
Petr�leo � certamente fonte de dinheiro, mas nem sempre gera desenvolvimento e, para alguns pa�ses, chega a ser uma "maldi��o". Pelo menos � o que revela a hist�ria de v�rias das na��es que possuem esse cobi�ado recurso natural.
Dos 15 pa�ses com as maiores reservas, apenas tr�s s�o hoje na��es desenvolvidas: Canad�, Estados Unidos e Noruega. Alguns dos maiores exportadores s�o na��es com grandes desigualdades sociais, guerras e pobreza, como Iraque, Nig�ria e Venezuela.
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No Brasil, a explora��o de petr�leo tem a Petrobras como protagonista e uma pol�tica que variou de grande intervencionismo do Estado para a abertura gradativa do mercado. Agora, no governo Jair Bolsonaro, dois discursos opostos parecem disputar espa�o.
Por um lado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, havia prometido privatizar subsidi�rias da Petrobras e reduzir interven��es pol�ticas. Por outro, o presidente Jair Bolsonaro decidiu mudar o comando da empresa, ap�s fazer cr�ticas aos recentes reajustes no pre�o da gasolina e do diesel.
Ele anunciou o general da reserva Joaquim Silva e Luna para substituir o economista liberal Roberto Castello Branco, provocando derretimento das a��es da Petrobras e alta no d�lar.
Mas qual modelo de explora��o de petr�leo � mais vantajoso para a popula��o? � melhor ter interven��o do Estado ou deixar as for�as de mercado livres para atuar?
A BBC News Brasil entrevistou alguns dos principais especialistas em gest�o de petr�leo do mundo para identificar quais modelos existem, quais foram bem-sucedidos e se a op��o brasileira � vantajosa.
Tina Hunter, diretora do curso de legisla��o em petr�leo da Universidade de Aberdeen, na Esc�cia, explica que existem tr�s grandes modelos de explora��o do petr�leo: o americano, o do Mar do Norte (tamb�m chamado modelo noruegu�s), e o da Ar�bia Saudita.

Eles s�o classificados, principalmente, pelo n�vel de interven��o do Estado, sendo o americano o de menor participa��o do governo e o da Ar�bia Saudita, o de maior controle estatal.
Quais vantagens e problemas o uso desses modelos trouxe para os pa�ses que hoje produzem e vendem petr�leo? A op��o brasileira � a mais adequada?
O modelo americano
Foi o primeiro a ser implementado e � baseado numa interven��o m�nima do Estado. O governo abre leil�es para concess�es de �reas de explora��o de petr�leo, as empresas privadas concorrem e pagam impostos ou royalties sobre as receitas vindas dessa atividade. N�o tem estatal participando, nem taxa��o muito alta.
"� o sistema vigente nos Estados Unidos, Canad� e Austr�lia. A empresa obt�m a licen�a para explora��o de uma �rea, exerce a sua atividade e paga royalties ao Estado, e esses royalties s�o relativamente baixos", explica Tina Hunter.
Nesse caso, os riscos pela explora��o s�o todos da empresa — mas os lucros tamb�m.
Segundo Hunter, a vantagem desse modelo � que ele costuma estimular a competitividade e, com isso, o desenvolvimento de novas tecnologias.
"No modelo americano, o capitalismo reina. A ideia � que o Estado saia do caminho e deixe que empresas especializadas se dediquem ao que elas sabem fazer melhor", explica.
"O ponto positivo � que esse modelo normalmente estimula a inova��o. Conforme o pre�o do petr�leo sobe e desce, as empresas tentam desenvolver novos modelos que sejam de boa rela��o custo-benef�cio e tragam efici�ncia. � assim que se desenvolve a inova��o."

O ponto negativo � que a maior parte das receitas vai para as pr�prias empresas, n�o para a sociedade em geral. O pa�s se beneficia com a gera��o de empregos, se as empresas contratarem profissionais no territ�rio onde operam. Mas, se o petr�leo acaba, � o fim tamb�m desse setor e dessas receitas.
"E, como voc� n�o tem o governo exercendo forte controle, os operadores podem eventualmente burlar regras ou se aproveitar de brechas na lei para se beneficiar em detrimento dos trabalhadores ou da na��o. Podem, por exemplo, cortar grande n�mero de empregos para garantir alta nos lucros em tempos mais dif�ceis", alerta a professora da Universidade de Aberdeen.
No caso dos Estados Unidos, o modelo capitalista de explora��o de petr�leo acabou se refletindo em empregos para cidad�os americanos e em novas tecnologias para empresas nacionais. Mas isso porque as condi��es l� foram favor�veis.
As primeiras descobertas de petr�leo nos EUA se deram na d�cada de 1860. Empresas americanas privadas conseguiram se desenvolver num ambiente internacional ainda pouco competitivo no setor, se tornando companhias fortes e capazes de dominar grande parte do mercado internacional.
Portanto, apesar da pouca interfer�ncia do Estado, esse modelo ainda assim garantiu que grande parte da tecnologia, da pesquisa e dos empregos relacionados � ind�stria do petr�leo fossem gerados nos Estados Unidos.
O risco de um pa�s em desenvolvimento optar pelo modelo americano � abrir as portas para que empresas estrangeiras reinem na explora��o de petr�leo, usando m�o-de-obra especializada estrangeira e remetendo boa parte das receitas ao exterior, ressalta o consultor em economia do petr�leo Erik Jarlsby, da Eureka Energy Partners.
Modelo do Mar do Norte ou Noruegu�s

