% na compara��o com setembro. Em rela��o a outubro de 2019, no entanto, houve queda de 2,61%.
Isso indica uma recupera��o, mas ainda longe da situa��o pr�-pandemia.
Depois da divulga��o de um aumento de 7,7% no PIB do terceiro trimestre, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a dizer que a economia estava "voltando em V" — termo utilizado para indicar uma recupera��o intensa ap�s uma grande queda na atividade.
Na verdade, embora tenha mostrado um aumento em rela��o ao trimestre anterior — fortemente afetado pela pandemia —, o resultado ficou abaixo das expectativas dos economistas do mercado e do pr�prio governo.
"A economia estar melhorando n�o significa que estar� no n�vel de antes da pandemia. Mas, sem d�vidas, no ano que vem, enquanto boa parte das fam�lias v�o melhorar de situa��o, os mais pobres ter�o uma piora no come�o devido ao fim do aux�lio", diz Duque.
"Espera-se que chegue ao n�vel pr�-pandemia no fim do ano que vem ou s� 2022. A gente est� se recuperando de um tombo muito grande."
Os industriais brasileiros esperam um cen�rio favor�vel para os pr�ximos meses. O mais recente �ndice de confian�a do empres�rio industrial, medido pela Confedera��o Nacional da Ind�stria (CNI), aponta que eles "seguem confiantes pelo quinto m�s consecutivo, marcando a continuidade do otimismo".
Sem horizonte

O presidente da Central �nica das Favelas (Cufa), Preto Zez�, diz que a falta de perspectiva � um grande problema nas atuais condi��es.
"O cara trabalhador, pobre, de favela, ele es t� ali acreditando que vai virar o jogo, tem perspectiva de que algo v� mudar a seu favor — ele est� jogando esse jogo mesmo sendo injusto e desigual. Mas na medida em que n�o tenho perspectiva, horizonte, as condi��es ficam bem mais tensas e bem mais complicadas."
Ele aponta que n�o h� "um projeto de tirar os pobres da recess�o", enquanto se pensa em benef�cios para empresas.
"At� aqui, voc� n�o teve saque, quebra-quebra, nem nada, mas a situa��o se agravando, meu Deus do c�u, n�o gosto nem de pensar nesse cen�rio. A� tem uma quest�o s�ria. O mundo pol�tico, as elites econ�micas do pa�s, ou elas compartilham as riquezas nesse momento ou n�s vamos todos compartilhar as trag�dias que a concentra��o dessa riqueza gera."
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