Na semana passada, em linha com o seu estilo "morde e assopra", o presidente Jair Bolsonaro resolveu fazer um afago no ministro da Economia, Paulo Guedes, depois de criticar a pol�tica de pre�os da Petrobr�s e anunciar a demiss�o do comandante da empresa, Roberto Castello Branco.
Diante dos rumores de que Guedes poderia deixar o cargo ap�s a dispensa de Castello Branco, um dos expoentes do grupo de liberais que ele levou para o governo, Bolsonaro resolveu tirar da gaveta as privatiza��es da Eletrobr�s, a estatal de gera��o e transmiss�o de energia, e dos Correios, defendidas desde sempre pelo ministro.
Bolsonaro tamb�m procurou mostrar que a percep��o de que n�o est� comprometido com a agenda liberal de Guedes - cada vez mais acentuada at� entre seus apoiadores - � infundada. "Nossa agenda continua a todo o vapor", afirmou, ao entregar o projeto de privatiza��o da Eletrobr�s ao Congresso, na ter�a-feira, 23. "N�s queremos, sim, enxugar o Estado, para que a economia possa dar a resposta que a sociedade precisa."
Guedes, aparentemente, "agasalhou" mais este rev�s e tudo indica que dever� continuar a conferir ao presidente o verniz liberal que foi essencial para a sua elei��o, em 2018, com a esperan�a de que ainda receber� o aval do chefe para dar tra��o �s suas propostas. Guedes costuma dizer a seus auxiliares que � "duro na queda" - e, considerando que permaneceu no cargo at� agora, apesar das in�meras "bolas nas costas" que levou de Bolsonaro nos 26 meses de governo (leia o texto abaixo) - � dif�cil discordar dele neste aspecto. Em sua posi��o, outros, provavelmente, j� teriam abandonado o barco por muito menos.
Legado
Com a aproxima��o das elei��es de 2022 e a prov�vel candidatura de Bolsonaro � reelei��o, a implementa��o de medidas que s�o fundamentais para o Pa�s, mas mexem com interesses de todos os tipos, como as privatiza��es, as reformas, a austeridade fiscal, a abertura econ�mica e o fim de privil�gios setoriais e de categorias profissionais, dever� se tornar cada vez mais dif�cil. Guedes, por�m, parece encarar a sua passagem pelo governo como uma miss�o e se mostra disposto por ora a enfrentar as adversidades para tentar deixar um legado na economia do qual possa se orgulhar.
"O ministro Paulo Guedes � resiliente, obstinado e determinado, mas n�o percebeu que foi vencido", disse recentemente o empres�rio Salim Mattar, ex-secret�rio especial de Desestatiza��o, � rep�rter Cleide Silva, do Estad�o. "O presidente est� de olho na reelei��o e n�o quer fazer nada que prejudique a sua imagem."
Batizado de Posto Ipiranga pelo presidente durante a campanha eleitoral, o superministro que reuniu quatro pastas sob seu comando - Fazenda, Planejamento, Desenvolvimento e Trabalho, al�m da Previd�ncia - est� se tornando uma voz cada vez mais solit�ria no governo.
Aos poucos, mas de forma consistente, a ala liberal que ele representa est� vendo seu espa�o minguar a olho nu. Da equipe de liberais puros-sangues levados por Guedes para Bras�lia, restam apenas Carlos da Costa, secret�rio especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Minist�rio da Economia, e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central.
Retirada
Com a queda de Castello Branco, que faz parte da velha guarda da Universidade de Chicago, o templo do liberalismo global no qual Guedes tamb�m se formou, j� s�o cinco os representantes do "n�cleo duro" de liberais do governo que ficaram pelo caminho. Isso sem contar os nomes que bateram em retirada, mas eram profissionais de carreira no setor p�blico, como o ex-secret�rio do Tesouro, Mansueto Almeida, ou n�o faziam parte do c�rculo mais pr�ximo do ministro.
Al�m do pr�prio Castello Branco e de Salim Mattar, que deixou o cargo por n�o ter conseguido realizar as privatiza��es em s�rie que pretendia, a lista inclui o ex-secret�rio especial de Desburocratiza��o, Paulo Uebel, que saiu contrariado com a resist�ncia do presidente em promover uma ampla reforma administrativa, que englobasse os atuais servidores. Inclui ainda o ex-presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, tamb�m exaluno da Escola de Chicago, que renunciou ao posto dizendo que "� muito dif�cil para um grupo de liberais trabalhar no ambiente de Bras�lia".