Embora a Noruega n�o seja a maior exportadora de petr�leo — � a d�cima-segunda — por n�o possuir as maiores reservas, especialistas dizem que � o pa�s que melhor soube reverter os lucros da explora��o para um projeto de desenvolvimento que beneficiasse a sociedade em geral.
Em vez de gastar de imediato os recursos gerados pela explora��o, o governo noruegu�s decidiu criar um fundo para que o dinheiro rendesse e pudesse ser usado em benef�cio das futuras gera��es. Atualmente, � o fundo de petr�leo mais rico do mundo, com mais de US$ 1 trilh�o.
A hist�ria da explora��o de petr�leo e g�s na Noruega come�ou em 1965, quando o governo concedeu 78 licen�as a empresas privadas para explorar potenciais reservas, mas ap�s tr�s anos de buscas, os resultados eram desanimadores.
At� que, no final de 1969, a Philips Petroleum informou ter achado petr�leo no campo de Ekofisk. Em vez de copiar o modelo americano, a Noruega decidiu que o Estado deveria ter maior controle na explora��o, para garantir que os recursos n�o "evaporassem" nas m�os de empresas estrangeiras.
Para que o governo pudesse ter peso nas decis�es comerciais referentes ao petr�leo, foi criada a estatal Statoil e uma ag�ncia reguladora.
Mas, diferentemente do que ocorreu no Brasil com a Petrobras, a Statoil n�o recebeu direitos monopol�sticos sobre extra��o e refino, embora tenha obtido privil�gios no in�cio da opera��o para que pudesse competir com as empresas j� estabelecidas. No Brasil, por 44 anos, a Petrobras deteve monop�lio total sobre o setor de petr�leo.
O governo da Noruega decidiu que a participa��o nacional nas opera��es de petr�leo n�o deveria ser menor que 50%. Mas essa participa��o n�o precisava ser direta do Estado — a soma considerava tamb�m as atividades das empresas privadas norueguesas.
"N�s n�o quer�amos que a Statoil se tornasse todo-poderosa ou um Estado dentro do Estado. N�o quer�amos que ela tivesse poder de decis�o sobre a concess�o de licen�as para outras empresas", disse � BBC News Brasil o ge�logo Farouk Al-Kasim, um dos criadores do modelo de extra��o de petr�leo da Noruega.

Naquele pa�s europeu, os campos de petr�leo s�o concedidos a partir de licita��es com participa��o de empresas nacionais, estrangeiras e da Statoil. Parte dos recursos obtidos pelo governo com a atua��o da Statoil e com royalties pagos por empresas privadas vai para um fundo soberano criado em 1990.
Os recursos do fundo s�o aplicados em a��es de empresas estrangeiras, justamente para impedir a circula��o excessiva de dinheiro na Noruega. E o governo s� pode usar, atualmente, at� 3% do total por ano. Antes o percentual era de 4%, mas foi reduzido pelo Parlamento em 2017.
O objetivo � impedir que o dinheiro seja gasto de uma s� vez em tempos dif�ceis, como � a tenta��o de governos no af� de recuperar a popularidade em �pocas de crise.
Al�m disso, explica Al-Kasim, o fundo tem uma fun��o "intergeracional", ou seja, deve beneficiar as futuras gera��es norueguesas quando as reservas de petr�leo acabarem. A expectativa � de que as reservas no pa�s se esgotem em at� 50 anos.
"Conforme as atividades de petr�leo se tornam menos prof�cuas e menores em volume, a economia precisa estar pronta para esse desafio", justifica Al-Kasim.
Modelo da Ar�bia Saudita

O modelo da Ar�bia Saudita � o que concentra maiores poderes nas m�os do Estado. O governo saudita det�m o monop�lio da explora��o e s� permite a participa��o de empresas estrangeiras como prestadoras de servi�os contratados por sua estatal, a Aramco. Tudo o que � extra�do e produzido pertence ao pa�s.
"Esse modelo prev� o controle estatal absoluto. Nesse caso, o Estado � dono da explora��o. Ele asssume todos os riscos e custos, mas tamb�m fica com todos os rendimentos e lucros", diz Tina Hunter, da Universidade de Aberdeen.
A Ar�bia Saudita tem a segunda maior reserva de petr�leo do mundo, atr�s apenas da Venezuela, segundo dados da CIA, a ag�ncia de intelig�ncia dos Estados Unidos. E a explora��o de boa parte das reservas � considerada de baixo risco, dizem os especialistas.
Esses fatores ajudam a explicar a propens�o do Estado em arcar com todos os custos e riscos.
O problema desse modelo � que a concentra��o da riqueza nas m�os de integrantes do governo e de uma �nica gigante estatal tende a produzir corrup��o, j� que todas as demais empresas prestadoras de servi�o acabam dependendo integralmente da estatal para operar.
Entre os pa�ses que em grande medida se inspiraram no modelo saudita est�o a Venezuela e o M�xico, que possuem estatais monopol�sticas. Tamb�m foi caso do Brasil por 44 anos — per�odo em que a Petrobras deteve o monop�lio da explora��o.
"A natureza humana � muito simples. Quando voc� tem poder, os outros temem te desafiar", avalia Farouk Al-Kasim. "A hist�ria mostra que � muito dif�cil evitar a corrup��o quando h� a possibilidade de uma empresa privada ou estatal dominar todas as outras."
E qual o 'modelo' brasileiro?

No Brasil, a Petrobras ainda domina grande parte do processo de explora��o e refino de petr�leo. De 1953, quando foi criada, a 1997, quando a Lei do Petr�leo permitiu a entrada de empresas estrangeiras no setor, a estatal deteve o monop�lio das opera��es de petr�leo.
A partir de 1997, ela p�de decidir com quais campos ficar e quais liberar para explora��o de companhias privadas.
Acabou ficando com todas as reservas lucrativas e abdicou de 62 campos pequenos, diz � BBC News Brasil a consultora de energia da Funda��o Get�lio Vargas Magda Chambriard, ex-diretora-geral da Ag�ncia Nacional de Petr�leo (ANP).
Nos campos ainda n�o explorados, a estatal p�de manter o controle se comprovasse ter tecnologia para explorar. Se n�o tivesse, poderia tanto liberar para concess�es a empresas privadas quanto formar parcerias para explora��o conjunta.
"O contrato passou a ser muito aberto, mas os contratistas, as empresas competidoras, eram todas contratistas da Petrobras, toda a estrutura log�stica era da Petrobras, ent�o se tornou muito dif�cil para um novo entrante competir num ambiente que a Petrobras dominava completamente", explica Chambriard.
Ou seja, os mais de 40 anos de monop�lio garantido por lei deram � Petrobras uma vantagem competitiva que n�o foi superada pelas empresas privadas que tentaram entrar no mercado brasileiro desde ent�o.
E, a partir da descoberta do pr�-sal, o governo mudou o modelo de concess�o para o de partilha, dando ainda mais privil�gios para a Petrobras.