Outro integrante da ala liberal que se desligou do governo foi o ex-secret�rio especial de Com�rcio Exterior e Assuntos Internacionais, Marcos Troyjo, cuja miss�o era tocar a abertura econ�mica desejada por Guedes. Mas, como a abertura n�o saiu do papel, em raz�o da influ�ncia exercida por representantes do setor industrial junto a Bolsonaro, Troyjo acabou indicado para ocupar a presid�ncia do Conselho de Governadores do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, em ingl�s), mais conhecido como Banco dos Brics (a organiza��o formada por Brasil, R�ssia, �ndia, China e �frica do Sul).
Rompimento
Se o presidente do Banco do Brasil, Andr� Brand�o, deixar mesmo o cargo, como tudo indica, o grupo vai ganhar mais um membro. Brand�o colocou o cargo � disposi��o na sexta-feira, depois de ser amea�ado de demiss�o por Bolsonaro, por ter anunciado um plano de redu��o de custos que previa o fechamento de ag�ncias e um plano de demiss�o volunt�ria para eliminar 5 mil vagas na institui��o.
O epis�dio, aliado � interven��o na Petrobr�s, refor�a o temor de que a guinada pol�tica de Bolsonaro possa levar a um rompimento definitivo com os liberais. "A mudan�a na Petrobr�s aproxima Bolsonaro das pr�ticas do PT", disse Paulo Uebel em entrevista ao Estad�o. "Isso � o oposto do que o eleitor de Bolsonaro gostaria de ver."
Em vez do discurso adotado na campanha, o presidente est� resgatando as velhas posturas corporativistas e nacional-desenvolvimentistas, de vi�s estatizante, que marcaram a sua trajet�ria pol�tica, sem qualquer identifica��o com as bandeiras defendidas pelos liberais no Pa�s.
�tica liberal
"O petr�leo � nosso ou de um pequeno grupo no Brasil?", afirmou Bolsonaro, em refer�ncia � frase do ex-presidente Get�lio Vargas adotada na campanha nacionalista que levou � cria��o da Petrobr�s, nos anos 1950, ao esbravejar contra os seguidos aumentos nos pre�os dos combust�veis. "Uma estatal, seja ela qual for, tem que ter sua vis�o social", acrescentou, adotando um discurso oposto ao da turma de Guedes.
Pela �tica liberal, a melhor forma de as estatais cumprirem a sua "fun��o social" � por meio do aumento de efici�ncia e de produtividade, para gerar mais lucro e mais dividendos para o governo poder aplicar o dinheiro em sa�de, educa��o e seguran�a.
"Os combust�veis s�o commodities, como o a��car, o caf�, o trigo. S�o commodities cotadas em d�lar e seus pre�os s�o formados pela oferta e demanda internacional", afirmou Castello Branco, ao responder �s cr�ticas de Bolsonaro, durante a apresenta��o do balan�o da Petrobr�s no quarto trimestre de 2020, que apontou lucro recorde de R$ 59,9 bilh�es. "Se o Brasil quer ser uma economia de mercado, tem que ter pre�os de mercado. N�o atenderemos aos melhores interesses da sociedade subsidiando os pre�os dos combust�veis."
Apesar dessas diverg�ncias, boa parte da ala liberal que apoiou Bolsonaro em 2018 vinha relativizando os seus pecados na economia at� agora. Mas, diante da sucess�o de transgress�es �s cren�as do grupo nos �ltimos tempos, o div�rcio dos liberais com Bolsonaro talvez esteja mais pr�ximo do que se poderia imaginar algum tempo atr�s.
"Minha decep��o foi gradual. Hoje, n�o tenho mais confian�a na fidelidade de Bolsonaro � agenda liberal", diz Lucas Berlanza, presidente do Instituto Liberal, uma organiza��o de difus�o das ideias liberais no Pa�s. "Imaginava que, para mim, o ponto m�ximo de decep��o com Bolsonaro seria se o Paulo Guedes sa�sse, mas n�o foi necess�rio isso acontecer para chegar a esse ponto."
Como l�der dos liberais no governo, Paulo Guedes, provavelmente, vai "apagar a luz". A quest�o, agora, pelo que se pode observar, n�o � tanto saber "se" ele vai deixar o cargo, mas "quando" o far�. Se a guinada nacional-desenvolvimentista e intervencionista de Bolsonaro se confirmar, o risco de Guedes esticar a sua perman�ncia no cargo � ele estar � frente de um ex�rcito de um homem s� - ele pr�prio.
�Velho� Bolsonaro �renasce� com interven��o na economia
Desde a sua posse, em janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro deixou para tr�s em v�rias ocasi�es o receitu�rio liberal pregado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que ele procurou capitalizar em seu favor na campanha eleitoral. Confira a seguir uma s�rie de posi��es antiliberais adotadas por Bolsonaro em seus 26 meses no governo, que deixam � mostra a velha mentalidade nacional-desenvolvimentista e corporativista que marcou a sua trajet�ria pol�tica.
Abertura econ�mica - Em vez de promover a abertura ampla e irrestrita prometida por Guedes, Bolsonaro cedeu ao lobby das entidades ligadas � ind�stria, adiando por prazo indeterminado o corte generalizado de tarifas de importa��o. Nos �ltimos meses, passou a cogitar a recria��o do antigo Minist�rio do Desenvolvimento (MDIC) - cuja incorpora��o ao Minist�rio da Economia pra considerada essencial por Guedes para viabilizar a abertura longe da press�o dos empres�rios - com o objetivo de atender a interesses pol�ticos e corporativos.
Pre�os dos combust�veis - Irritado com os aumentos nos pre�os dos combust�veis, Bolsonaro indicou o general Joaquim Silva e Luna para substituir o atual presidente da Petrobr�s, Roberto Castello Branco, gerando muita desconfian�a no mercado sobre interfer�ncias na companhia. Al�m disso, defendeu uma suposta "fun��o social" das estatais, em vez de apoiar uma gest�o profissional, que possa gerar mais dividendos para o governo aplicar em sa�de, educa��o e seguran�a.
Banco do Brasil - Incomodado com a decis�o da institui��o de fechar ag�ncias e abrir um programa de demiss�o volunt�ria para reduzir custos, Bolsonaro amea�ou demitir seu presidente, Andr� Brand�o. Embora a amea�a n�o se tenha concretizado, Brand�o acabou colocando o cargo � disposi��o na sexta-feira e dever� deixar o governo.
Ceagesp - Apesar de a privatiza��o da Ceagesp (Cia. de Entrepostos e Armaz�ns Gerais de S�o Paulo) ter sido inclu�da no PND (Plano Nacional de Desestatiza��o) em seu governo, Bolsonaro disse recentemente, numa visita � empresa, que, enquanto for presidente, "nenhum rato vai sucatear isso aqui para privatizar para os seus amigos".
Reforma administrativa - Por decis�o de Bolsonaro, a proposta enviada pelo governo ao Congresso para mudar o RH do Estado, excluiu os atuais servidores. Tamb�m ficaram de fora militares, parlamentares, magistrados, promotores e procuradores.
Supermercados - Numa rea��o que fez lembrar os tempos do Plano Cruzado, em 1986, alvo de duras cr�ticas de Paulo Guedes na �poca, Bolsonaro apelou ao patriotismo dos donos de supermercados para conter a infla��o nos alimentos, dando a entender que os pre�os cobrados nas g�ndolas dependem do altru�smo alheio e n�o das for�as de mercado.
Energia solar - Em oposi��o ao que defendia a Aneel (Ag�ncia Nacional de Energia El�trica), Bolsonaro impediu a revis�o dos subs�dios concedidos a quem produz energia solar para uso pr�prio, uma benesse cujo custo alcan�ar� R$ 34 bilh�es at� 2035, segundo o Minist�rio da Economia.
Banana do Equador - A pedido de Bolsonaro, o Minist�rio da Agricultura restringiu a importa��o de banana do Equador para proteger produtores nacionais, ao revogar duas Instru��es Normativas que definiam regras fitossanit�rias para importa��o do produto.
Leite em p� - Atendendo a lobby do agroneg�cio, Bolsonaro anunciou o aumento do imposto sobre importa��es de leite em p�, para compensar o corte do imposto antidumping, de at� 14,8%, promovido pelo Minist�rio da Economia.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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