A lei de partilha prev� que o Minist�rio de Minas e Energia (por meio do Conselho Nacional de Pol�tica Energ�tica) pode decidir se realiza licita��es para explora��o ou se entrega determinadas �reas diretamente � Petrobras, se considerar que � de interesse nacional manter o controle total dessas reservas.
No caso de optar pela licita��o, o conselho oferece primeiramente � Petrobras a op��o de ser operadora dos blocos a serem contratados. Se a estatal tiver interesse, ela deve informar em quais �reas quer atuar e ter� garantida participa��o m�nima de 30% no cons�rcio que vencer a licita��o para explorar as reservas.
Os outros 70% s�o leiloados e a Petrobras ainda pode integrar o cons�rcio de empresas que vai explorar esse excedente. O vencedor do leil�o � aquele que oferecer � Uni�o maior percentual de excedente em �leo.
J� no regime de concess�o, vigente para os demais campos de petr�leo no Brasil, o risco de investir e encontrar ou n�o combust�vel � da empresa concession�ria, que tem a propriedade de todo o �leo e g�s que venha a ser descoberto e produzido na �rea concedida.
Ganha a licita��o a concession�ria que oferecer o maior valor em participa��es governamentais, ou seja, em b�nus de assinatura, pagamento pela ocupa��o ou reten��o de �rea, royalties e participa��o especial.
Para Magda Chambriard, a mudan�a do regime de concess�o para partilha, que visa a garantir maior participa��o da Petrobras na explora��o, se justifica pelo fato de as �reas do pr�-sal serem lucrativas e de baixo risco.
Na pr�tica, essa altera��o significa, portanto, maior controle das opera��es de petr�leo nas m�os do Estado e da Petrobras. "O pa�s entendeu que esses campos eram muito produtivos e que era preciso, por isso, ampliar a participa��o da sociedade nessa produ��o", explica.
Poderes demais nas m�os de uma empresa s�?
A especialista em gest�o de petr�leo Tina Hunter argumenta que o modelo de explora��o de petr�leo do Brasil, desde o regime de monop�lio total at� o atual modelo de partilha, concentra poderes demais nas m�os da Petrobras.
Para ela, o Estado deve intervir na gest�o do petr�leo como regulador e, em alguns casos, por meio de uma estatal, mas sem exercer o monop�lio.
"No momento em que voc� come�a a dar poderes demais para uma empresa, tudo desmorona. � quando temos corrup��o e esc�ndalo. Quando h� poder demais, h� corrup��o", diz Hunter.
"A estatal n�o deve ter poder de decis�o sobre o modelo de concess�o. Precisa ser tratada como as empresas privadas, sem poderes especiais", defende a professora brit�nica.
Com o argumento de que � preciso acelerar a explora��o do pr�-sal e estimular a competitividade, o governo Bolsonaro decidiu apoiar um projeto de lei do senador Jos� Serra (PSDB-SP) que permite que o regime de concess�o seja aplicado para as licita��es dos blocos do pr�-sal.
Por essa proposta, caberia ao governo decidir, a cada concorr�ncia, se optar� por um modelo ou outro.
Al�m disso, a Petrobras n�o teria mais o direito de prefer�ncia pela explora��o, Atualmente, a estatal pode indicar, antes de iniciada cada licita��o, se tem o interesse de explorar os campos com participa��o m�nima garantida de 30%.
Privatiza��o
Em outra frente, o governo tem promovido a venda de "bra�os" da Petrobras, com o objetivo de concentrar as atividades da estatal na explora��o e produ��o de petr�leo. O plano � vender para a iniciativa privada ativos em �reas como o refino, o transporte e distribui��o de g�s.
"O petr�leo est� no fundo do mar, pode ser que daqui a 20 ou 30 anos o carro seja el�trico e o petr�leo fique sem valor. Ent�o, estamos trabalhando a mil por hora para focar a Petrobras na extra��o do petr�leo", afirmou em julho o ministro da Economia, Paulo Guedes.

A Petrobras j� divulgou que pretende privatizar oito refinarias: Refinaria Abreu e Lima (RNEST); Refinaria Presidente Get�lio Vargas (REPAR); Refinaria Alberto Pasqualini (REFAP); Refinaria Landulpho Alves (RLAM); Refinaria Gabriel Passos (REGAP); Refinaria Isaac Sabb� (REMAN); Lubrificantes e Derivados de Petr�leo do Nordeste (LUBNOR); e Unidade de Industrializa��o do Xisto.
Outros ativos que est�o no plano de vendas da companhia s�o a Liquig�s (distribuidora de g�s liquefeito de petr�leo), a participa��o da Petrobras na processadora de g�s argentina Mega e alguns campos que a Petrobras diz que s�o "campos maduros, com baixa produtividade e alto custo de extra��o e onde n�o somos donos naturais".
Mas a decis�o de abrir o mercado de petr�leo para empresas privadas e reduzir o tamanho da Petrobras divide opini�es.
Enquanto os defensores argumentam que as privatiza��es v�o trazer al�vio aos cofres p�blicos e acelerar a produ��o e escoamento de petr�leo, os cr�ticos argumentam que � preciso cautela e regras para que, a longo prazo, os recursos n�o passem a beneficiar mais empresas estrangeiras que o Brasil.
"A gente quer que as multinacionais venham para c�. Isso � essencial nesse momento, j� que temos diversos munic�pios afundando com falta de investimentos e com ativos que poderiam ser aproveitados", afirma Magda Chambriard.
"Mas, se essas companhias estrangeiras vierem para c� para comprar tudo no exterior, produzir o petr�leo, pagar imposto e ir embora, n�o obteremos o resultado que um pa�s tem de querer, que � gerar emprego para os seus filhos", acrescenta, defendendo a ado��o de pol�ticas que favore�am a compra de componentes nacionais e o uso de m�o-de-obra brasileira.
Esta reportagem foi publicada originalmente em 05/11/2019 e atualizada em 23/02/2021
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